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cronicas-->A morte do cabrito -- 21/11/2007 - 11:43 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A morte do cabrito

Fernando Zocca

Por causa das desavenças entre meus tios e pais, espalhou-se a notícia, na vizinhança, de uma suposta injustiça cometida por meu pai contra seus irmãos.
A ocupação de uma casa na rua Benjamim Constant (ela fazia parte dos bens deixados em decorrência do falecimento de J.C.Z. em 1943), e que pertencia também aos demais herdeiros, motivou reações vingativas homeopáticas no decorrer do tempo.
Quando tinha mais ou menos oito ou nove anos, numa tarde, descia pela rua Ipiranga e fui parar no açougue (na rua Boa Morte) do J.D.L. que era casado com minha tia L.Z..
Entrei na casa que tinha somente uma pessoa trabalhando na cozinha. Era uma mulher bem idosa, e que não deu muita atenção a minha presença. Tempos depois soube que era a mãe de J.D.L..
Caminhei até chegar a um corredor largo (parecia um corredor de vila - entrada arruada para o centro do quarteirão, com casas de ambos os lados), onde do lado esquerdo, existia uma porta de aço aberta. Lá dentro havia uma bancada, um cepo, balança, ganchos, facas, bacia e balde de alumínio, uma bomba para encher càmaras-de-ar (daquelas que são seguras no solo pelos pés do operador), uma travessa de metal polido fixado nas paredes laterais e amoladores.
O cheiro que emanava dali era o de açougue; moscas voejavam zunindo naquele silêncio da tarde quente. No quintal havia cabras e cabritos a pastar e balando.
A chegada de dois homens, (irmão e sobrinho de J.D.L.) assustou-me. Eles falavam alto, trajavam aventais brancos sujos de sangue, e mostravam uma certa revolta, contrariedade.
O mais moço foi até o quintal de terra e laçou um cabrito grande. O bicho balia alto e tentava livrar-se do aprisionamento.
O animal foi trazido para defronte a porta de aço e lá teve as patas dianteiras e traseiras amarradas por cordas finas. Um gancho reluzente foi passado entre as patinhas traseiras, por baixo da corda.
Com esforço os dois homens ergueram o bicho pendurando-o pelo gancho na trave de metal.
Enquanto um deles afiava a faca, eu postado fora, na frente da porta, olhava para o cabrito lá em cima, que com os olhos arregalados balia, debatia-se desesperado, descontrolado, pedindo socorro.
Lá no quintal, os demais caprinos, agitados, moviam-se de um lado para o outro fazendo muito barulho, enquanto que alguém na cozinha, como se rezasse, dizia palavras em tom baixo e grave.
O cabrito tinha os pêlos àmbar com manchas brancas e pretas. De momentos em momentos, cançado de tanto chorar, ele parava e arfava com a língua pra fora. Enquanto isso a amoladura da faca pontiaguda prosseguia.
Um dos homens colocou a bacia debaixo da cabeça do animal que aparentava já grande sofrimento. Foi quando então o carrasco se aproximou.
Com muita força o açougueiro penetrou a làmina entre as costelas, debaixo do braço esquerdo dianteiro do animal. Ele foi fundo, no coração. Logo, do nariz e boca do bichinho escorreu sangue. Seus berros perdiam a força. Ele agonizava.
O verdugo então, como que dando um golpe de misericórdia, seccionou a traquéia e as veias da garganta do bicho, fazendo o sangue jorrar na bacia; depois pegando um sabugo e olhando para mim, introduziu-o no ferimento da axila do bicho.
Os olhos semiabertos do imolado imobilizaram-se, sua língua distendeu-se saindo da boca entreaberta.
Eu permaneci imobilizado, travado, agoniado, assistindo aquela cena de maldade pura. Enquanto durou a matança não pronunciei uma única palavra nem consegui mover sequer um músculo do corpo.
O cabrito foi retirado do gancho e colocado sobre a bancada. Fizeram uma perfuração pequena no couro do dorso do animal e ali introduziram o bico da bomba de encher-càmaras-de-ar.
O ar insuflado descolava, dos músculos, o couro que foi retirado sem dificuldade nenhuma.
Não assisti ao esquartejameto dos despojos do bicho infeliz. Voltei para casa cabisbaixo. Quando lá cheguei, ouvi minha mãe dizer que naquele 9 de janeiro ela completaria mais um ano de vida.
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