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cronicas-->Oficial de justiça amedrontado -- 16/09/2007 - 19:52 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Oficial de justiça amedrontado

Aroldo Arão de Medeiros

Cesário Bellenttini está nessa de fazer cobranças judiciais há muito tempo. É natural do interior do Paraná, mas sua base de atuação é no também interior do estado de Santa Catarina. A partir dessas premissas vê-se logo que Cesário prima pela paz e serenidade dos campos. Certa vez foi convocado para liberar na agitada São Paulo uma camioneta modelo Topic, que seria recolhida para a concessionária por falta de pagamento. Cesário passou em Curitiba e convidou seu sobrinho Tiago, um jovem que estava de férias na faculdade, para ir junto. Foram para o que seria a sua maior aventura de vida, num carro modelo popular que não chamasse a atenção, pois não sabiam o que lhes esperava. Chegando a São Paulo procuraram o primeiro contato e Cesário ficou pasmo ao saber que se tratava de colega de profissão, oficial de justiça juramentado, mas não tolo. Perguntou-lhe porque ele não ia lá buscar a Topic.
- Sabe onde ela está?
- Não, acabamos de chegar e só agora estamos tomando parte da situação.
- É! Coitados de vocês. Ela está numa favela, numa oficina mecànica.
- E daí, eu levo a documentação expedida pelo juiz, pegamos a camioneta e a levamos para a Iveco, concessionária autora da queixa-crime.
Preocupado com Cesário, o paulista cansado de fazer intimações tentou incutir na cabeça do pequeno homem o risco de morte que eles corriam.
- Cesário, irão só vocês dois lá? Não têm medo do que lhes possa acontecer?
- Meu senhor, nós vamos fazer o que deve ser feito e nada vai nos acontecer.
- Boa sorte para vocês, então.
Cesário e Tiago se dirigiram para uma das mais de cem favelas existentes na antiga e pacata terra da garoa, hoje próspera, porém terra da violência. O primeiro empecilho foi encontrar o endereço naquela confusão de ruelas, valas de esgoto a céu aberto, gente mal encarada, crianças sujas e armas expostas nas mãos de alguns homens. As ruas, para começar, não homenageavam nenhum cidadão deste país. Eram ruas com números em vez de nomes e eram os mais diferentes tipos de escritas, ora com carvão, ora com tinta e algumas vezes até funcionava a tal placa de lata, tão conhecida nos centros das cidades. Uma das vielas que lhes chamou a atenção foi a que, numa mesma tabuleta, estavam mal escritos os números 97 e 98. A caligrafia, se assim pode ser chamado aquilo, estava mais para hieróglifo do que para algarismo arábico. Pararam o veículo e perguntaram a uma velha senhora sobre a localização da rua número 70.
- Meus senhores essa rua um dia foi número 70, hoje eu não sei se é 70, 97 ou 98?
- E a senhora saberia me dizer onde fica uma oficina mecànica?
- É lá, depois do segundo boteco.
Para lá se dirigiram e lá estava a Topic, um pouco amassada e com o motor em desalinho, como diria um poeta. Próximo a ela estavam sentados sobre pedras seis malandros, uns fumando e outros bebendo cachaça. Cesário fechou bem seu carro dirigiu-se ao proprietário da oficina:
- O senhor está arrumando essa Topic?
- Sim e não, comecei a arrumar, mas não apareceu mais ninguém para me dar uma certeza de que eu iria receber pelo meu trabalho, aí eu parei.
- Pois pode deixar como está que eu vou levar assim como está e o trabalho que o senhor fez receberá daquele que era o dono.
- Com que autoridade o senhor vai fazer isso?
Nisso Cesário dá uma olhada para os marmanjos e vê que todos estão prestando atenção no desenrolar da conversa e prontos para agir, se necessário.
- Eu sou oficial de justiça e tenho autorização do juiz para levar esse utilitário até a Iveco, e é isso o que eu vou fazer já. Sabem onde tem um guincho aqui por perto?
Um garoto todo serelepe se adiantou e falou:
- Eu sei, se o senhor me der dez pratas eu vou buscar para o senhor.
- Pode ir garoto que o dinheiro estará na sua mão assim que chegar com o veículo.
O garoto saiu em disparada e cinco minutos depois chegava ele na cabine do caminhão guincho junto a um motorista mal encarado e de pouca conversa. O motorista, com a cara amarrada, falou:
- Para eu levar essa joça até a Iveco é cem reais e quero adiantado.
- Eu pago os seus cem paus, mas quando lá chegarmos.
- Tá bom, vamos lá. Mas quem vai empurrar essa bosta e ajudar a engatá-la no guincho?
Cesário, do alto do seu metro e sessenta, falou para os homens que a tudo acompanhavam, cada vez com mais interesse de ouvinte do que de participante.
- Pessoal, dêem uma mãozinha para nós, é só empurrar um pouco, engatarmos e vocês ficam liberados para continuarem o que estão fazendo.
Ninguém se mexeu, nenhuma manifestação foi ouvida. Cesário não desistiu, partiu para outra tentativa, perguntando:
- Vocês gostam de cerveja?
A reposta veio de pronto:
- Claro que gostamos.
Cesário chamou Tiago e mandou-o ir com o menino buscar duas caixas de latinhas geladas. Logo estavam todos empurrando a Topic e engatando no guincho. Partiram então com destino à Iveco. No caminho, porém, o motor da Topic caiu. Com mais uma chorada do motorista do guincho, para poder fazer força, seguiram adiante, mediante o valor ser alterado para cento e cinquenta reais.
Graças a Deus chegaram, mas não contavam que lá os esperava o dono da Topic dentro da concessionária e dois capangas os aguardavam próximos ao portão principal num Corcel velho, caindo os pedaços. Resolveram tudo, sempre diante ameaças do ex-dono da caminhonete. Conversaram com o funcionário da revendedora sobre a possibilidade de saírem sem dar de cara com os brutamontes no portão principal. Foi uma das poucas pessoas que os auxiliaram sem interesse. Indicou-os uma saída nos fundos. O rapaz se prontificou a levar o veículo mais próximo da saída enquanto ele conversava e distraía o ex-proprietário da Topic.
Depois de uns vinte minutos de balela, Cesário e Tiago se deslocaram até seu carro que estava escondido dos olhos dos leões de chácara, se mandaram e foram até o hotel onde estavam hospedados. Pagaram a conta rapidamente, pegaram seus poucos pertences e se hospedaram em outro hotel não muito longe dali e que, inclusive, a janela permitia que vislumbrassem a hospedagem anterior. Almoçaram no restaurante do hotel e subiram. Poderiam ir ao juiz pegar a assinatura do serviço executado, mas ficaram com medo. Esperaram até quase as três horas da tarde, que era quando fechava o estabelecimento. Durante esse período, de suas janelas espiavam os malandros que volta e meia estavam com o Corcel em frente ao outro hotel.
Dirigiram-se para o fórum para pegar a assinatura do juiz. Mas decidiram ir a pé para não serem descobertos. Vestidos completamente diferentes, de óculos escuros, não foram notados pelos meliantes. Pegaram a assinatura e voltaram ao hotel. Por volta das seis da tarde pagaram as contas do hotel e saíram com o coração nas mãos. Rezaram muito e, graças a Deus, nada mais de perigoso e ruim aconteceu.
Cesário prometeu para si e repete para todos com quem conversa:
Para São Paulo nunca mais viajo, seja a serviço ou a passeio.
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