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Artigos-->Poemas de Ronaldo Cagiano -- 22/03/2000 - 15:30 (Ronaldo Cagiano) |
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Poemas de
Ronaldo Cagiano
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FLAMBOYANTS
Nas avenidas de Cataguases
os flamboyants florescem
como numa pintura de Van Gogh,
enquanto a cidade jaz
num silêncio sepulcral.
Corolas e pistilos denunciam
que no asfalto distante rompe uma flor:
é a rosa destemida
que vinga contra o tédio
e a dissimulação
que o tempo decreta
nesses homens tão urgentes.
Os passos enviesados
da entourage ensimesmada
não colhem dos pássaros
a melodia mozartiana
que insiste em meio
à indiferença total.
Mas essas árvores solenes
(como os discretos oitis das alamedas)
explodem altivas nas cercanias solitárias
e guardam segredos das gentes
sob o beiral do riacho exausto
que, sonolento, beija suas raízes.
Mais vivos do que nós,
celebram o que em mim
já não vive.
PROSOEMA
Les poètes sont des oiseaux:
tont bruit les fait chanter.
Chateaubriand
O cinismo caviloso das elites
a ignomínia persistente dos canalhas
a malversação indecorosa dos políticos
a alienação da Justiça empedernida
o descompasso dos poderes ultrajados
a clandestinidade da infância desterrada
a indigência dos sem-teto, dos sem-terra
a nutrir a opulência dos obituários
o arrivismo de nayas e jorginas
o malabarismo dos collors e das zélias
- a delinqüência intangível
dos poderosos e dos pulhas -
fermento de tragédias tão impunes
caldo efervescente da miséria
que se reproduz na crônica
frialdade dos noticiários.
Quase Sísifos,
em nosso desesperado
escalar de íngremes torturas;
feito Teseus perseguindo
Minotauros,
sem perder o fio de Ariadne
de nossos próprios labirintos;
ou Prometeus acorrentados,
no moto-contínuo de nossas poucas vidas
- ainda sonhamos,
como Ícaros redivivos,
a voar sobre esse espectro dissonante
e não deixar que conspurquem
os olhos daquela estátua
que hiberna tediosa
na Praça dos Três Poderes.
MARIA FUMAÇA
A Luiz Ruffato
Contra o silêncio mineral
dos trilhos que serpenteiam
pelos contrafortes da minha infância
ainda irrompe a velha "Maria Fumaça",
animal metálico e incandescente
que deflorava os caminhos silenciosos
entre histórias de chegar e partir
nessa Minas velha de guerra.
A plataforma da velha estação
ainda guarda o cheiro de fuligem
do expresso enfumaçado
a batizar os dormentes
com fluidos de longínquas plagas
que os vagões imponentes traziam.
(Ah, onde andará o velho Gabriel Melido
a tanger solenemente o telégrafo
e anunciando, no badalar de um pressuroso sino,
manobras, comboios e embarques?)
Aquele trem
(como uma imensa serpente atalhando
a crescer diante dos meus olhos)
ainda apita dentro de mim,
rasgando a solidão ferroviária
dos meus inúteis cansaços,
nessa era de asfaltos, informática e delinqüências.
O pátio da Leopoldina Railway
agora só conhece fantasmas e lembranças
que o tempo não soube espantar,
mas um maquinista obstinado
e o guarda-chaves em sentinela
ainda habitam os escaninhos
de uma memória ancestral.
POEMA DA
IMPERMANÊNCIA
Em tudo o que fiz,
por onde passe(e)i,
deixei um pouco de mim
no rastro impreciso
de meus passos,
na rutilância dos olhos esbugalhados
diante dos avessos da vida
ou na tumultuária assimetria
dos leitos da amada.
Os desacertos, as nulidades, os escombros
são frutos clandestinos
dos atalhos e das contingências,
do niilismo impregnado em minhas vísceras:
a inocência apeou desapontada,
a malícia conduziu-se ávida
na crina indigente dos lençóis.
Os exageros
eu os credito á solidão ,
esse rebanho de ausências
e sua confraria de silêncios,
que nos acantoam ou nos impõem
um degredo maior
que asila a alma
e desmantela as coisas.
TABAGISTA
Pálido prazer
de espirais dementes...
Para onde vão tuas chaminés indissolúveis,
teus arroubos nicotínicos,
tua pouca inteligência?
BIOGRAFIA
Ó, Brasília,
que sabem de mim
os silenciosos flamboyants
de Cataguases
ou as tuas cigarras
de agosto?
CHUVA
Os trovões coiceiam a noite
e um vento afiado corta
a madrugada.
No silêncio dos campos molhados
ricochete de relâmpagos
amedrontando a criação.
Em cada casa, um sarcófago doméstico:
os homens recolhem-se do tempo
e os sustos de Deus
repicam em suas almas.
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