VOCÊ CONHECE A BAHIA?
De vez em quando, em Paris, meu marido e eu nos dávamos ao luxo de trocar o restaurante universitário por um chinês ou italiano. E num domingo, fomos a um desses orientais.
Ao mesmo tempo que nós, chegou um casal e sentou-se ao lado. Como as mesas eram próximas, fiquei quase colada ao vizinho. Eu conversava com José e ele com sua companheira. De repente o homem me perguntou, em francês, se falávamos português. Disse que sim e não lhe dei muita atenção. Mas percebi que ele procurava escutar o que dizíamos. Logo depois, não se aguentou:
_ É português do Brasil, não é?
Então eu olhei melhor e vi que sua cara não me era estranha. Não sabíamos de quem se tratava, mas que não era estranho, não era.
O almoço chegou. Os casais seguiram em conversas paralelas, mas outra vez, lá veio ele:
_ Vocês são do Rio?
_ Não, de São Paulo.
_ Ah! então é gente séria!
Não havia mais dúvidas, só podia ser um brasileiro divertindo-se à s nossas custas.
Irritada, passei a matutar uma vingança. Nem tive tempo, pois logo o ataque recomeçou e fui respondendo secamente.
_ Você conhece a Bahia?
_ Conheço.
_ Eu também. Sempre que posso, vou para lá.
_ É mesmo?...
_ É. Tenho uma casa em Salvador.
_ Não diga!...
_ O Jorge cuida da casa para mim. Você conhece o Jorge?
_ Quem?... o seu caseiro?
_ Não, o meu amigo.
Que cara mais chato! Morta de raiva, soltei em português mesmo (não era preciso gastar tanto o nosso francês, se bem que ele falasse direitinho):
_ Escuta aqui, meu, tá me achando com cara de panaca?!
Mas o diabo do homem continuava a se fazer de desentendido. Arregalou os olhos e perguntou admiradíssimo:
_ Você não conhece Jorge Amadóó ???
Percebendo que me encontrava diante de alguém mais teimoso que eu, resolvi seguir, só para ver no que ia dar aquela história.
_ Claro, quem não conhece? Mas só dos livros, pessoalmente, não.
_ É ele meu amigo, o que cuida da minha casa. Sempre que vem a Paris fica aqui pertinho.
_ No hotel da Madame Salvage? Isso todo mundo sabe! Falei com deboche, para encerrar o papo.
Furiosa, queria ver se me lembrava logo de onde o conhecia para acabar com aquela farsa. Enquanto comíamos a sobremesa, minha memória deu o alarme: "você conhece este homem da capa de um disco... É Georges Moustaki."
Como por encanto, minha raiva transformou-se imediatamente em assanhamento. Agora queria não somente continuar a conversa, como também pedir-lhe um autógrafo, mas José Aníbal me deu um cutucão. Murchei.
Ainda não tinha me conformado, quando o maître atravessou o salão com o livro de ouro nas mãos e parou bem diante do nosso cantor. "Ficaremos muito honrados se o senhor deixar aqui umas palavrinhas". Mas tinha se esquecido de trazer a caneta.
Foi então que tive meu momento de glória. Georges Moustaki virou-se para sua vizinha, eu mesma, e pediu um bic emprestado, no que foi prontamente atendido.
Depois disto a conversa continuou bem mais animada. Falamos sobre música, shows, literatura, Brasil, baianismo...
Acabamos a refeição ao mesmo tempo, levantamo-nos e atravessamos juntos o salão. Ainda continuamos a conversar na calçada, como se fóssemos velhos amigos.
Na volta para casa fiquei pensando naquela intimidade dele com Jorge Amado. Seria mesmo verdade?
Anos mais tarde, descobri que sim. Zélia Gattai conta em um de seus livros que eles eram "amigos fraternos"... Que George Moustaki chegou a interromper uma tournée e voar da Ilha da Reunião até Paris para assistir à solenidade em que Jorge Amado recebia, do Governo da França, a Comenda da Legião de Honra.
Beatriz Cruz
|
