Num quarto de fibra de vidro, ao som de Beethoven e um belo lago árcade como cenário de fundo, encontram-se, deitados nus numa sugestiva cama redonda, Fred e Vick. O ano é 2175, a paisagem de fundo é uma projeção holográfica, e o Beethoven é o Beethoven mesmo.
- Vick...
- Fala, minha estrela de quinta grandeza.
- Ouvi comentários dos vizinhos, acho que meu marido desconfia de nós.
- Será? Mas esse aparte motel é tão discreto.
- Você sabe como é. Essa sociedade conservadora não vê com bons olhos uma relação heterossexual como a nossa.
- Quando é que o ser Neo-homo sapiens vai se tornar realmente livre de todos esses preconceitos, afinal? – desabafa Vick.
Fred se levanta frientamente da cama, diminui, com um comando sonoro, o grau do ar-condicionado e retira um objeto retangular estranhíssimo de dentro de sua bolsa.
- Estive num antiquário ontem à tarde e encontrei isso aqui. Estava quase enterrado ao lado daquelas máquinas de comunicação antiqüíssimas, os telefones celulares. Chama-se livro.
- Engraçado. Mas onde é que liga?
- Não se liga. Funciona assim: você abre e lê.
- Que rudimentar...
- Mas o que eu quero te mostrar é o seguinte: aqui, nessa crônica chamada “sala de espera”, você pode chegar à conclusão de que os relacionamentos heterossexuais é que eram os normais das décadas de 80 e 90 do século vinte.
- Na certa é algum escritor pornográfico...
- Eu também pensei isso. Fui pesquisar e vi que era assim mesmo que acontecia. Os homossexuais é que eram os ditos “anormais” da época. Esse escritor, o Luís Fernando Veríssimo, retratava muito bem a sociedade daqueles tempos. Diziam que era um dos grandes cronistas brasileiros da época.
Passam-se alguns minutos num cosmo-silêncio extratemporal. O olhar dos dois se perde e se reencontra várias vezes até que Vick fica séria de repente. Seu olhar denuncia que lá vem bomba por aí:
- Fred, eu estou grávida.
- O quê? Mas você não me disse que ia fazer uma embrio-clonagem.
- Mas o problema é esse. Eu não fiz embrio-clonagem nenhuma. Até agora eu não sei como é que aconteceu.
Fred se levanta apressadamente e começa a folhear o “Comédias da Vida Privada” à procura de alguma pista sobre aquela estranha coisa que lhes estava acontecendo. Um filho sem embrio-clonagem nunca tinha acontecido antes. Enquanto isso, Vick muda a paisagem de fundo para uma vista panorâmica dos anéis de Saturno. Ela não diz nada, seu olhar se perde entre as incontáveis estrelas das milhões de galáxias, e ninguém lhe tira a certeza de que esse filho é obra do Espírito Santo.