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Contos-->Beijo da morte -- 31/03/2018 - 15:10 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos














A família cresceu. O menino também. Era hora de pensar em uma boa escola para os filhos. Jeremias não gostava dos colégios de padres nem de freiras, pois, ali os pratos da balança utilizam dois pesos. As mensalidades eram iguais para todos: pobres e ricos, mas o tratamento dos ricos é diferenciado. Ele jamais se esquecera da madre superiora, toda de preto como se fosse o corvo que atacou Santo Expedito.  Se a madre era santa ou anjo sem luz, Jeremias não sabia, nem queria julgá-la, mas os bilhetes reclamando travessuras que não fizera, iam para a casa dele, enquanto o filho do rico furtava mamão  na chácara das freiras, e o pai do menino rico, nenhuma reclamação recebia. Foi por insistência da mulher que Jeremias matriculou os filhos no Marista. Pelo menos, Padre Davi parecia agir com imparcialidade: os alunos que se destacavam no colégio,  logo o padre imaginava para eles alguma função na Igreja. Robert Louis Pastorelli daria um bom pastor, tem boa oratória e, por certo, impressionará os fiéis com sua homilia. Entusiasta, o sacerdote colocava um manto de freira na cabeça de Ravenala e com tristeza, o hábito de Madalena em Ramayana. Tinha estima de pai por seus alunos, por isso, os adotava como se fossem carne de sua carne. Preocupava-se com Ramayana mais do que com os outros, e jamais se esquecia de clamar sobre ela a misericórdia de Deus, apesar disso, escrevia no muro das   lamentações: ‘Se não mudar, esta menina vai transformar-se numa estátua de sal’.



Naquele dia, a aula pareceu endereçada a Ramayana. O padre professor, não teria abordado o tema se ela não houvesse perguntado, publicamente, aquilo que em particular, já lhe dissera sobre música funk: A música prepara o ambiente para a ação do espírito de Deus, se provém dele ou, para a ação do mal, se vem do Mal. 



Existe uma canção nova, uma música nova, que é do homem novo, que é da nova criatura. É Deus fazendo novas todas as coisas, através da música. Existe também uma canção velha, a música do homem velho, da velha criatura. A música velha, mundana, alienante e pornográfica, deve ser banida entre os cristãos, para que não guardem material explosivo em seu interior. Do mesmo modo que escolhemos  o alimento para o corpo, também deve-se escolher o alimento espiritual. A música pode fazer bem ou mal. Tudo vai depender dos frutos que ela produzir na mente e no espírito de quem ouve. O rock, por exemplo, como ferramenta do diabo, praticamente, passou como passa também a moda; até as palavras saem de uso e dão lugar a outras novas. Tudo tem seu tempo, agora é o tempo do funk que veio com mais forças e poder que o rock. Cuidado com os atrativos! O perfume e a beleza das cores atraem a presa para a armadilha da anêmona.  “Em analogia ao que disse  sando Agostinho, posso estabelecer um paralelo também em relação à música:  “Não permita que tais atrativos acorrentem tua alma.”



 A música é boa, se der bons frutos. Feito para curar, o remédio que cura também mata. Tudo na vida depende de uma escolha, uma opção. Pode-se escolher entre o Bem e o Mal, entre andar na luz ou nas trevas. Também as pinturas, os quadros ditos psicografados, representam um perigo. “Cuidado com a flor-de-pedra, cuidado com a fumaça que sai da pedra!  Não  queiras ir para Nínive quando eu te mandar para Tárcis!”  E sem disfarçar, olhou por cima dos óculos para um canto da sala, na direção de Ramayana.



— Pô, meu! Tipo assim! Cada um tem seu gosto. Pega leve, teacher!Gosto de rock. Quero ser Groupie, e pronto! Sou dona de meu nariz. Ninguém manda em mim...

— Cale-se ou expulso a senhorita da sala.



Não precisou expulsá-la. Ramayana saiu dando rabanada. Terminada a aula, Robert   indaga:



— Agora há pouco o professor dizia: Não queiras ir para Nínive, quando eu te mandar para Tárcis... Não seria o contrário: não queiras ir para Tárcis, quando eu te mandar para Nínive? 



Ora! — explica o padre —  Alexandria tinha uma biblioteca com 700.000 volumes em rolos de papiro; Nínive, talvez a segunda maior da antiguidade, com 30 tábuas contendo ensinamentos de Astrologia. Quem sabe, Jonas além de profeta era também vendedor de livros, e preferiu vender suas ideias em Tárcis que não tinha biblioteca?! (Ironizou). Agora imagine. Não queiras ir para Nínive, quando eu te mandar para Tárcis e não queiras ir para Tárcis, quando eu te mandar para Nínive, têm o mesmo princípio: a obediência. 



— Não seria por causa do fanatismo religioso acarretado pela prática da  Astrologia que Jonas foi mandado para Nínive?

— Sim, em parte sim! Os ninivitas eram pagãos. Adoravam os astros como se fossem deuses. Ainda hoje, muitas pessoas não saem de casa sem consultarem o horóscopo. E se esquecem de elevar sequer uma prece ao verdadeiro Deus, criador de todas as coisas. Adoram a criatura, quando deveriam adorar o Criador. 



No decorrer do tempo,  as profecias do padre se cumpriram, em parte. Robert   não fez o teste vocacional. E entre os alunos do Marista daquela época, apenas Vitor Augusto ingressou no seminário. Morgana abraçou a vocação ao matrimônio; Ravenala, ora quente, ora fria, guardava seu maior   tesouro em vaso de barro. E Ramayana virou uma boneca de trapo, uma espécie de deusa do fogo das memórias medievais. Deusa em nada virgem e muito menos sagrada, mas uma figura estrambótica  a desfilar nas noites da Vila Mimosa. Roubando.  E quando  roubava  para comprar as drogas que consumia, tinha sempre um livro na mão por álibi: Sou estudante! Foi apenas um esbarrão...  

O telefone toca.



 A voz de Ramayana  fez-se ouvir do outro lado da linha. 



— Vamos à Lapa hoje? 

— Não.

— Vamos, menina. Tira esse manto de virgem vestal! Que te rendeu a vida de profetisa do terceiro milênio? Chega de respirar fumaça de velório, precisas arejar a cabeça. Faz tanto tempo que tua mãe morreu...

— Não gosto do barulho excessivo  das danceterias.

— Vamos  nessa. A Morgana vai.



Foi ao baile com um grão de sal debaixo da língua e uma folha de arruda na orelha. As músicas que ouvia continham letras de muito mau gosto e clara  apologia ao crime, à violência e à prostituição. Som alto demais, e uma  barulheira infernal.



— Tenho uma surpresa, quero que conheças Erich Daniel meu colega de faculdade. Erich, esta é Ravenala... Ravenala, este é Erich e aquela é Ramayana! — disse Morgana.



A voz de Daniel pareceu familiar. Talvez Ravenala o conhecesse de vista, talvez da Confeitaria Colombo, da loja de informática ou de outro lugar. Sim, lembrava-se perfeitamente de um jovem que  entrara em sua loja procurando por uma Lan House. Seria Daniel viciado em Internet



Jovens perdem dinheiro em apostas virtuais, namorados perdem suas namoradas; maridos, suas mulheres; moças a virgindade, e crianças se tornaram vítimas de pedofilia, depois de fazerem amizade com adultos pela Net. Tudo começa com joguinhos “inocentes”, até chegarem às cenas eróticas... Crianças interagindo com adultos, tornando-se presas fáceis desses monstros virtuais. Ravenala não conseguiu ficar muito tempo no baile. Estava em falta, tinha o compromisso consigo mesma de escrever, pelo menos, uma página de seu livro por dia. Saiu levando Morgana.



A banda tocava a muitos decibéis acima do suportável pelo ouvido humano. Jovens rapazes e moças usavam drogas e faziam sexo publicamente. Ravenala baixou as vistas, ocultou-se atrás de Morgana e sentiu que estava em um mundo que não era o seu.



— Não achou nada estranho?

— Em quê?

— No nome.

—Que nome?

— KISS é o nome da boate.

— Tenho trauma de língua estrangeira, por causa de um professor que comparecia duas vezes por mês: uma para dar aula e a outra para aplicar a prova. Nunca corrigiu nenhuma delas. E o diretor se via na obrigação de atribuir notas... Mas... Para mim, kiss  significa beijo. Nada mais do que isso. Não me arriscaria muito na tradução do inglês.



— Em princípio, seria beijo. Se KISS não fosse sigla da banda  Cavaleiros a Serviço de Satã. Tradução do inglês Knight In Satan Service.

— Virgem Maria! Cruz credo. Não volto mais aqui.

— Nem eu!



Ravenala não gostou do gênero musical tocado no baile. Mas não escreveria nenhum capítulo sobre baile funk? Falar mal de futebol, carnaval e música funk é colocar uma corda no pescoço e os pés no cadafalso; cair no esquecimento ou ter seu livro jogado na lixeira como as páginas policiais do jornal que Robert   comprava.  Muitos querem ver a beleza das cores que passam pelo sambódromo, outros que o carro alegórico estoure e os foliões voem aos pedaços. Ela não gostava de preconceitos. Tinha conceitos de beleza, conceitos do Bem e do Mal. Tinha conceitos sobre a coisa de seus desejos, e, aos poucos, sentia-se imaculada, como nos primeiros dias de Eva no paraíso. Também o padre  Davi se sentia na pele de Adão, antes de morder a maçã do pecado. Dera nome a muitas crianças, derramando água da pia batismal sobre suas cabeças, mas não dera nome a nenhum filho de suas entranhas. O poder de multiplicação da espécie que Deus deu ao homem, foi  pelo padre elevado à categoria de voto. Voto de castidade em vida celibatária. Era preciso decidir-se antes que a idade avançasse muito. Tinha mais de quarenta.

Por que não agora?



Voltou o Anjo Negro a pedir permissão a Deus para tentar o padre com murmurações: ‘ Vinte anos de sacerdócio. Viagens sofridas, lida com batizados, que continuavam na vida pagã? Gente  que conversa durante a homilia como se comprasse farinha no mercado público... Não podia parar a celebração, por causa de uma criança que aos berros quer chamar a atenção de uma numerosa assembleia, principalmente, dos pais. Muito menos por causa de um cão que ladra, insistentemente, perturbando o ritual romando. Estava o padre  no momento de maior expressão da fé cristã: A consagração. “Corações ao Alto!”  E o povo responde: ‘Nosso coração está em Deus’. Na verdade, muitos  corações estão noutro lugar, menos ali na Jerusalém Celeste, quando o céu desce à terra ou Igreja se eleva ao céu. Outro  cachorro desses que não perde uma missa, uiva. E o padre dá sequência à Liturgia Eucarística:  Vereis o céu aberto e os anjos subindo e descendo sobre o filho do homem.  Distraidamente, uma voz ecoa no meio da assembleia: ‘Amém’ e não era hora do amém. 

Dois mil aos de doutrina e o povo conversa na igreja, até na hora da elevação do Santíssimo... ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.’ E enquanto beijava o altar, Davi viu a cena de  Jesus expulsando os vendilhões do templo, o Mestre não chicoteava nenhum deles. Virava as mesas e soltava os animais, colocados à venda para serem dados em oferenda.  Quanto tempo depois, vendilhões continuam a negociar na casa do Senhor como se estivessem numa  feira-livre! Refez-se, e continuou a celebração. Davi se sentia como um  pastor ferido, incapaz de conduzir o rebanho da casa de Jacó. Servia a Deus na esperança de que a Madre Igreja, não tardasse em permitir que os sacerdotes se casassem. ‘Por que não agora? Quanto tempo esperar ainda?’ Estava  profundamente perturbado com a pergunta que Morgana fizera  durante uma aula de religião no Marista: ‘É verdade que José de Alencar é filho de um padre?’ Teve vontade de dizer que o romancista brasileiro era filho do ex-padre José Martiniano de Alencar. Mas, sabia que padre, uma  vez ordenado, mesmo perdendo as atribuições do ofício, nunca deixa de ser padre.  Fez um minuto de silêncio. Beijou o altar dos sacrifícios, e afastou pensamentos que lhe perturbavam a alma. Deu a bênção final, e ficou em adoração ao Santíssimo. E no silêncio de seu coração, ecoava a voz da Madre de Calcutá: Ensinarás a sonhar... Mas não viverás teus sonhos.


 



***

Adalberto Lima, trehco de "Estrada sem fim...

Contato: adalbertolimapoetadedeus@gmail.com








Adalberto Lima




Enviado por Adalberto Lima em 31/03/2018




 






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