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cronicas-->Feira do Rolo ou Quando se paga pelo que já é seu -- 20/01/2000 - 20:59 (Viviane Rios) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era início de abril. Como quase todos os moradores das superquadras de Brasília, ela também tinha dificuldade em estacionar seu carro perto do bloco onde mora. Sempre acabava tendo de deixá-lo em frente a um terreno ao lado do bloco em frente ao seu. O terreno estava cercado, mas vazio. Ela não era a única, diversos vizinhos viam-se obrigados a fazer o mesmo.
Os comentários de porteiros, moradores e da família sobre vidros quebrados e aparelhos de som automotivos furtados nas cercanias do prédio eram frequentes. Preocupada ela ficava. Porém, mais preocupada estava em sair do carro e entrar em casa com segurança. Especialmente quando chegava à noite.
Em uma madrugada de sábado, chegou por volta de uma hora. Como de costume, não havia vagas no estacionamento regular, em baixo dos blocos. O carro foi estacionado afastado em relação às guaritas dos porteiros, em frente ao já mencionado terreno. Quando trancou as portas, lembrou-se da frequência com que os roubos estavam sendo efetuados. Saiu apressada, contudo, ansiosa que estava por subir com segurança. Ademais, não havia nada que pudesse fazer para evitar qualquer ação de bandidos. Restava esperar que a sorte continuasse a seu lado.
O interfone soou naquela noite pouco antes das quatro horas. "O som!..". Ela já sabia. Confirmada a perda, desceu com o pai a fim de conferir o estrago. Vidro da porta dianteira direita partido em pedaços que se dividiam entre o banco do passageiro e o chão, do lado de fora. A parte posterior do aparelho, responsável pelo funcionamento do som, havia sido arrancada. Dentro dela se encontrava um de seus compact discs favoritos - um disco importado, ganho de presente do namorado. Por sorte, ou precaução, havia retirado cerca de cinco ou seis outros discos do porta-luvas naquela mesma noite. "Poderia ter sido pior...", consolava-se. A frente removível ficou como recordação e lembrete da perda do som...
Os arranhões no painel do veículo não deixavam dúvidas de que a força física havia sido empregada. "Que ódio, que raiva!!!". A sensação de impotência diante de uma situação era uma das poucas coisas que a perturbavam. Agora, não havia mais som, alguém estava com ele e nada podia ser feito. Assim que acordou no domingo, foi à delegacia registrar ocorrência. Era a quinta a registrar a mesma ocorrência, até as 9:00 da manhã. Se pudesse, ela caçaria o ladrão pela vizinhança durante a madrugada, de pijamas mesmo. Não se conformaria tão facilmente com o destino de nunca mais ver o que era dela.
Fato é que o acontecimento gerou profundas reflexões. A princípio, a perda de posse, a injustiça a expropriação, a audácia do roubo deixavam-na revoltada. "Como alguém pode fingir que nada aconteceu depois de pegar algo que não lhe pertence, que era de outra pessoa, por direito?!", pensava. Começou, então, a pensar no que o ladrão (ou ladra, talvez) faria com o som. As possibilidades fizeram aflorar misericórdia em relação ao marginal. Passou a sentir-se felizarda por não ter a necessidade de tomar de outros o que não tinha ou não possuir (não ter aprendido socialmente, como prefere Bandura) um caráter imoral, ilícito ou contraventor.
De fato, os dias que se seguiram pareceram mais brilhantes, saídos de novela ou filme, do que nunca. Tanto mais possuía ela que poderia fazer falta a outros... Não somente em termos materiais. O roubo, curiosamente, fê-la sentir-se mais feliz com os amigos, parentes e consigo mesma.
O passar do tempo, não obstante, fez desaparecer a fantasia passional. Os custos com a reposição do vidro, a limpeza dos destroços e o reparo dos danos causados na parte elétrica de seu carro pelo rompimento dos fios encarregaram-se de de enfurecê-la outra vez.
Não muito depois, soube pelo padrinho que poderia adquirir a parte posterior do aparelho (aproveitando, portanto, a frente de que dispunha). O lugar a ser visitado para efetuar a transação chamava-se "Feira do Rolo" e ficava em Ceilàndia. "Nome sugestivo", pensou. Nunca havia estado em Ceilàndia e sentia medo, mas o padrinho dispós-se a ajudar na procura, caso fosse de seu interesse.
A oferta ficou em sua cabeça por muito tempo. "Pagar para um ladrão ou um receptador pelo que já é meu!!! Era só o que faltava!". Queria poder ir atrás de SEU som dentro dessa tal feira, até encontrá-lo e exigi-lo de volta. Sonhava em encontrar o som ainda com o CD que tanto gostava... "Ninguém pode fazer nada?!", perguntava-se. A injustiça a que estava sendo exposta realmente a tirava do sério.
A naturalidade de que se trata dessas questões também a assustava. Então, todos na cidade sabiam que havia uma feira especializada em mercadorias roubadas... "Que bom que temos a polícia...". Não gostava nem de pensar nas tantas "mutretas" por trás do roubo de seu som e seu CD... A quantos mais bandidos, além do que arrancou o aparelho, aquele crime estaria favorecendo? Bandidos comuns, bandidos uniformizados... "Esse é o nosso mundo", disse Renato Russo.
Um fato tão comum, que acontece dezenas de vezes, todos os dias em Brasília. Uma feira mantida pela impunidade, pela corrupção e pela conivência dos que calam diante do que já é quase natural. Se todos os que fossem roubados tivessem mais empenho em denunciar o "rolo" de Ceilàndia, talvez a Rede Globo partisse para uma investigação daquelas "derruba-Secretário-de-Segurança". Nada contra esse pobre cidadão, cujo nome nem sei. Mas que ela queria seu som de volta... Ah! Isso ela queria...
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