Luciano Pavarotti morre consagrado como o tenor máximo dos últimos 50 anos. Ele se destacou pelo timbre cintilante, o alcance dos agudos, a fluência melódica, a genialidade em trabalhar os ornamentos. Seu virtuosismo se somou ao carisma e simpatia. Havia um componente de excentricidade: gostava da boa-mesa, de preparar pessoalmente suas refeições e de muito conforto.
Foi um boa-vida de bom coração, um leviano amoroso apaixonado como requeria sua condição de tenor. Ele soube lucrar com os empresários e, ao mesmo tempo, conseguiu fundar uma escola e um concurso de canto em sua Modena natal. Soube também se dar conta quando a voz começou a falhar. Retirou-se aos poucos do palco dos maiores teatros líricos do mundo e usou as limitações naturais para levar a ópera aos estádios e à s multidões. Foi assim com o show e CD Os Três Tenores, a lado de Placido Domingo e José Carreras, que bateu recorde de público e de vendagens, ajudando a música lírica a se manter num mundo cada vez menos afeito aos clássicos.
O gesto de orgulhosa humildade não o poupou do fiasco. Ele vinha sendo vaiado desde 1992, quando o público do teatro Alla Scala de Milão, apupou o seu Otello, da ópera homónima de Giuseppe Verdi. O Scala é ainda a suprema arena em que se abatem ou exaltam reputações vocais. Seu público se comporta como numa arena, em que os cantores líricos são a um só tempo touro e toureiros. Foi no Scala de Milão que Pavarotti foi coroado o tenor dos tenores italianos, quando lá estreou em 1965 como Rodolfo, o poeta romàntico de La Bohème, de Giacomo Puccini.
Sua voz leve era apropriada aos papéis heróicos, especialmente do repertório ultra-romàntico, as óperas de Vincenzo Bellin, Gaetano Donizetti e o Giuseppe Verdi da primeira fase. Quando tentou enfrentar os papéis dramáticos - como o de Otello -, ele fracassou, pois não tinha o peso dos papéis mais densos, uma característica de Placido Domingo, por exemplo. Sua praia eram os jovens heróis de voz aguda, entre a tessitura lírica e a ligeira. Encantou o mundo com suas gravações a parti5r dos anos 60. Em 1969, brilhou com o papel de Arvino na gravação independente de I Lombardi, de Verdi, ao lado da soprano Renata Scotto, Pavarotti. Logo constaria dos elencos dos maiores selos europeus e americanos. Enfrentou todos os papéis do repertório romàntico: Rodolfo (La Bohème), Edgardo (Lucia di Lammermoor), Alfredo (La Traviata), Cavaradossi (Tosca), Manrico (Il Trovatore). Foi também o dramático príncipe Calaf, de Turandot, cuja ária de bravura Nessun Dorma virou pop quando se tornou o prefixo musical da Copa do Mundo de 1990, na Itália. Pavarotti interpretou príncipe, conde, poeta, guerreiro, ator. Também fez o mouro ciumento Otelo, mas o papel não lhe cabia bem. Sua voz combinava com os destinos heróicos e romànticos. Sua voz permanece em centenas de CDs e DVDs como o paradigma de um tipo de lirismo ligeiro que está em perigo de extinção.