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Contos-->II ILHA DO AMOR -- 04/04/2018 - 16:09 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos















Próxima estação, Estação Carioca.
 Next stop Carioca station, landing on the right side. 
 
 
Mal parou, vai outra vez  o trem, correndo veloz, e ligeiro desaparece na curva do trilho.  Repete a manobra, e faz todo dia o mesmo circuito. Por um minuto, para.

A moça tenta desembarcar, mas  não cabe entre os passageiros. Fica presa antes do vão da porta. Passa do ponto de descer. Na estação seguinte, arrastou a bolsa de uma senhora que se pôs a gritar: ‘Larga...larga...larga minha bolsa...’

A alça se rompe. A bolsa fica. Ravenala sai.

Sentiu-se só. Sozinha  na movimentada Barão de Rio Branco. Cruza a rua, sobe a calçada e desvia de um poste de sinalização. Transeuntes vão, outros vem, como rebanho de ovelhas sem pastor.  E cada rosto que passa, não deixa rastro da fisionomia.

Ninguém conhece ninguém. Não sabe o nome que o outro  tem, nem onde mora. Tanto o nobre, quanto o pobre, não  têm nome. São apenas passageiros do trem. Passageiro é seu nome. 

Ela desceu. Percorreu o desconfortável caminho do anonimato e  entrou na loja de informática. Tudo organizado. Funcionários a postos e sorridentes esperando pelo  freguês. Ravenala usava uniforme da loja e se misturava no meio dos empregados. Não se sentia  dona de nada, apenas administrava aquilo que lhe fora confiado por empréstimo.

Agradecia a  proteção divina, e ao mesmo tempo, questionava no silêncio de seu coração: ‘O Senhor tem muitos filhos!  Por que não me emprestar um deles? Prometo devolver multiplicado. 


 Sentiu  solidão!  E procurou refúgio nas conversas que sempre tivera com Morgana.

— Podemos nos encontrar à tardinha na confeitaria. Tenho algo importante a revelar.

O algo importante, na maioria das vezes, era apenas falar de  flerte na estação do metrô. Mas essas coisas são, de fato, muito importantes para uma moça que tem a pretensão de encontrar sua outra metade.

Mais tarde,  a conversa tomava outro rumo e acabava desaguando nos negócios da loja: a demissão de um funcionário, ou  o atendimento a um cliente especial.

— Demiti Amarildo.
— Isso não é fato novo. Funcionários são demitidos durante as  crises econômicas das empresas, ou admitidos quando há aquecimento do mercado consumidor.
— Mas Amarildo...
— Sei! Ele tinha algo a mais, além de funcionário de confiança.
— É verdade. Mas...
— Mas o quê?
— Ele voa baixo.

Morgana deu por entendido o que seria ‘voar baixo’. Ela mesma tinha feito manobras rasantes em torno de objetivos vazios: ‘ Será que o rapaz  gosta de mim ou do dinheiro de meu pai? Aquele é pobre... Este outro, também. Como  seria o relacionamento entre princesa e plebeu?’

— Acho que Sivory voa baixo. Pode um jogador de futebol arcar sozinho com as despesas de uma casa?
— Por enquanto, não. Talvez em décadas futuras, sim.  

 Morgana retirou um pequeno espelho da bolsa, conferiu a maquiagem e degustou um gole de chá. Seus olhos admiravam a beleza das peças de cristal, cuidadosamente expostas em vitrines da confeitaria.

— Arrependida de demitir Amarildo?
— Estava apenas pensando: Amarildo tem postura de herói grego. Mas a cabeça... a cabeça é de fósforo riscado. Ele não tem tino comercial. Não serve para ser patrão nem empregado. Mesmo assim, arrependo-me de tê-lo dispensado.
— Da loja?
— Não.
— Estás triste. Solte a gaivota que há dentro de ti! Grite, faça voos rasantes sobre o espelho das águas, depois pouse no capelo de um navio.
— Só se for navio fantasma!
— Não diga fantasma! Diga fantasia... Precisamos de fantasias, sonhos! Idealize um príncipe. Primeiro pense no príncipe. Depois construa o castelo de seus sonhos.
— Acho que pensei primeiro no castelo. Quis construir patrimônio e me esqueci de viver.
— Não viste mais o Fernão?
—Não o vi! Deve estar numa ilha, vendendo barco furado a  Papillon. 
— Viste o filme?
— Como não! Tudo que trata de ilha, não perco. Sou apaixonada por ilha, um dia morarei em uma ilha, bem longe da civilização...
— Esqueça a  ilha. Ilha  não tem palácio. Que conforto oferece uma ilha?
— Ar puro e liberdade, que mais pode desejar um coração selvagem?
— Sinto em tua alma o prenúncio de fobia à cidade.
— Os civilizados são selvagens demais. 
— Amo cidade grande. Se puder vir com uma praia junto... Gosto do aconchego de minha casa, quando volto  à tardinha, depois de horas e horas quebrando ondas e brincando de esconder os pés na areia. 
— Nunca pensaste em dormir ao relento? Sentir a lua prateada banhar teu corpo, e os raios do sol acariciar-te o rosto?
— Sozinha? Jamais! Tenho medo do silêncio ensurdecedor. À noite,  o trilar do grilo fura meus tímpanos como o apito de um trem. Até o farfalho da palmeira na floresta me traz à mente imagens de fantasmas dançando na escuridão da norte.  
— Não quis dizer sozinha. Pensei numa ilha. Sobreviver a um naufrágio  e encontrar um príncipe desmaiado na praia.
— Estás vivendo o sonho de uma princesa, não o teu.

Distraidamente,  Morgana permitiu que imagens de uma gruta úmida e escura invadisse o mais profundo de seu ser. Precisava remover aquelas cenas. Tinha medo de solidão, de escuro e de tudo que a isolava do contato com o mundo exterior. Quis mudar a linha de pensamento, mas percebeu que seu medo se afastava, na medida em que enfrentava o próprio medo. Sairia devagar do sonho, com cuidado, como se não tivesse medo de sonhar. Não queria acovardar-se diante da luta contra o invisível, nem podia interromper as fantasias que visitam o mundo imaginário de um sonhador.  O sonho pode ser a ponte entre o impossível e o concrescível. Mas chegar ao ponto de querer morar numa ilha é fantasioso demais.

Quem sabe, na ilha do amor. Quem sabe? 

***
Adalberto Lima, techo de "Estrada sem fim..."










Adalberto Lima








Enviado por Adalberto Lima em 04/04/2018

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