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Contos-->Desejo, insônia e pesadelos... -- 19/02/2018 - 22:25 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Malandro escolado. Solteiro. Embora pai de um filho, Anacleto Teixeira sabia que  Chanana tinha boa pensão do falecido, o faturamento do colégio Integral, e, a ajuda do cunhado que, em época de safra do pequi, mandava  trazer de Montes Claros dúzias e dúzias para Chanana. O cunhado dela se escondia por trás de muitas máscaras. Católico praticante, pouco lhe faltava para dizer missa. Talvez fosse bom pai, mas bom esposo não era. Não era mesmo!  Acendia uma vela para Deus, e o inimigo apagava. Chegou a pensar em suicídio, mas não tinha coragem de matar uma galinha. Tirar a própria vida. Matar ele mesmo? Cruz credo!  Sacripanta!... Sentia-se um  fariseu. Rezava mil ave-marias em um só dia e às vezes, em mil dias não rezava uma só ave-maria. Pela fé, abria porta sem chave. E com a chave na mão, fechava as portas do céu. Nunca mentia. Fazia humor e escrevia ficção. Era o outro eu de si mesmo, outra personalidade de uma mesma pessoa. Criou personagem que mostram as diferentes culturas dos lugares por onde passavam, mas,  ele mesmo, escondia seu próprio rosto. Libertava uma mosca que se debatia na teia da aranha. E esmagava, cruelmente,  a barata que pousasse  em sua careca. Chegava ao ponto de segurar o riso em velórios. E chorar numa festa de formatura. Todos os seus personagens choravam com ele, porque  carregavam nas veias, em partes menores, o DNA de seu criador. Lia muito, e pouco era  lido. Zelava dos personagens  como se humanos fossem, e alguns, até o eram ou se tornavam humanos, porque a ficção se revelava palpável. Pecava  muitas vezes, e muitas vezes,  prostrado, confessava seus pecados. De fato, Corina também pensava assim: Personagens reais deixam pingar, verdadeiramente,  gotas de lágrimas no papel, e viajam em  estrada sem fim...Navegam em nuvens brancas e roxo-acinzentadas, carregadas de paixão suor e medo.  Não escreveu autobiografia. E nenhum personagem é alter ego seu. Cada um deles carrega no DNA uma partícula daquele que o criou. O todo está na parte, e a parte está  no todo, como grão de areia, que um dia se tornará pedra, ou uma pedra que transformará  em  grão de areia. Fala pelos leitores, e com os leitores, neste ou naquele personagem, nesta ou naquela situação levantada. Alguns lhe atiram pedras: ‘Pecador... Pecador!’  Outros dirão ‘santo, santo,’ mas não dirão três vezes. Existem também os que não se interessam em saber por onde andou o peregrino. Mandam-no, por antecipação,  direto para o céu, ou lhe desejam o abismo profundo porque ele fala  do pecado coletivo, como se fosse seu. 
— Você é fumante? Vai para o inferno se não parar de fumar.
A outro que diz: “Jogue esse cigarro fora, faz mal...” Mas ele se contém e não replica. Apenas pensa: “tua língua também faz mal. Nem por isso a jogas fora.” Pecados! Quem não os tem?  Meu pecado é público. Qual é seu pecado oculto?...
— Tu conheces apenas os meus pecados, porque, como Agostinho, eu também os confessei publicamente. E me condenas pelo vício que tenho. Não  tens nenhum? Para de cuidar da vida alheia. Tens muita coisa na tua vida que precisa ser reparada. Limpa-te primeiro. Depois vai lavar o teu irmão.
A Verdade  é uma pedra de tropeço. Também a mentira é uma pedra, que a serpente colocou no caminho, para impedir o  homem de se encontrar com Deus. Essas coisas faziam parte de suas divagações na busca infinda por resposta aos mistérios da existência humana. Se não há vida após a morte, em vão fora a vigilância para não perder a salvação. Os sacrifícios que fizera e a renúncia aos desejos da carne, tudo em vão. Também Chanana buscava salvar sua alma como náufrago à deriva, lutando contra a compulsão que a empurrava a banalizar o projeto de Deus para sua vida. A tábua de salvação seria confessar os pecados. E confessou. Contou que sonhava na cama com um homem, e para evitar interrogações, dizia logo que não via o rosto, embora  a vontade fosse de revelar que era o padre a figura masculina de suas elucubrações. Certo dia,  durante uma confissão ela  quase vomitou e pediu que o sacerdote lhe desse logo a bênção ou a condenação eterna.
— Minha filha, os sonhos são involuntários. O pecado mortal só é consumado se houver pleno conhecimento e consentimento. Portanto, não há  pecado, quando não houver  deliberado desejo de pecar. Se você ai se deitar, não desejou ter aquele tipo de sonho... É preciso vigiar, se eles realmente,  arrastam desejos alimentados em vigília. 
As palavras do sacerdote levou a penitente a recordar-se de seu sonho, manifesto no desejo de ser mãe.
— Estou grávida! — disse ela entre lágrimas.
— Pois deixe-o vir à luz. O  Didaqué precede alguns livros da Bíblia Sagrada, e é seguido desde que surgiram as  primeiras comunidades cristãs. Nele já se achava escrito há mais de dois mil anos: ‘Não matarás criança por aborto, nem criança já nascida...’
Chanana nunca ouvira falar em Didaqué, e se impressionou ao ouvir a palavra aborto. “Como o padre  poderia saber que ela pensava em abortar?
—  Não te afaste, pois desta doutrina que vem desde os tempos dos primeiros cristãos. Vá em paz, minha filha! 
Corina dizia que em Montes Claros, nove meses depois da safra do pequi, a Santa Casa ficava cheia de mulher parida, e não eram raros os partos duplos. Mito ou verdade? 
A aversão por coalhada deu lugar à vontade incontida de comer arroz com pequi.  Sabia que na casa da mãe, encontraria pequi congelado. 
 — Por que desligou o televisor, cunhadinho?
— Achei que Dulcineia estava chegando da igreja.
— Tens pequi congelado?
— Não!
— Então vou fazer um assado de panela com sua panturrilha... 
— Assado de panela, cunhadinha!
Mal  Jeremias concluiu a frase, e  com um salto felino, ela mordeu. A índia mordeu a panturrilha dele. Sem medo, mordeu também a bochecha, a orelha e o que faltava  morder. O anjo da guarda fechou os olhos... A terra tremeu... Não dava mais para esconder uma gravidez de quatro meses. Nem  dizer que  engravidara de Vulcano.  Acreditava que Dulcineia não permitiria  que a irmã  fosse atirada do monte  Olimpo. Afinal,  embora postiça,  sempre fora boa irmã. Contaria a Dulcineia da gravidez, com certa reserva e tinha  certeza  que o assunto provocaria  uma reunião em família.
No dia em que as irmãs confidenciavam seus segredos no quarto de casal, lá da sala, Jeremias fingia não ouvir e acabou perdendo alguns recortes da conversa,  entrecortada pela voz do leiteiro: ‘Olhe o leite... Olhe o ovo de galinha caipira!...Tudo fresquinho, chegado agora do Piabanha.’
Chanana atende o leiteiro no portão.
Vozes de discursos passados fazem eco em sua mente: ‘Martiniano é casado, e mulherengo... Androceu, pelo menos é solteiro’. E acrescentava de sua parte: ‘castrado.’ Perguntas curiosas sobre a gravidez haveriam de surgir aos turbilhões... ‘Quem é o pai?’ E a resposta que ela arquitetava: ‘O falecido.’  Atordoada, parou debaixo da mangueira, que ainda não dava sombra. Era cedo. Hora de o leiteiro  entregar a encomenda: dois litros de  leite in natura, uma dúzia de ovos, rosca caseira e sementinha de coentro verde. Teve vontade que Androceu fosse o pai da criança. Mesmo porque, acostumara-se com ele. Com sua simplicidade no modo de cumprimentar as visitas, e não fazer sala. Aquele ir para a  cozinha, aquecer comida, encher a barriga  e se deitar. Em nada Androceu a perturbava, senão com bafo de bebida e de nicotina.  Distraída, nem vira o leiteiro se afastar, deixando uma sacola de pano, pendurada nas grades do portão. Ela guardou a encomenda de Corina na cozinha,  e vomitou só de pensar em coalhada. Estacionou o Corcel  vermelho no pátio do colégio Integral. E Passou direto para a secretaria. Largou sobre a mesa as chaves do carro e do colégio e entrou no banheiro.  Diante do espelho, alinhou o penteado. Pensava na simplicidade da irmã: ‘Dulcineia não tinha vaidade, nem apego ao dinheiro. A nada se apegava sua irmã postiça. Nem mesmo quis a vaga de professora que lhe oferecera no colégio.’ Não tenho paciência de lidar com essa juventude rebelde.’ — dissera  Dulcineia. Por outro lado, Jeremias era o oposto da mulher: controlava as finanças da casa, dava conta de tudo, até de separar a carne que seria preparada para o almoço, e estocar mantimentos na despensa, mantinha tudo nos devidos lugares,  mas não guardava boas lembranças de sua mulher. ela era uma pedra. Nunca lhe confidenciava nada. E quando intentavam um diálogo, terminava em briga. Ele nunca deu início a uma contenda, não reclamava do bife insosso nem do arroz salgado. Tinha lá seus  pecados: sua vontade era soberana,  não consultava a família, nem envolvia a mulher nos projetos que idealizava ou naquilo que fazia. Seu casamento foi um fracasso... 
— Não se vive a dois desse modo. Ages como se eu não existisse...
— Discordas de tudo meu doce, por isso não te consulto pra nada.
O início da conversa não gerou clima favorável para tratar  de assunto tão delicado, e Dulcineia deixou para outra oportunidade Antes ou depois da intimidade do casal? Qual seria o melhor momento  — pensou.
À Noite a mulher  não dormiu. Fingia dormir, e o  sono não vinha. Mexia-se na cama: punha a cabeça sobre o travesseiro e depois o retirava, colocando-o sob os pés. Sonolenta, puxava a coberta do marido e lhe tomava também o travesseiro. Agora tinha dois travesseiros, um para repousar a cabeça e outro para refestelar os pés. Logo, o marido pensava: ‘Deve estar querendo dengo’. Mas ela não dava sinal visível de qualquer sentimento despertado em seu coração. ‘Acho que me casei com uma boneca de pano’ e virava para o outro lado, e dormia, e sonhava, e acordava roncando... Acordava de sobressalto com a cama sacudindo. ‘Deve ser a mulher aborrecida por causa de meu ronco.’  Fingia nada perceber. Dormia. E outra vez roncava ou tinha pesadelos. Sentia a mão, que não era a dele,  sacudir forte sua  barriga. Não eram afagos. A mão espalmada não massageava o abdome do marido, ao contrário,  soltava raios nervosos na ponta dos dedos e da língua.
— Pesadelo?...deve ser remorso das coisas que apronta! Malditos pesadelos!
***

Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 19/02/2018
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