UMA REUNIÃO COM OS PRÉ-SOCRÁTICOS JUNTO À LAGOA DO SAPO
EM BRASíLIA
Jan Muá
18 de setembro de 2007
Eram 14:00 horas. Estava no Parque de Olhos d´Água, Asa Norte. Na cidade de Juscelino, homem grande e cheio de brasilidade. Vinha da nascente límpida do parque e me chamou a atenção a alegria dos patos se banhando na Lagoa do Sapo. Fui para junto e me sentei num banquinho ali à disposição depois de ter prestado atenção aos dizeres da placa colocada no local. Entendi que no lugar onde me encontrava era uma "área exclusiva para contemplação. Menos mal, pensei eu. Posso contemplar, meditar, refletir, gerar idéias. Por que não? O único contratempo era o horário: 14 horas. Mas pensei entregar essa tarefa a outros, com menor dispêndio de energia para mim. Reuni minhas forças, minhas disposições e convoquei meus deuses. Seria interessante reunir ali no meio da natureza alguém que tivesse voz autorizada. Veio-me por isso a idéia de que seria brilhante ter ali todos os pré-socráticos, por exemplo, eles que tanto se interessaram, já a partir do século VI antes de Cristo, a decodificar a natureza e o sentido do mundo. Era, por isso, uma boa trazer até ao palco da Lagoa do Sapo, em Brasília, todos os pré-socráticos, que eram afinal, os primeiros gregos, ao que a gente saiba, que falaram com o primeiro sotaque filosófico do Ocidente. Atribuía-se a eles a primeira pesquisa filosófica no sentido de procurarem para o mundo uma explicação fundamental, um princípio, um arché. Era uma idéia excelente trazer isso à pauta em pleno século XXI, desta vez num palco naturalista, junto à atmosfera seca do parque mas temperada de alguma maneira pela proximidade úmida da Lagoa do Sapo. Vieram todos. Acreditam? Um Record em convites deste tipo. Hoje em dia as pessoas são pouco pontuais. Eles primaram pela pontualidade e pela gentileza de terem atendido o convite. Todos gente fina. E gente fina, como diz o povo, é outra coisa. A Lagoa estava bonita . Ela estava festiva porque recebia o caudal e os fios de água diretamente da nascente Os patos eram sua voz maior e a tornavam viva e ondeante.
Pedi aos meus amigos que filosofaram antes de Sócrates, os tais pré-socráticos, que me dissessem de viva voz, o que pensavam sobre o princípio do mundo e sobre seu sentido. Vi na disposição deles o verbo grego se preparar para atender o pedido da mesa. A primeira palavra foi dada ao grupo dos jónios, os primeiros pensadores gregos que filosofaram sobre a natureza. O que toda a gente quer saber quando se fala do assunto, é sobre qual teria sido "a primeira matéria do mundo". Tales de Mileto simpaticamente se adiantou e disse que a primeir matéria do mundo era a água. Anaximandro, porém, já foi de opinião que a primeira matéria do mundo seria o apeíron. Uma palavra grega que significa mais ou menos, algo de indeterminado, talvez mesmo algo de ilimitado. E para Anaxímenes, o primeiro princípio que animou o mundo foi o ar, mesmo. Gostei de Anaxímenes, por duas razões. Primeira razão, porque sou aquariano. Sou ar. E em segundo lugar porque estávamos ali, naquele horário das 14:00 quase abafados e sabíamos que nas escalas do ar, tem a brisa libertadora e o vento varredor das poeiras do mundo! Também era a primeira vez que eu ouvia um filósofo falar desse tema ali no parque. Numa hora nada fácil onde as testemunhas mais imediatas eram os patos, simpatizantes de Tales, que encontravam na água da Lagoa a primeira substància de sua alegria. Mas eu, apesar de meu sofrimento, continuaria a valorizar Anaxímenes sabendo que o "ar" sufocante que dominava o ambiente era uma composição nada autêntica do "ar" que continuaria a ser o grande elemento que nos liga ao cosmos pela respiração! Mas, fora da retórica de gostos e torcidas não poderíamos deixar de dar um certo apoio interior a Anaximandro que na hora da entrevista e da exposição enveredou por um discurso onde as pessoas entenderam que o primeiro elemento do mundo não é uma substància totalmente palpável. E sim, algo indeterminado, a que chamou "apeíron", em grego.
O debate estava como vamos percebendo mais em torno do que pensava o grupo jónio de Tales e companhia. Mas Pitágoras, que sempre foi respeitado como um talento matemático esperava impacientemente sua oportunidade. Havia chegado o momento. Quando lhe perguntei qual era, em sua opinião, o arché ou princípio do mundo, me disse frontalmente que nenhuma dúvida tinha de que o fundamento do mundo estava nos números. O número, completou Pitágoras, era a "expressão da interna harmonia do ser"! Para superar o hilozoísmo ou fundamento apenas material aduzido pelos jónios e a matemática de Pitágoras, precisávamos agora de abrir a discussão para outros campos.
Chegava a oportunidade de ouvirmos finalmente a voz de Heráclito. Era aquele pensador com fama de metafísico a quem alguém injustamente chamou de obscuro. O que sabemos é que a teoria dele é muito interessante. O ser - disse Heráclito na sua priemira intervenção e para quem o quis ouvir - sempre está em devir, em mudança e em transformação. Por isso mesmo é difícil alguém querer entendê-lo ou apreendê-lo através de conceitos unívocos e rígidos. Se eu me explicar em minha própria língua que é o grego, direi para vocês que na análise do ser do mundo, "panta rei", tudo flui, tudo se torna de hora em hora em algo diferente. Ouvido o testemunho de Herálito, demos a palavra a o grupo da escola de Elea. Falariam Xenófanes e Parmênides. Bem ao contrário de Heráclito, a escola de Eléia, com Parmênides em destaque, achava que há um único ser verdadeiro como fundamento do universo. Um ser de realidade absoluta. Um ser uno e imutável.
O debate estava se tornando bastante metafísico com o brilho e fama dos oradores, todos da Grécia. E o mais interessante é que até os patos da Lagoa do Sapo diminuíram o ruído e parecia até que eles tinham curiosidade em penetrar este segredo sobre o sentido do mundo e sobre o primeiro princípio, ou arché. Agora, para terminar a reunião, faltava só dar a palavra a outra corrente de filósofos da natureza. Pela ordem estavam se apresentando Empédocles, Anaxágoras, Leucipo e Demócrito. Tudo gente evoluída, com admiradores no século XXI. Gente que falou já de átomos na natureza. Para eles, o mundo dos sentidos tem que ser privilegiado. O universo, segundo o grupo, consta de algumas matérias fundamentais e de um infinito número de elementos relativamente homogêneos, que são os átomos. No meio de todos, Anaxágoras tem uma novidade. Diferente da matéria, para ele, há uma outra substància, o nous ou espírito(mente) que tem a capacidade de distinguir os elementos materiais de sua própria forma mental que analisa.
Bom. A reunião está no fim. Achei tudo uma beleza. Parque, lagoa, patos, sapo, pré-socráticos e suas teorias e meu próprio lazer. Graças à placa que me indicou o local como "área de contemplação" e a assistência dos patinhos da Lagoa do sapo, a reunião foi sutil demais. Coisa muito rara. Reunir gente deste gabarito sem despesa e sem badalação. Já aprendemos a não importunar nem o CNpq nem a CAPES. Nós não solicitamos ajuda ou bolsas para seminários desta natureza. Como é nossa intenção popularizar a cultura e levá-la democraticamente até à s pessoas, optamos por esta singela reunião, assim, deste jeito. Ninguém pagou nada. O milho para os patos já está garantido pelo parque.. E os pré-socráticos são anteriores à lei do dólar. Foram gentis e apareceram com o objetivo único de tornar suas idéias mais conhecidas. Isso não me dispensa de lhes agradecer. Se calhar vamos fazer outras reuniões deste tipo. Se os patos não atrapalharem e se os leitores aprovarem.
A reunião, pensei eu, no final, não vai ter uma ata de arquivo. Vai ter sim, uma divulgação promocional. Vou colocá-la como prosa poética no site da Magriça e como crónica em Usinadeletras. E se meus leitores gostarem, me escrevam e me dêem sugestões para outras reuniões, com texto a ser publicado na Internet. Adeus.
Jan Muá
18 de setembro de 2007. Junto à Lagoa do Sapo. No Parque Olhos d´Água, em Brasília
