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Artigos-->Mais memórias de Hiroshima -- 12/03/2003 - 03:11 (Fernando Jasper) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Entre as diversas declarações polêmicas de ministros do início do governo Lula, uma das que mais se destacaram foi a de Roberto Amaral, ministro de Ciência e Tecnologia. Aquele que falou que seria importante o Brasil investir em pesquisa nuclear para, no futuro, poder construir uma bomba atômica. Depois da prensa e do banho de realidade, Amaral desconversou e disse que o importante era só a pesquisa.



De uma forma ou de outra, a declaração acabou por lembrar, ao menos os brasileiros, das megalômanas promessas de campanha presidencial do agora deputado federal Enéas Carneiro. O pessoal do resto do planeta já estava mais acostumado, afinal, sempre aparece um presidente radical do Terceiro Mundo afirmando que irá quebrar o tratado de não-proliferação de armas nucleares. Transgressor que mais tarde é devidamente repreendido por presidentes do Primeiro Mundo cujos países nunca chegaram a participar do acordo.



Como se sabe, já houve quem chegasse à brilhante conclusão de que para encerrar uma guerra era necessário lançar uma bomba atômica sobre mais de 300 mil pessoas. Pior: já houve quem concordasse e ordenasse o seu lançamento. O livro Hiroshima, de John Hersey, traz uma visão muito interessante das conseqüências dessa estupidez. A partir de sua leitura, pode-se ter uma idéia bem mais clara sobre quem afirma ser importante ter uma bomba no quintal. E que diz que ela não é para ser usada, é só para garantir que os vizinhos maus não cheguem perto.



Hiroshima traz a reportagem que é considerada “a mais importante do séxulo XX”. Tal como o filme Cidadão Kane, de Orson Welles, a obra lidera grande parte das listas de “melhor reportagem já escrita”. Publicada inicialmente em 1946, a matéria ocupava toda uma edição da revista independente norte-americana The New Yorker, algo inédito na história da publicação, um ícone da grande reportagem. Trazia o relato dos eventos que envolveram seis sobreviventes da “Bomba A”, e contava tudo que lhes acontecera da manhã de 6 de agosto de 1945 até um ano depois, quando Hersey foi ao Japão para entrevistá-las enquanto cobria o pós-guerra pela The New Yorker e, curiosamente, também pela Life.



Na época em que foi lançada, a reportagem causou o rápido esgotamento dos 300 mil exemplares da revista. Publicações de toda a América e Europa apressaram-se em solicitar a autorização para a reimpressão da matéria, e furor semelhante ocorreu logo que a primeira edição em livro foi lançada. Mas o Hiroshima que agora pode ser encontrado nas livrarias brasileiras – só no ano passado ele foi traduzido para o português – tem um acréscimo: a reportagem que o mesmo Hersey escreveu em 1986, quarenta anos depois da original, quando mostrou como estava a vida daquelas mesmas seis pessoas. Quando constatou que os efeitos da bomba não seriam tão ruins se ficassem restritos às seqüelas físicas.

Nascido na China e naturalizado norte-americano, Hersey já era um jornalista consagrado quando escreveu a reportagem. Havia trabalhado nas redações das revistas Time e Life, mas firmou-se como jornalista internacional ao cobrir, durante a Segunda Guerra Mundial, batalhas no Pacífico Sul, no norte da África e na Itália. Correspondente em Moscou em 1944, havia ganho em 1945 o prêmio Pulitzer de ficção com o livro A bell for Adano. No livro The New Journalism, Hersey é apontado por Tom Wolfe como um dos precursores do novo jornalismo, e Hiroshima como grande influência para outros redatores da The New Yorker, entre eles Lilian Ross e Truman Capote. Este, por sinal, escreveria em 1966 o livro A sangue frio, considerado o ponto de maturação do jornalismo literário, que alcançava o auge de seu experimentalismo estético na década de 60, marcada por todo o tipo de experimento libertário, sexual e entorpecente.



O estilo utilizado por Hersey em Hiroshima é profundamente jornalístico: ele escreve com muita sobriedade e sem um mínimo de sentimentalismo. Ao invés de impor a sua interpretação da tragédia, o autor deixa para o leitor o dever da reflexão. O próprio jornalista justificou o estilo direto em uma entrevista dada na época em que o livro teve seu “acréscimo”, em 1986: “Um maneirismo de alta literatura ou a demonstração de paixão poderiam ter me conduzido à história como mediador. Eu queria evitar essa mediação, assim a experiência do leitor poderia ser a mais direta possível”.

A objetividade do relato, no entanto, não impede que ele tenha a qualidade de um texto literário. Tudo como manda o figurino de um bom livro-reportagem. Seus traços literários, apesar de não totalmente assumidos pelo escritor, começam já pela forma como a história é conduzida. Hersey não faz um panorama geral sobre as 100 mil pessoas mortas e outras 100 mil feridas na explosão. Numa atitude que o bom jornalismo herdou da literatura, o autor prefere focar seu relato em seis sobreviventes com as mais variadas ocupações e posições sociais e permite que tenhamos uma noção do geral através do minucioso relato do particular. Personagens anônimos que, por suas características e circunstâncias de vida, representam determinado grupo social. Convence, assim, que pior que morrer pela bomba atômica pode ser sobreviver e sofrer as suas conseqüências por longos anos. E de uma forma originalmente literária, revela, aos poucos, as estreitas ligações entre cada um destes seis personagens, de início aparentemente isolados uns dos outros. No começo, a narrativa intercala alguns parágrafos dedicados a um sobrevivente com alguns dedicados ao seguinte, para mais tarde envolver dois ou três personagens em cada fragmento do relato e, no final, mostrar o quão próximas estavam suas vidas. A inspiração para este tipo de narrativa, segundo o próprio Hersey, veio a bordo do navio que o levou ao Japão, quando leu A ponte de São Luís Rei, de Thornton Wilder, livro que conta uma catástrofe ocorrida no Peru sob o ponto de vista de cinco sobreviventes.



Por mais que o texto de Hersey não traga consigo traços de sentimentalismo, com muita habilidade e naturalidade faz com que um justificado assombro tome conta do leitor, seja através dos diálogos e dos acontecimentos que envolvem cada uma dessas seis pessoas no dia da detonação, seja pelas mudanças ocorridas na vida de cada uma antes e depois dele. O relato dos fatos é suficiente para causar tal assombro, e dispensa comentários explícitos do autor. A posição dele, por mais neutra que possa tentar parecer, é inerente ao tipo de relato que é feito, o que não é nenhum demérito. Pelo contrário, é um dos grandes pontos a favor do jornalismo interpretativo, aqui sob a forma de livro-reportagem.



O que destaca Hiroshima e qualquer obra de qualidade nascida do jornalismo literário é a fuga da efemeridade e da superficialidade da imprensa cotidiana, que traz à tona uma visão desconhecida até então. Ultrapassa a epiderme e penetra no âmago de questões contundentes mas geralmente tratadas com linguagem e espaço quase telegráficos nos jornais diários.



Mesmo publicado um ano após as explosões e aprofundado quarenta anos mais tarde, Hiroshima atualiza os fatos ocorridos em 1945, dando-lhes sobrevida através de uma correta contextualização, cobrindo o vazio de tempo, reavivando a memória do leitor e ampliando a sua visão. Imagine-se o que foi, para os norte-americanos, tomar conhecimento do que os Estados Unidos fizeram com um Japão visivelmente derrotado. E, mais tarde, para os leitores dos mais diversos países, conhecer os devastadores e prolongados efeitos da energia nuclear a favor da guerra. Um temor que renasce a cada eminência de novos conflitos, como a que vivemos agora, em meio à questionável tentativa norte-americana de invadir Iraque e Coréia do Norte.

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