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cronicas-->DRAMALHÃO MEXICANO NO PÃO DE AÇÚCAR -- 15/01/2001 - 00:52 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DRAMALHÃO MEXICANO NO PÃO DE AÇÚCAR

Ele andava distraidamente pela seção de frutas e verduras, escolhendo algumas bananas-maçãs, pensando "eu sei que prende, mas vou levar assim mesmo", sem perceber que seu coração sentia uma pequena nostalgia do quintal de sua casa, no interior, onde havia uma generosa bananeira. Então ali, respirando o ar condicionado do Pão de Açúcar, não póde deixar de se lembrar daquela vez que sua mãe lhe pediu para que fosse no quintal apanhar o cacho de bananas, que estava muito alto e ele foi resmungando, com a faca na mão. Ao subir na escadinha dobrável que formava um "A" e meter a mão no cacho, uma grande mamangava (tem gente que fala mamangaba, ou só mangaba, mas pra tirar qualquer dúvida, é aquele insetão preto cuja picada "faz um moleque chorar por quatro horas seguidas", conforme explicação do Jesião, no ginásio, que é a menos científica, porém a mais dramática e ilustrativa), saiu voando do meio do cacho e o assustou de tal forma que ele se desequilibrou e caiu de costas na grama, perdendo a voz e a respiração por alguns segundos.
Enquanto colocava um cacho no saco plástico, pensando que ali em São Paulo poucos poderiam descrever o terror que uma mamangava irritada pode trazer, resolveu pegar um melão também. E foi ali, enquanto alisava, apalpava e cheirava os melões, que ironicamente deu de cara com ela. E seu decote.
- Oi - ela disse, com um ar inocente incomum naqueles olhos, como se nada tivesse acontecido.
- Oi - disse ele gravemente, tentando jogar naquelas duas vogais o enorme fardo de angústia, solidão e desespero que tomou conta de sua alma durante os últimos doze meses, desde o dia em que ela o abandonou sem nenhuma explicação, sem ligar nem retornar suas ligações e recados deixados com a voz pigarrenta de sua avó fumante.
Como ela conseguia, pensou, manter aquele ar puro de inocência e superficialidade depois de tudo o que tinham passado juntos? Tudo bem que durou somente um mês, mas fora um mês intenso! Será que ela se esquecera das madrugadas em que, deitada nos seus braços, ela dizia que ali era o único lugar onde se sentia segura? Será que ela não se lembrava daquela vez em que dançaram valsa, na formatura do primo dela, e tiveram que parar porque ele estava tão tenso que teve uma cãibra nas nádegas? Ele, pelo menos, ainda se lembrava do quanto ela riu naquela noite. E de como ela ficava linda sorrindo!
Ela disse, inclinando a cabeça pro lado de um jeito que fez seu coração torcer de saudade:
- Eu te vi ali atrás, nos doces. Pelo jeito você não mudou quase nada... duas latas de Ovomaltine e sorvete de flocos!
- Pois é, eu demoro pra esquecer velhos hábitos...
Disse isso querendo que ela se sentisse culpada, mas não falou com tanta convicção, o que deixou a frase solta no ar com um tom patético e melodramático. Mas ela parecia não ligar para o que ele pensava, pois continuou falando qualquer coisa sobre sushi de salmão. Enquanto ela falava, ele ficou apenas olhando-a profundamente, ali na seção de frutas, sentindo que havia algo diferente nela. Algo que não havia notado antes devido ao susto de reencontra-la após um ano sem se falarem, sem ouvir notícia nenhuma dela. Seria o cabelo? Ou o corpo? Ela não havia engordado absolutamente nada, porém transmitia uma sensação de robustez e força que nunca havia visto. Ela sorria muito, parecia feliz em encontra-lo, por isso ele não conseguiu continuar com o plano inicial de faze-la sentir culpada por ter causado tanto sofrimento, pois se ela soubesse que ele ficou três meses ouvindo apenas "I Will Survive" (versão do Cake) sem parar, ele esperava que pelo menos iriam se abraçar e se beijar sobre a banca de tomates, derrubando tudo e sendo expulsos do supermercado.
De repente, ele olhou para o lado e viu um sujeito com um bebê no colo, olhando para eles. Antes que ele pudesse perguntar "tá olhando o quê?" para o sujeito, ela disse:
- Você conhece o Telmo, o meu marido?
O "Não" que saiu de sua boca durou alguns segundos a mais do que o normal, devido a repetição descontrolada do "na". Mas ele não se importou com isso, pois sentiu como se estivesse isento dos efeitos da gravidade, caindo sem sair do lugar. Amparou-se discretamente na tábua da banca de frutas enquanto cumprimentava o marido. "Então é isso, ela é mãe", pensou "e está muito mais bonita...". Olhou para o bebê e perguntou seu nome e a idade.
- Ele se chama Pedro, tem quase três meses.
O moleque ria apertando os olhos, como ela. E como ele, pois ambos tinham olhos parecidos. Depois, sem dizer nada, olhou nos olhos dela, que por um segundo pareceram dizer algo, ou fora o reflexo das làmpadas fluorescentes? Seu cérebro fez a conta rapidamente. Há um ano, ela já estava grávida.
Ele nem se lembrou do que respondeu para a caixa do Pão de Açúcar quando ela perguntou se estava tudo bem enquanto ele chorava ao assinar o cheque. Tampouco se lembrava de ter entrado em casa e ter guardado o sorvete de flocos no freezer. Mas soube exatamente onde buscar o disco do Cake, escondido numa lata de biscoitos e botar no cd-player a velha "I Will Survive" e ficar ouvindo no canto da sala, até ficar completamente escuro.
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