Tia Mariquinha, uma criatura excelente e uma professora de português de grande excelência, não mora mais por aqui para ver tantas coisas esdrúxulas acontecendo, pois foi morar pra lá das nuvens. Ela era uma mestra brilhante, tanto na capacidade do que fazia, quanto no tratamento dado aos seus alunos.
Não tive oportunidade de frequentar suas aulas magistrais, mas, enquanto sobrinha, pude ter magníficas "aulas particulares" com ela. Uma que não me esqueço foi sobre pronomes de tratamento. Era algo que, antes de ela me explicar, parecia-me tão esquisito. Minha memória traz aquela doce voz a me dizer:
_ Querida, os pronomes de tratamento são formas de se tratar as pessoas, e tratá-las bem, eu digo. Eles não são apenas decorebas para escrever nas provas e depois esquecê-los completamente no dia-a-dia.
Eu não dizia nada, para não interrompê-la, mas gostei de imediato, pois me pareceu algo real, para se usar na vida mesmo, e não para se usar apenas para o professor de português. Tudo que ela falava, ia entrando fundo na minha cabeça para nunca mais sair. E ela continuou sua explicação, clara como um dia de sol. Quando se pós a falar nos tratamentos especificamente cerimoniosos, tive uma surpresa:
_ O tratamento "Vossa Excelência" emprega-se, normalmente, para autoridades de estado, como presidente da república, ministros, governadores, prefeitos, desembargadores da justiça, senadores, deputados, vereadores e outros mais. Darei a você um quadro, simples e eficaz, que costumo passar para meus alunos, não me deixe esquecer. O que gosto de dizer, com bastante ênfase, é que, em Portugal, nos dias de hoje, ainda que raramente, para manifestar grande respeito a uma pessoa, mesmo sem ser autoridade, usa-se "Vossa Excelência". O que diríamos então à s autoridades? Sem dúvida, "Vossa Excelência", pois a elas devemos todo nosso respeito. São guardiãs fiéis das leis, assim como das normas da moral e dos bons costumes, demonstrando sempre o quanto trabalham para nosso bem estar.
Enfim, tia Mariquinha, hoje, próximo ao Dia do Professor (que praticamente está esquecido), me fez voltar ao passado com sua excelentíssima qualidade de pessoa e de professora. E fico pensando que ultimamente tenho ouvido, pelos debates dos canais de TV, aqueles especializados nas falas das autoridades, o pronome de tratamento "Vossa Excelência" ser usado tão diferente do que minha tia me ensinou.
Há momentos em que um "nobre colega" quer pedir a palavra, e o outro se recusa a dá-la. Então, o primeiro fica repetindo várias vezes "Vossa Excelência", praticamente como sinónimo de "eu quero falar e você não deixa". Outras vezes o mesmo tratamento tem um tom totalmente de ironia, abusando desse recurso, um modo de se dizer o contrário do que se quer e ninguém pode contestar que disse uma ofensa, por exemplo. Se bem que algumas vezes a ofensa vem claramente. Também há tanta "Vossa Excelência" falada ao mesmo tempo, ou melhor, gritando, que vira uma babel.
Felizmente ainda há "Vossa Excelência", segundo a idéia de tia Mariquinha, mas muita "Vossa Excelência" já foi para o brejo.
|
