CASSARAM O POETINHA VINICIUS SÓ PORQUE INCENTIVAVA AS "INOCENTES" LIGAS CAMPONESAS.
Jagulha
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Roberto Porto
Publicada em: 01/09/2007
OS HOMENS DA TERRA
Ao longo de minha vida de estudante da Faculdade Nacional de Direito e, pouco depois, de jornalista profissional, conheci gente de talento e renome.
Através de minha ex-mulher, Maria Teresa Senise, prima de Maria Lúcia Proença (1928-2007), passei a ter contato com nada menos do que o poeta e compositor Vinícius de Moraes (1913-1980). Vinícius e Lucinha viveram juntos por alguns anos no Parque Guinle, em Laranjeiras, e pude frequentar o apartamento deles com assiduidade. Os dois, que pareciam viver um grande amor, recebiam convidados diariamente e lá estava eu, atento, para ouvir as composições ao violão que Vinícius dedilhava com beleza e categoria.
Ao entrar para a Nacional de Direito, em 1961, fui convidado para integrar a equipe que lançaria a Revista da Reforma - partido estudantil com tendências socialistas e oposicionista à ALA. Já com pretensões ao jornalismo - o que só viria a ocorrer mais tarde - a oportunidade me deixou empolgado. E logo para o primeiro número prometi que conseguiria um poema inédito de Vinícius para comemorar o primeiro número. Liguei numa sexta-feira e ele me prometeu entregar o poema na segunda-feira, no Itamaraty (só teria a carreira de diplomata cassada quando os militares chegaram ao poder). Confesso que fiquei em dúvida porque Vinícius iria passar o final de semana em Petrópolis com Lucinha e não sei se o poetinha teria tempo livre.
Mas na segunda-feira ele me surpreendeu. Telefonou para mim e me mandou pegar o poema - chamado `Os homens da terra´. Mas fez uma exigência: queria que eu fosse pessoalmente a João Pessoa, onde Francisco Julião (1915-1999) faria um comício das Ligas Camponesas, no Dia do Trabalho. Para isso, me entregou em mãos não apenas o original do poema como 50 mil cruzeiros (não me perguntem quanto significaria essa quantia hoje em dia) para comprar passagem aérea de ida e volta e hospedagem na Paraíba. Fiquei entusiasmado com a oportunidade. Mas o entusiasmo acabou de estalo quando comuniquei a meu pai que pretendia viajar.
Nélson Porto (1909-1994) era advogado mas, antes de tudo, um analista político. Já em 1961 pressentia que o clima do país indicava uma tomada de poder por parte dos militares. E simplesmente, com a autoridade de sempre, vetou minha aventura. O que fazer?
Levei o problema a meus colegas da FND e ressaltei que Vinícius queria que o poema fosse lido no palanque de Francisco Julião em apoio aos camponeses. Depois de uma rápida reunião, os responsáveis pela Revista da Reforma decidiram que o então presidente do Centro Acadêmico Càndido de Oliveira, o falecido Brandão Monteiro - que viria a ser deputado pelo PDT - iria em meu lugar. Como as passagens estavam em meu nome, Brandão Monteiro teve que seguir com minha carteira de identidade, pois os militares já fiscalizavam o embarque dos passageiros.
Brandão Monteiro foi, leu o poema, fez sucesso, voltou e devolveu meus documentos. Para Vinícius, eu disse que ficara gripado mas que seu poema não fora produzido em vão. Mas uma coisa me intriga até hoje: o `Correio da Manhã´ publicou mas `Os homens da terra´ não aparece em nenhuma coletànea de Vinícius de Moraes. Também não me perguntem a razão.