No meu muito saudoso livrinho da terceira-classe, após dois anos absorvendo o som-desenho das letras, das palavras e dos números, depararam-se-me então os primeiros conteúdos para exercitar o raciocínio. Entre eles, havia um interessante contozinho, que os portugas na minha idade decerto também conhecem, sobre a problemática que surgiu a um barqueiro, quando teve de transportar para a outra margem do rio, um lobo, um cabrito e uma couve, mas em seu barco e em cada viagem, apenas tinha lugar, contando consigo, para um dos elementos.
Ora, se o homem optasse por levar primeiro o lobo, o cabrito comia a couve. Se tomasse a couve, o lobo comia o cabrito. Assim, não tendo outra hipótese, transportou o cabrito e deixou o lobo com a couve. Seguidamente, após largar o cabrito tranquilamente a pastar no outro lado, regressou com o barco vazio ao ponto de partida e transportou a couve. Mas, desta feita, ao deixar a couve, retornou com o cabrito. Prosseguindo, deixou o cabrito e transportou o lobo de novo para o lado da couve. Mais uma vez de regresso com o barco vazio, foi buscar o cabrito e, através desta engenhosa canseira, conseguiu colocar os três protagonistas na outra margem conforme lhe fora encomendado.
Interessante?! Há exactamente 56 anos atrás, o aludido textozinho incentivou-me a curiosidade para diversas releituras e, quiçá daí, eu tenha adquirido imediata propensão pelo gosto de ler tudo. Só que, considerei mais tarde - e é sempre tarde de mais - que me habituei demasiadamente ao sonho simples de resolver os problemas. Afinal a vida e a realidade constituiam deveras factos muitíssimo diferentes e bem mais complicados.
A nu e cru, naquele ano de 1949, nenhum homem, desarmado, tal como o simpático barqueiro, se atreveria a enfrentar um lobo. Todavia, o texto que resumi, iniciava o relato assim:
No tempo em que os animais falavam, a um barqueiro se encomendou o transporte, para a outra margem do rio, de um lobo, de um cabrito e de uma couve...
Que lindo !...
- Posso colocar uma questãozinha também muitíssimo simples? Na exposta vertente e postas as óbvias e incontornáveis dúvidas, entre dois barqueiros, como se transporta uma mulher para o outro lado do rio?
Então não é mesmo simplíssimo? Afunda-se um dos barcos e manda-se a mulher atravessar sozinha no outro! Ela voltará quando quiser...
Cada vez é mais lindo !...
António Torre da Guia
O Lusineiro |