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Cronicas-->GISELLE BUENDCHEN NUM DEBATE DE FILOSOFIA -- 12/10/2007 - 10:31 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

GISELE BUENDCHEN NUM DEBATE SOBRE O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS



Uma crônica filosófica



João Ferreira



Foi isso mesmo. Gisele Buendchen esteve presente num debate sobre o problema dos universais numa Faculdade de Filosofia, em Brasília. Mais precisamente, no Iesco.Posso testemunhar. Estive nesse debate, também. Um grupo de estudantes havia começado o curso de filosofia no meio do ano. Freneticamente. Mas chegou a um ponto, em que se perturbou pela pressa que sentia de encontrar respostas dogmáticas para tudo. Respostas imediatas e definitivas, era o que pretendiam. Mas, aos poucos foi entendendo que a filosofia não está aí para dar respostas dogmáticas e definitivas. E, sim, para buscar e questionar os principais problemas humanos. Aos poucos, a turma foi entendendo que as respostas chegam devagar e às vezes nem sequer chegam! E que o caminho imprescindível para quem busca o saber, é empreender sinceramente a busca sem a garantia de uma plataforma de respostas dogmáticas!



O professor tinha como meta fazer que os alunos entendessem isto. A norma era trilhar com calma os caminhos que a filosofia abrindo. O tempo que lhes seria dado, era para caminhar com perspicácia mas com calma. O resto viria depois. Sendo um animado leitor de Heidegger, o mestre defendia que "é necessário caminhar para conhecer o caminho". E que "só o caminho nos revela a experiência da caminhada". Dentro de uma visão crí­tica que começava a se instalar em suas mentes, os alunos passaram a estudar com mais tranquilidade a História da Filosofia Medieval.



- Maduros para um debate? -  disse o professor. De fato, estavam conhecendo agora a história da escola francesa de Chartres, no século XII. Uma escola avançada que, apesar de medieval, marcou um enorme renascimento nas letras, na filosofia e no desenvolvimento do pensamento ocidental. Os estudantes já tinham percebido que a revolução dos estudos na escola se devia ao espí­rito pioneiro do fundador Fulberto de Chartres -, um homem de bases visionárias e futuristas, posteriormente secundado pelo talento dos mestres Gilberto de la Porrée e João de Salisbury.



- Foi exatamente quando se estudava a síntese filosófica de João de Salisbury que a turma tomou conhecimento de que todos os dialéticos daquele tempo tinham enfrentado o debate sobre os universais. E que esse debate fora uma paixão. Tão grande que o mundo escolar se dividiu em dois hemisférios: os nominalistas, de um lado, e os realistas do outro, monopolizando a questão. A diferença entre estes dois hemisférios era que para os nominalistas, os "universais não passavam de meras palavras" e para os realistas, as palavras carregavam verdadeiros "conceitos". A sala se agitava bem interessada como se estivesse num torneio dialético, muito prestigiado na época medieval.



Colocado frontalmente o problema se os universais eram apenas palavras ou conceitos, o grupo se animou como nunca. Isto mudou todo o ambiente da classe e da Faculdade! Era quase uma assembleia reconstituindo uma "disputatio", como se houvesse ali Abelardo animando o debate dialético.



-Bom. A verdade é que Abelardo não estava. Mas havia uma novidade estratégica, guardada a sete chaves!



Muito em segredo, alguém ia falando debaixo do pano e dizendo que a novidade seria Gisele Buendchen vir a ser apresentada no debate. E esse alguém sentia-se ansioso e queria ver de perto, também ele, a famosa modelo internacional brasileira. Isto não chegou a interromper o debate.



Carlos veio com uma síntese: que era o cerne do embate. Dizia ele: quando pronuncio o nome de uma coisa, tenho diante de mim apenas um nome, tenho um conceito ou tenho um nome e um conceito?



As opiniões iam se dividindo rapidamente. Atento, o professor se apressou a esclarecer: -Há duas questões aqui. A primeira é a questão do termo ou da palavra "universal". O que é "universal"? Temos de dar prioridade, a partir de agora, dizia o professor, ao significado da palavra "universal". Qual o conteúdo que um "universal" comporta? Qual o conteúdo que representa um "particular"? Para não interromper o interesse da turma pelo assunto, o mestre avançou: - Em primeiro lugar, é oportuno entender que quando falamos em "universal", falamos de uma palavra que tem um conceito que se estende a todos os indivíduos de uma determinada espécie, de uma classe ou de um todo. Universal é portanto na linguagem aristotélicaum arquétipo, um tipo exemplar, um tipo modelo, um protótipo. Uma forma de representar uma classe, um gênero dentro das variadíssimas categorias de ser. Quando digo "homem", por exemplo, estou usando um "universal". Ou seja, estou usando uma palavra que representa universalmente todos os homens. Quando digo "João" estou usando uma referência "particular". Refiro-me apenas àquele indivíduo chamado João. A referência termina ali naquele sujeito concreto.



-Vocês vão compreender melhor agora, disse o professor. E, à vista de todos puxou de uma revista de moda! Folheou, enquanto na sala, curiosos, os alunos aguardavam a novidade, fazendo um burburinho. Tenho aqui esta revista. Tem uma reportagem fotográfica e uma entrevista com Giselle Buendchen!



- Ehhhhh! Era o eco do burburinho que se estabeleceu na sala! -Sim, estou falando de Giselle Buendchen. Ela é nada mais nada menos que um "modelo" na área da moda moderna nacional e internacional.Isso vocês sabem perfeitamente. Vocês acompanham pelas revistas de moda e de informação social, noticiário sobre Giselle Buendchen, a toda a hora. Em termos civis, continuou o professor, Giselle Buendchen é apenas uma cidadã brasileira.  Aliás, bem famosa! Mas no campo profissional  ela é conhecida como "modelo". Certo?



-Certo.



-Ora bem. O que é "modelo", então? Vamos admitir que modelo é um nome que tem parentesco com outros nomes filosóficos de tradição. Entre esses nome estão, por exemplo: arquétipo, exemplar, protótipo, tipo-padrão e outros mais. Ao chamarmos Giselle de "modelo", estamos lembrando que ela veste griffes ou lingeries ou usa jóias ou sandálias ou o que quer que seja, para mostrar o "exemplar" ou o "modelo" que se quer propagandear para futuramente vender. Lembrando Giselle Buendchen podemos encontrar aqui uma bela oportunidade para entendermos a questão dos universais discutida pelos filósofos desde Porfí­rio, passando depois por Boécio, por Abelardo e, posteriormente, com muita ênfase, pela escola de Chartres no século XII, tornando-se uma questão obrigatória para debate nas Faculdades de Artes e entre os  filósofos medievais. É um tema que estudamos necessariamente em nossa aula de História de Filosofia Medieval. O que seria então um modelo, aplicado concretamente em Giselle Buendchen? Pode sua figura de modelo nos emprestar um conceito de aplicação conceitual e universal?  O ambiente estava esquentando e levando os alunos ao âmago da questão. O Professor entendia estas demandas como a coisa mais valiosa que  podia acontecer na vida de um aluno universitário matriculado em ciências humanas. Adorava ver alunos aplicados e interessados construindo seu próprio caminhar.E mostrava-se contente pela animação que fazia vibrar a turma em torno do debate. Muitos destes jovens teriam desejado até fazer uma excursão e reconstituir ao vivo nas salas medievais de Chartres a questão que estava sendo ventilada. Mas a exemplificação dada a partir de Giselle Buendchen era o bastante para entenderem a conceituação dos universais.



-Bom, disse concluindo o aluno Antônio Vieira: se modelo é o que serve de "exemplar" para os outros, então a Giselle, sendo modelo, é um exemplar de manequim, nas medidas de corpo, no comportamento na passarela, na sua apresentação fí­sica e social assim como no desempenho profissional.



-Modelo corresponde ao que os gregos chamaram de "arquétipo" pela voz de Platão, disse José Roberto. Arquétipo é uma palavra derivada de arché, que significa princípio, iní­cio, e typos, (tipo). Arquétipo representa, portanto, o primeiro modelo de alguma coisa.



-No processo moderno da análise psicanaí­tica, Jung situou o arquétipo no campo do inconsciente coletivo, acrescentou ainda o professor.O inconsciente coletivo seria para ele o depósito de traços de memória herdados do passado ancestral e ontogenético. - Jung não foi o criador da palavra arquétipo. Já acentuamos nesta classe que o termo vem de Platão.Foi usada por seus discípulos, por todos os neoplatônicos e significa, em sua essência, o padrão original, ou o "protótipo" ou  matriz a partir da qual se fazem cópias.



- Se modelo é exemplar, como gostavam de se expressar os medievais, será em termos gerais um protótipo, um padrão de referência, de comportamento e de visão ontológica, disse Lenir.



- Será então, um sí­mbolo fundamental para medirmos o modelo de uma ideia-matriz para todas as coisas múltiplas em sua espécie, disse Valéria. Há, de alguma maneira, um padrão, um tipo que passa a ser modelo e que em nível particular passa a servir de instrumento social de comparação para avaliação dos comportamentos sociais.



- Há portanto um protótipo, concluiu Carlos. No fim de contas, um primeiro tipo que vai modelar todos os outros tipos.



-Exatamente.



- Assim, supostamenteda maneira que Adão foi exemplar, protótipo e primeiro modelo de todos os homens que nasceram após ele, acrescentou Menzo.



- É isso. Mas queria que entendessem que há uma maneira original grega e medieval na forma de entender estes exemplares, modelos e arquétipos, e que é um pouco diferente da moderna concepção iunguiana.  Nas duas teorias, sublinhou o professor, há o elemento comum da universalidade. Modelos são de fato universais ou padrões de caráter universal. Em relação à  sua origem, tem a questão de saber como eles se instalaram na mente individual de cada pessoa. Para além do inconsciente coletivo eles existem no consciente mental dos humanos evoluí­dos e na compreensão de todos os falantes dentro de um universo semiotizante, sejam eles alfabetizados ou não. E não são apenas, como disse Jung, o alicerce da mitologia, religião, lenda e contos de fadas. São mais do que isso. Eles são alicerce de compreensão do mundo para a inteligência e categorias básicas para aproximar o mundo abstrato da dialética do mundo concreto. Trocando isso em miúdos, podemos entender melhor agora porque é que Giselle Buendchen é um modelo. Podemos entender isso em dois sentidos. Enquanto exemplar de medidas de moda ou de costureiros ou de griffes e também enquanto exemplo para todas as outras modelos. É um espelho onde as demais modelos podem copiar o padrão da modelo, da forma como é modelo, da forma como faz a apresentação na passarela, da forma profissional e até da "forma de estar" na vida. - Mas tem mais, disse Láize. Há que considerar também a Giselle como mulher. Seu corpo é importante. Sua pessoa é importante. Sua beleza é importante. Sua maneira de se mostrar na passarela é importante. Todos estes detalhes estão colados ao seu ser, ao seu "ente" de modelo.



- E o conceito de "particular"? - perguntou Jennifer.



-Boa pergunta, disse o professor. Particular pode ser a Giselle mesma como ser individual e concreto. A moça de corpo bonito. A gaúcha. Todos os dados concretos que fazem dela uma "mulher particular" que está para além do modelo de "mulher", para além de Eva, supostamente o primeiro modelo feminino da história.



- Tudo o que Gilberto de la Porrée nos ensinou naquela famosa escola de Chartres - acrescentou Aldênio.



- Sim. Gilberto e Guilherme de Champeaux. Este disse que "o universal é uma "res", uma coisa, ou uma realidade essencialmente idêntica na diversidade das coisas". E que há a conformidade ou a "conformitas" entre todos os indivíduos de uma classe. A semelhança. Sua síntese daria o resumo exato da teoria dos universais que colocam o universal como uma representação das coisas.



- Para Pedro Abelardo, "o universal não é uma coisa". O universal é um nome ou apenas uma palavra ("sermo"), lembrou Anderson.



- Abelardo entrou por um caminho perigoso ao dizer que o universal é apenas uma palavra, disse o Mestre. Ah! Eu acho, de maneira segura, que se alguém tentasse lhe roubar a namorada Heloí­sa, Abelardo não iria pensar nunca que Heloí­sa fosse apenas um nome. Iria correr atrás dela como ser, como mulher e como sua namorada. Recuperaria na memória a ideia de universal de "mulher" e de "namorada" e tentaria ver Heloí­sa", como "uma realidade de amor" ligada ao próprio coração. Então ele iria correr atrás, certamente. E iria admitir, ou quem sabe, até, acreditar que Guilherme de Champeaux tinha razão ao defender um realismo para os universais. -Segundo João de Salisbury, Gilberto pensava os universais como "formas originais", formas nativas, cópias, exemplares, criados segundo o modelo das imagens originais: "Existe uma forma original nativa e exemplar que não existe na mente de Deus mas sim nas coisas criadas. Esta forma é aquilo que os gregos chamaram de eidos. Encontra-se como coisa singular em cada coisa e como universal em todas as coisas".



-A turma se animara ao vivo com uma questão que no fundo vinha desde os medievais. Uma questão que mexe com a base de entendimento e do funcionamento de nossa mente assim como do complexo problema do conhecimento humano. Ao sairem da sala de aula, os alunos tomaram conhecimento pelos relatos da TV que Giselle Buendchen estava programada para desfilar pela Colci na Capital Fashion Week, em Brasília. Pelo que, impedida de comparecer por outros compromissos, acabou por ser substituí­da por Gianne Albertoni, a modelo que um dia causou "furor popular" no programa do Faustão!



- A jornada, a bem da verdade, tinha sido todo centrada sobre modelos, universais, e exemplares! Não apenas sobre modelos abstratos mas também sobre modelos concretos. Um direcionamento moderno das questões provocadas pela Filosofia!..



João Ferreira 11 de outubro de 2007


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