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Cronicas-->UMA CAMINHADA SOLITÁRIA MAS COMPENSADORA -- 29/09/2007 - 21:24 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


UMA CAMINHADA SOLITÁRIA, MAS COMPENSADORA
Crónica filosófica
João Ferreira
29 de setembro de 2007.


Na hora em que ele se preparava para dar uma caminhada pelas avenidas do condomínio, foi na estante e pegou um livro, um pouco à toa. Quase maquinalmente, pegou o que lhe veio à mão. Só para folhear, para dar uma olhada, se fosse o caso. Gosta de ler, gosta de ter sempre uma idéia para refletir. E aprecia imenso ter a mente ocupada.
O livro que fora buscar na estante era uma tradução em espanhol do livro Situations I de Jean-Paul Sartre - o conhecido filósofo existencialista francês das décadas de 50 e 60, famosíssimo após a segunda Guerra Mundial. Essa tradução fora publicada pela Editorial Losada de Buenos Aires em 1960. Olhando bem, o candidato a leitor de Sartre verificou que o título original de Situations I, em francês, daria, à letra, bem traduzido, "Situaciones I". Mas não foi assim que pensaram os tradutores nem a editora que o lançou. Portanto, o que ele levava na mão para a rua era exatamente "El hombre y las cosas" - O homem e as coisas! Aliás, um título sonoro e bem agradável. Podia significar mil coisas e tinha muito material à mão para pensar.
Importante é que levava um livro na mão. De um famoso autor. Era uma munição. E se o passeio fosse pesado ou chato, teria ali uma forma de aliviar sua caminhada. Poderia usá-lo, se necessário. Ou não usar. Alternativa que lhe agradava.
Caminhou um pouco até ao parque. Ali as crianças brincavam felizes aproveitando os últimos momentos da tarde. Como se estivessem no paraíso terreal. Faziam algazarra descendo nas escorregadeiras, pegando o balanço ou brincando de casinha!
Ele foi sentar num banco do jardim do parque, alheio a tudo, olhando as crianças brincarem. Por fim, voltou a si e pegou o livro com vontade de ler umas páginas. Passou em revista todo o índice. E viu a quantidade de títulos e de ensaios de Sartre espalhados pelo livro. Entre eles, "Mauriac e a liberdade", "Uma idéia fundamental da fenomenologia de Husserl: a intencionalidade", "Uma explicação de L´Étranger", "A liberdade cartesiana", "O homem amarrado (Notas sobre o Diário de Jules Renard"). E, finalmente, "O homem e as coisas".
Nosso personagem olhou com atenção o título, que era em si mesmo uma tese e um mundo de idéias. Foi direto ao capítulo "O homem e as coisas", disposto a ler.
Deu primeiro uma espiadinha. Viu que Sartre fazia ali a análise crítica de um livro de Francis Ponge intitulado "Parti pris des choses" , que poderíamos traduzir, assim por alto, ou genericamente, "Posição antecipada sobre as coisas". Acho eu. No texto, Sartre mostra que a preocupação de Ponge era sobre a nominação.Avançando na leitura, nosso herói rapidamente percebeu que entre Ponge e Sartre há um muro que os separa. Para Ponge "O homem é linguagem. Tudo é fala. Para Sartre, o homem é pensamento de que a fala é instrumento. O que mais escandaliza Sartre é que Ponge adere à concepção materialista da linguagem. Linguagem para Ponge é mero som, foné. Definição do homem é pela fala. Já nem é a linguagem em si mesma, mas a "linguagem como se fala".
Lendo o livro de Sartre, nosso caminheiro ia percebendo que o filósofo francês, autor de "L´être et le néant", interpreta a linguagem como uma derivação da interioridade que o homem tem, e como oriunda de sua faculdade de pensar. Coisa que o materialismo de Ponge não viu. Para Sartre as coisas não entregam ao homem seu sentido íntimo de ser nem sua essência profunda. As coisas se furtam a dar seu sentido íntimo e próprio. O homem sempre tentará fazer aproximações pela linguagem, mas a linguagem ficará sempre aquém, sendo uma forma de o homem interrogar e tentar se aproximar do sentido das coisas. Apenas isto.
Na hora em que fechava o livro e se levantava para continuar sua caminhada, as crianças estavam já voltando para casa.
Seu pensamento levava uma mensagem sobre as palavras e a linguagem. Valeu a pena.
O debate entre Sartre e Ponge ficara em seu espírito. Caminhando, já de volta para casa, retomou seu próprio pensamento.
- É correto pensar na função das palavras, no papel das palavras. Mas mais interessante é pensar no papel do pensamento na germinação das palavras. Olhou o relógio.
-São horas de andar.
E quando lhe soou a palavra "horas" começou a divagar. A polissemia da palavra. A plurissignifcação das palavras. A pluralidade psicológica que se acende na alma diante de uma mesma palavra. E começou a divagar mais ainda.
-Minha hora? Sim, disse. Quanta variedade só nesta única palavra: hora! Vejamos só. A hora lírica. A hora dramática. A hora do desconsolo. A hora constrangedora. A hora alegre. A hora que angustia. A hora do triunfo e da vitória. A hora da derrota. A hora do desànimo ou da alegria. A hora de chegada. A hora-fronteira, sentida nos momentos em que temos decidir frontalmente uma situação de vida ou de morte. A hora do desejo. A hora da paixão. A hora do prazer. A hora da ameaça. A hora feliz do aniversário. A hora infeliz da morte de alguém. A hora pesadelo de não ter dinheiro. A hora amarga de um compromisso. A hora da boa disposição de um almoço. A hora de dormir. A hora de ir para a cama. A hora de estar na cama.
-Isto, disse ele. São situações. Situações que definem a relação do homem com as coisas. A sua relação com o tempo, espaço e sua situação no mundo.
- Boa a reflexão de Sartre que ela acabara de conhecer rigorosamente em "El hombre y las cosas !!!
Aproveitou a porta do jardim, entrou em casa e foi diretamente à estante para recolocar o livro no seu lugar.
Interiormente mostrava-se bem disposto pelos momentos de reflexão que a caminhada lhe proporcionara.


João Ferreira
29 de setembro de 2009
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