Devem ser lágrimas do céu, hoje o dia cinza parece refletir a alma de Deus, a água escorre no meio-fio lava a rua leva tudo embora, menos eu....
O guarda-chuva me protege dos pingos d´água, resguarda meu corpo do tempo chuvoso, mas não do outro tempo, aquele que é a razão de ser dos relógios, o motivo de cremes,a alma das tardes frias e das noites solitárias,preciso dar uma resposta ao tempo e qual seria?
Talvez a minha resposta seja que o tempo nada apaga em mim, somente transforma as coisas em coisas novas, sempre digo ao tempo que não tenho medo que ele passe e leve as coisas com ele, porque sei que na verdade tudo sempre fica,ele apenas as esconde,o tempo escorre no balanço das horas, leva tudo embora, menos eu...
O guarda-chuva guarda meu corpo da água que escorre do céu, das inclemências atmosféricas, mas não me guarda a alma das intempéries da vida, mantém meu corpo seco por fora e molhado por dentro, a chuva é um pouco da nuvem e a nuvem um pouco de chuva.
A Carlos Drummond de Andrade
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
João Cabral de Melo Neto
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