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Artigos-->Minha homenagem para duas mulheres muito especiais -- 10/03/2003 - 14:29 (Marcos Woyames de Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Minha homenagem para duas mulheres muito especiais



Até o momento, não me decidi sobre que homenagem fazer a mulher pela passagem do dia internacionalmente a ela dedicado.



Estou em dúvida realmente. Duas mulheres estão em minha cabeça e não são mulheres fortes, não são mulheres lindas, muito menos famosas, corajosas. Não são mulheres nada especiais ou totalmente especiais. Por que ainda assim insistem em viver?



Assim, na dúvida, me decidi por tentar homenagear todas as mulheres, fazendo através destas duas, a minha mensagem às mulheres comuns e simples.



Por uma questão de respeito à privacidade de ambas, omitirei seus nomes e espero que, aquele que me lê, tenha compreensão de minhas razões.



Mulher, brasileira, nordestina, pobre, semi-analfabeta, abandonada pelos pais. Assim começa o histórico de uma mulher.



Foi adotada por uma família de pouquíssimas condições.



Não recebeu educação formal. Seu lápis foi o cabo de uma enxada, seu papel foi o terreno árido da caatinga. Neles aprendeu a escrever uma só palavra... sofrimento.



Aos 14 anos engravidou pela primeira vez. O pai da criança jamais assumiu a paternidade e desapareceu no mundo.



Seu filho, ainda hoje, está na mesma cidade e vivendo nas mesmas condições junto àquela família que a adotou.



Alguns meses depois do nascimento da criança, por total falta de recursos, esta mulher se viu obrigada a procurar um lugar onde fosse possível lutar por sua sobrevivência. Largou seu filho aos cuidados de sua mãe adotiva e, apesar do sofrimento deste ato, foi buscar um meio de vida prometendo o que jamais pode cumprir, voltar para buscar o filho.



Em suas andanças, do interior da Paraíba, foi até Manaus. Lá, depois de algum tempo, conheceu um trabalhador do porto e com ele passou a dividir as dificuldades.



Juntos, numa vida difícil, mas sustentável, viveram alguns anos e tiveram dois filhos.



Porém, a partir de determinado momento, a política de incentivo à zona franca de Manaus acabou. Começa aí novo período de muitas dificuldades com o término das oportunidades de trabalho.



A vida deles torna-se bandida e seu marido, dominado pelo desestímulo, se entrega primeiro a bebida e depois às drogas.



Das drogas vem a doença. Da doença vem a morte, mas antes deixa seu rastro... ele se vai, mas ela fica contaminou.



Sozinha, com dois filhos para criar, sem meios de sustento e agora portadora do HIV, que passa a ser seu maior limitador na obtenção de emprego, ela se pôs na estrada mais uma vez.



De Manaus ao Rio de Janeiro, sabe lá Deus como, em suas desandanças, foi parar no abrigo público da Fazenda Modelo.



Lá, para quem não sabe, há um tratamento diferenciado. Aos casais são destinadas casas ou quartos, na medida das disponibilidades. Aos solteiros vagas, beliches, colchões ou colchonetes em galpão.



Foi neste pedaço do purgatório aqui na terra, que conheceu um homem. Trinta e oito anos mais velho que ela. Pai de 4 crianças de um casamento desfeito.



Todos eles: um homem, uma mulher, seis crianças, vivendo em um galpão dormitório junto com desabrigados, mendigos, sem teto, enfim, todo tipo de desafortunados.



Uma idéia, obvia, os fez melhorar de acomodações, formaram um casal. Não um casal normal, como aqueles que conhecemos, com vida de casal. Para todos os efeitos viviam juntos e assim foi por 4 anos. Durante todo este período jamais mantiveram qualquer tipo de aproximação a não ser morar na mesma casa abrigo.



Homem empregado, de boa índole, registrou como dele o casal de filhos e, apesar de desabrigado, ele provia à ela e às seis crianças.



Um belo dia a sorte, a “maldita” sorte, lhes sorri e, por intermédio de uma amiga, conseguem uma casa no conjunto construído pelo governo, na confluência das linhas Vermelha e Amarela, no Rio de Janeiro.



Dizem que o amor vem com a convivência, com a proximidade, com o tratamento carinhoso e foi então, que mesmo portadora de HIV, por sua total desinformação, por sua ignorância, por sua falta de formação social, e por culpa do amor que ambos esqueceram, ou até mesmo ignoraram o problema de saúde dela e pela primeira vez os dois se relacionaram.



Deste contato, nasce a outra mulher que me referi no início deste artigo.



Felizmente, depois de meses de acompanhamento e muitos exames, a mulher recém nascida, está dada como livre da doença da mãe.



Um dia porém, uma briga do casal, por causa dos filhos nascidos do primeiro casamento do marido que não a aceitavam como mãe, ela sai de casa. Um ano e meio depois, dá luz a uma menina, hoje com um ano e meio de vida, produto de um novo relacionamento.

Novos exames exaustivos e a menina também é livre da doença.



Mesmo assim e num novo entendimento, volta para casa. Após três anos do nascimento da primeira menina, nasce um novo filho.



Para os desafortunados a sorte é madrasta! Três anos e dois filhos depois, o homem que lhe deu esperança. Aquele homem que foi buscá-la de volta, que novamente quis lhe dar um lar, adoece. Oito meses depois é levado por um câncer, inicialmente foi diagnosticado como hérnia de disco. Se não chegou a ser fulminante, o câncer ao menos o “poupou” de sofrer por muito tempo. Exatamente dois meses após o nascimento do segundo e último filho do casal.



Sem instrução, sem orientação, mais uma vez abandonada a própria sorte, ela passa hoje por mais dificuldades do que deveria. Devido a um erro no registro de óbito, onde absurdamente, consta que ele não deixa mulher e nem filhos menores, ela não pode até hoje receber a pensão a que tem direito.



Mulher de fibra, mesmo assim, enfrentando tudo, tenta a duras penas manter a família unida. Com oito crianças, sobrevive de ajuda de uns e de outros. São oito porque, uma delas, o menino mais novinho, mora com os padrinhos,.



- Eu disse aqui que a sorte é madrasta, talvez eu tenha me enganado... a sorte não existe, nunca existiu e não tem definição.



A primeira filha deste casal, a outra mulher de minha homenagem, tem hoje apenas três anos. Digo-a mulher, pelo custo que a vida já lhe cobrou. Poucas pessoas passaram pelos problemas e pelas dificuldades que esta criança já passou na vida.



Nascida brasileira, favelada, pobre, sob a sombra de uma das doenças mais terríveis que a sociedade mundial já enfrentou, a AIDS, viveu até agora na mais pura miséria. Vestindo o que lhe é dado. Por raríssimas vezes pode vestir ou calçar algo novo.



Desgraçadamente, quando apesar de tudo ainda conseguia brincar, nesta última quarta-feira de cinzas, foi atingida, na cabeça, por uma bala perdida.



Ambas são mulheres que pagam por erros que não cometeram, por culpas que não são suas.



Ambas são mulheres que têm direito a uma vida decente e digna.



Ambas são seres humanos, apesar do que possam imaginar os governantes do nosso planeta.



Imagino quantas mulheres maravilhosas foram homenageadas por este mundo afora.



Imagino quantas esposas, mães, filhas... mulheres boas ou más... todas homenageadas.



À estas duas mulheres muito especiais. Uma pelo que sofre cada dia em que vive e, que neste momento, sofre a dor de ver uma filha ferida pelo ódio alheio. Outra, que por conseqüência e irresponsabilidade de muitos, ou de todos nós, talvez não tenha o direito de continuar vivendo, minha homenagem e minhas orações.





Quer falar com o autor? Escreva para mwoyames@ibge.gov.br

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