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Contos-->ILHA DO SIRI -- 17/12/2016 - 21:34 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
 
Produzir faíscas pelo atrito de duas  pedras foi doloroso e desanimador. Mas, quando conseguiram fazer fogo numa ilha, os náufragos  dançaram como nativos em volta de fogueira.
O fogo se levantou entre os gravetos. Crepitavam os galhos verdes, e insetos saltavam em fuga espetacular. Abismados, Daniel e Ravenala viam imagens na lenta composição fantasmagórica da fumaça tocada pelo vento.
— Façamos a dança dos fantasmas – disse Daniel.
— Não! Quer pelo efeito hipnótico, quer pelo narcoléptico, que se dá com o uso da diamba, a  maioria dos rituais indígenas atraem maus espíritos que se apresentam como a boa alma de seus ancestrais.  Tenho medo de fantasmas. Até o general Custer temeu e enfrentou seus medos, levantando o exército norte-americano contra Touro Sentado. 
— Aonde queres chegar com esta prosa, Ravinha — interferiu Daniel.
— Àquilo que pode ser benéfico ao espírito, ou causar mal a ele. É preciso policiar além do que se faz, também o que ouve ou ver. Os olhos são janelas abertas para a alma. Quando vi o filme ‘Os fantasmas se divertem’ tive pesadelos. Há notícias na imprensa que a película ‘O Exorcista’ causou danos psicológicos ao público jovem dos anos 70. 
— Como pode encontrar-se entre cristãos, pessoas que lutam pela legalização do uso de drogas? Não avaliam os efeitos traumáticos da dependência química ou inescrupulosamente desejam aumentar o contingente de usuários, para que possam auferir maior ganho  em seus negócios escusos? Afinal, o maior fantasma do século XXI não é o estresse. É a drogadição que transforma os usuários em verdadeiros zumbis, (no sentido de escravos, escravos das drogas) sem ofensa aos irmãos quilombolas — ressalto.
— A dependência química não se limita a causar efeitos físicos. Atinge também o espiritual. Isso explica porque ao fármaco administrado aos usuários de drogas deve-se adicionar gotas da misericórdia divina.
— Não tive intenção de despojar teu manto de freira. Façamos a dança do fogo. Como seria a dança  do fogo na tribo de Apinajé? Deve ser algo semelhante ao que fazemos em torno de uma fogueira nas festas juninas.
— Ora Dan! Pouco posso dizer sobre essa tribo. Chanana é filha da índia Apinajé e não sabe quase nada de sua raça. Fala vagamente de sete irmãos que não conhecera. Eles fugiram logo que ela nasceu e lhe morrera a mãe. Vovó Corina dizia que Apinajé tinha  cor clara, quase albina. Talvez por isso tenha sido expulsa da tribo, ou pela mesma razão, fugido, afastando-se dos seus, porque índios albinos são sacrificados, também são sacrificados os gêmeos, que segundo a crença, albinos ou gêmeos, trazem  mau agouro à tribo.
— Não há de se estranhar infanticídio entre índios. Eles são selvagens. Inadmissível é o homem civilizado matar nascituros.
— Homem branco é mais selvagem que índio.
Levantou-se. Fez um gesto de chamamento, e Ravenala o acompanhou.
— Churrasco de tartaruga, que tal?
— Prefiro ovo.
— Onde vou encontrar ovo?
— Solte a tartaruga e siga os passos dela. Se tiver enterrado ovos, irá direto ao ninho. Como conseguiu capturá-la?
— Ela anda devagar. Difícil foi convencê-la a ficar de barriga para cima!
 Ha... Ha... Ha... Ha!...
Seus dedos se moveram em lento e harmonioso gesto de chamamento. E Ravenala  se aproximou mais da tartaruga.
— Veja como é fácil!
Colocou a tartaruga na posição de andar e bateu palmas cantarolando: ‘Lá vai a tartaruga uga...uga...’
  O animal correu com toda a pressa possível a uma tartaruga. Parou mais adiante. Jogou areia para trás e quase desapareceu no fosso que cavara. Só a lombada de sua carapaça    podia ser vista, enquanto a tartaruga padejava,  jogando areia  para os lados e para trás. Por fim, seu vulto desaparece detrás de um amontoado de areia da praia.
—  Ela entrou no buraco? 
— Não, no buraco põe os ovos, depois enterra.
—  Pois vá logo buscar  seu coador, Dan, teremos omelete!
— Trarei os ovos nas mãos.  O landuá é para pegar peixe!
—  Nunca vais pescar aqueles  que ficam na sala grande da gruta. Vai?
— Não! Quando a maré alta vaza, deixa piscinas. E fica peixe nas piscinas. Pescarei nas piscinas.
— Aprovado, aprovado, bravo!
Até a natureza ensina a falar corretamente nossa  língua materna — disse Ravenala — piscina deveria ser o lugar de criar peixe, não aquário. Mas o homem prende o peixe no aquário e se diverte nadando  na piscina sem peixes. E concluiu: ‘Com que palavras lavras tua seara? Criaste o landuá? Eu não conhecia este vernáculo. ’
— Ora, esqueceste que morei no Nordeste? Vi jequié, jiqui, jiquiá...jereré e landuá...Tudo isso vi por onde andei.
— Sei que moraste na Paraíba. Acompanhei pelo  Face book as imagens em que apareces dançando quadrilha, dentro de uma agência de banco na festa de São João em Campina Grande.
— Os bancos de crédito e investimento  bem gostariam que as quadrilhas dançassem forró em suas dependências, sem destruírem os caixas eletrônicos. (Riso) 
Como não rir dessas coisas? Ela se referia às festas juninas em Campina Grande, não ao arrombamento de bancos por delinquentes.
— Estamos numa ilha. Não me traga imagens de violência das grandes cidades — disse Ravenala esboçando leve sorriso — Quantos ovos são necessários para uma omelete?
— Depende do número de comensais...
— Três.
— Três? Somos dois.
— Esqueceste-te do Bobbynho?
— Ah! o baby Bobby comerá do prato da mãe pelo cordão umbilical.
No dia seguinte.
— Vamos fazer uma caminhada?
— Exercícios físicos muito pesados, podem não ser recomendáveis para gestantes. Já estou  no oitavo  mês e não tenho o hábito de fazer caminhadas com frequência.
— Oito meses é o tempo provável, contando a  temporada na Ilha do Siri.
— Não suporto nem ver siri na minha frente...
— Que tem a ver siri com a caminhada? Não retornaremos à Ilha do Siri. Quem anda para trás é caranguejo, siri, não.
— Falo da escalada. A encosta é alta demais para ser conquistada por uma gestante. Também por causa dos siris. O caminho que leva à falésia está cheio daqueles bichinhos esquisitos.
— Cozidos são deliciosos.
   Ravenala lançou fora uma gosma verde.
— Desculpe-me, não sabia que aos oito meses a gestante ainda sente enjoos.
Daniel entendeu que as frequentes escaladas à falésia eram  cansativas demais para uma grávida.
— Se não tiveres medo de ficar só. Subirei  a encosta para buscar  frutos.
— Não tenho medo! Pode ir.
Subiu.
A claridade era boa para fazer reconhecimento do terreno. Aproximou-se da lagoa e escutou o tropel de animal de médio porte, fugindo. ‘Que será?’ Daniel não era nenhum expert em reconhecer rastros de animais selvagens, mas conhecia muitos deles, vistos em zoológicos, e pelo tipo do rastro, daria para deduzir  de quem era a pata que deixou aquela marca no chão.
A margem da lagoa era de solo argiloso. Seco, ia tornando-se úmido na medida em que estava mais perto da água. Seguiu devagar e se deparou com uma pegada ainda fresca: duas fendas como que perfuradas por uma máquina. E no meio, um pequeno relevo. — ‘Pegadas de porco’. —  Um calafrio caminhou em sua  espinha dorsal: ‘Porco não, javali.’ 
Pensou numa arma, para se precaver de eventual ataque. Mas o animal fugira. Então ele, Daniel era o terror. — ‘Como um facão faz falta! Além de servir de arma, prestaria serviço na confecção de uma zagaia’.  Mal a palavra ‘zagaia’ surgiu em sua mente, veio-lhe a lembrança de animal feroz. Mais feroz que o javali. ‘Onde tem presa, tem predador. Qual é o predador de um javali? Quem arriscaria enfrentar aquelas presas gigantes?...’ — ‘A onça!’. Ele sabia que subindo numa árvore ficava livre do alcance de um javali, não só pelo fato de javali não subir em árvores, também porque o javali não olha para o alto. Até um bom cupinzeiro pode salvar um homem do ataque de um porco selvagem. Mas uma onça... Se o pau for grosso ela finca as unhas no tronco e sobe.
Cobrou de si mesmo conhecimentos de engenheiro. ‘Que fazer, doutor Daniel?’— ‘Um arco e uma flecha’ —  respondeu o doutor Daniel que era ele mesmo.
Arrancou um galho flexível,  e quebrando as extremidades com as mão, fez embiras da casca do pau. Torcendo e retorcendo, uma sobre a outra, até formar uma corda de embiras. Atou uma das extremidades, e envergou a vergôntea a ponto de quase se parti-la ao meio. Testou com os dedos, e  desaprovou o resultado. A resiliência da corda surtia mais efeito como instrumento musical do que arma. Pôs a tiracolo, e teve medo de entrar na mata fechada, em plena luz do dia.
Deu o primeiro passo. Medroso. Alguma coisa se debatia à beira da lagoa, quase no limite das águas. Avaliou o porte do animal, e arriscou aproximar-se. Era uma ave atolada, com os pés presos na lama, até a altura das coxas. Pegou-a. A ave se fez de morta. Ele afrouxou a mão. Pouco. E por pouco não perdeu a caça. Pressionou-a levemente. Ela tornou fingir-se morta. Com cuidado, pegou uma ponta de embira, e amarrou os pés da codorniz. Depois, fez o mesmo com as asas, ligeiramente flexionadas para cima. Desceu a encosta, levando o arco que não servia para nada, e uma ave de pequeno porte, insuficiente para saciar a fome de duas pessoas adultas.
— Demoraste pouco meu bem. Pouco mais do que o necessário para  escalar a falésia.
Ele deixou escapar um sorriso amarelo. Não devia rir de seu próprio medo. Ainda estava amedrontado. — O tempo fechou lá em cima. Tive que descer — disse sem pensar. E teceu uma esteira em formato de cone, prendeu-a ao semicírculo. Veja, fiz outro  landuá. Temos agora um grande e um pequeno.
Ravenala não questionou. Pode ser que com este landuá maior, Daniel pegue peixe grande. O menor se prestava apenas para captura de siri. Ela não podia ver os amarelos, vermelhos e descorados,  nem sentir o cheiro daquele crustáceo corredor. 
— Siri deve ser parente de aranha, eca.
— Nem todo artrópode é um aracnídeo.
— Sinto falta de um dicionário aqui na ilha. Não confirmo nem nego a veracidade de sua informação sobre artrópodes aracnídeos. Fica mais difícil que traduzir o latim de meu avô, no meio da pastagem...
Arre!
— Olha que eu trouxe.
— Uma codorna?
— Codorna, codorniz ou perdiz. Não sei. Sei que eu trouxe nosso jantar.
— Como consegui capturá-la. 
Não gostava da palavra matar.
— Ela estava presa na lama da lagoa.
— Estava morta? Eca!
— Está viva.
— Então solte-a. Não vou comer um bichinho tão bonito. — Pedrês... Pedrês... bonito...bonito...— disse sonolenta — Cadê as frutas? 
— Esqueci-me de trazer.
Ravenala sentiu enjoos. Daniel ofereceu-lhe água de coco. Ela tomou, e dormiu.
***
Adalberto Lima – fragmento de Estrada sem fim...(para apreciação e avaliação do leitor virtual – Obra em construção)
Imagem: Internet

 
Adalberto Lima
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