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Cronicas-->Neguinho, um neoliberal -- 10/08/2007 - 15:29 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em volta do estádio, os carros ocupavam qualquer buraco antes vazio. As vagas de sempre, beira da calçada, tinham sido preenchidas horas antes de o jogo começar. Os nem-aí da fila dupla chegaram logo depois, junto aos espertos se enfiando nos estacionamentos de lojas. Dirigir por certas ruas nas redondezas? Sem chance. Tudo ali era um pátio de veículos de todas as cores. Era um tempo em que não existiam guardadores de carro, bons tempos de vias verdadeiramente públicas.
Também era batata que uns dez carros fossem roubados e outros vinte arrombados e depenados. O juiz apitava no campo, os craques corriam atrás da bola e os ladrões saiam dos becos, brotavam do asfalto. Cada um por si, sem chefia, sem plano. Uns em dupla: um ligando fios, outro de guarda. Outros, carreira solo, confiantes numa vela de carro amarrada em linha de náilon - pow crash! -, mais um vidro detonado e um teipe vagabundo na mochila. Polícia só perto dos portões para dar porrada em torcedor bocudo; fora isso, gambé não dava as caras por ali para não atrapalhar o negócio.
Quarta e domingo. Todo mundo já se conhecia. Além da rotina do ofício comum, todos dependiam dos mesmos receptadores, aqueles que botavam preço no esforço deles e ficavam com o lucro maior. Mesmo as encomendas, dez Brasílias, cinco Fuscas e dois Del Reys, rendiam pouco para cada um. A lógica do mercado de carros roubados era cruel: muita "comissão" para garantir a cegueira das autoridades, o salário mínimo da mão-de-obra honesta dos desmancheiros, a concorrência de curiosos. Tudo arrochando o ganho dos captadores. Cada um queria garantir o seu.
- Aí, meu, esse Fuca já ta na mão.
- Nem vem, malandro. Tó de butuca nele dês que o porcão parou aqui.
- E eu com isso? Queima o chão, meu. Ou cê tá roubado. Chega aí, Neguinho.
- Que qui rola, mané? Tão dando muita bandeira com esse muvuca, aí! Os meganha num se liga no teatro não.
- Esse paraíba tá atravessando nossa encomenda, Neguinho.
- Atravessando é o cacete. Esse aqui é meu.
- Calma aí, ó gente boa. Eu conheço tua pessoa. Cê num é chara do Patrick da Parada Inglesa?
- Meu chapa.
- Então, meu. Nem é caso pra B.O.. Faz assim, nego, vamo tocar essa de sócio.
- Mas, Neguinho, o cara vai...
- Fica na tua, Maurin. Saca que em três aumenta a produção, falou? Pode ser, Paraíba?
- Tó dentro, Neguinho.
Maurin, Paraíba e Neguinho organizaram a zona. Apesar da desconfiança do Maurin que não engolia o Paraíba, a parceria evoluiu. Contrataram uns capangas armados para impedir a entrada de gente nova (uma meia dúzia sem nome foi encontrada no rio), recebiam comissão da féria de um por um e a PM só falava com os três para negociar os termos da convivência no entorno. Demorou pouco para que Neguinho sacasse que o lance ali era diversificar o negócio. Mesmo com todo o investimento para montar a quadrilha, a venda ainda não valia o esforço. Os donos de desmanche eram os caras.
- Seguinte, cambada. Vamo criar outro negócio. Só na honestidade agora.
- Surtó, Neguinho? Vai trabalhar na CMTC?
- Se liga, Maurin: vamo negociar com os donos de cada carro.
- Ó o cara?! Tá falando de quê?
- Ó, Paraíba! Com esse cabeção tu ainda não sacou? A gente manda aqui no pedaço do estádio. Nem os malandro da Zona Leste têm cara de pintar aqui em dia de jogo. Os burguezinho das torcidas continuam parando aqui sei lá por que cargas d´água.
- São uns tontos.
- Sei lá, o futebol é essa doença aí. Todo mundo sabe que o carro pode sumir, mas pára aqui. Só que o medo deles ainda ta aí, o carro roubado é um pé-no-saco e coisa e tal. A gente vai fazer o seguinte: vai tomar conta do carro deles.
- Tá louco, Neguinho. Vai parar de roubar pra tomar conta?
- Matemática, Maurin. Faz as contas: por noite, a gente leva, no máximo, uns dez carros e mais os pingados dos outros. No fim, isso não dá dois mil. Quantos carros param aqui? Uns trezentos, quatrocentos? Deizão de cada um: três, quatro mil. A gente traz uns pivetes, ensina o jeito de cobrar antes e fazer o dono do carro sacar que, se não pagar, vai se arrepender. De quem não pagar, a gente arrasta o carro e continua vendendo pro desmanche. Sacou, Paraíba?
- Só. Eles pagam pra gente fingir que não vê o carro deles.
- É isso aí. Menino esperto!
Graças ao empreendedorismo de Neguinho e Cia., a diversão dos cidadãos está garantida, no estádio, no show, nos bares. Sim, você paga seus impostos. Sim, a rua é pública. Sim, oferecer segurança é dever do estado. E não, você não entende que a diversificação, a parceria público-privada e a privatização são os pilares do neoliberalismo. Neguinho, um neoliberal!
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