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Contos-->Entre quatro paredes -- 10/04/2018 - 09:05 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A vida e  tudo que há na terra, no céu, no mar,
 está na poesia que o poeta pinta, com a tinta 
 a escorrer numa folha de papel.
 
 
 A tarde seguia devagar como se não quisesse saudar a noite. Robert   tinha pressa, Morgana também. Não viam a hora de se encontrarem no restaurante chinês para o jantar combinado daquela  sexta-feira. Ele era humano demais para entender, mas não surdo, que não pudesse ouvir a voz de seu coração ressoar em sintonia com a alma de Morgana. Robert contava as cerdas grisalhas nas costeletas e um punhado de pelos brancos no queixo.
 Os primeiros momentos do encontro foram de completo embevecimento. Olhava para Morgana, como se estivesse diante uma deusa.
— Você está lindo nesse look, Bob.
— Vemos no outro aquilo que há dentro de nós mesmos. 
— Obrigado pela parte que me cabe.
Era dezenove de abril.
— Esta data de hoje, não te faz recordar alguma coisa?
Pensou em dizer que era dia do índio. E até acreditou que cupido protege os  eternos enamorados, porque, em vasculhando a memória, encontrou a resposta.
— Dezenove de abril foi o dia de nosso primeiro beijo. Que  coincidiu com o aniversario dos três anos ‘Suzi.’ Comemoremos  o primeiro beijo, depois o aniversário da cadelinha. 
— Sabia que todas as minhas bonecas tinha o nome de Suzi?
— E como fazia para diferenciar uma da outra?
— Pela ordem que foram adquiridas... Zuzi 1...Zuzi 2...Chequei a ter vinte e duas com o nome Suzi.
— Comemoravas o aniversário de cada uma delas, isoladamente?
— A intenção era esta. Mas... minha mãe  as considerava gêmeas, e sugeriu que fizéssemos o aniversário de  todas elas em um mesmo dia.
Riu.
Robert  segurou a respiração para não deixar escapar a sensação de alívio por recordar-se do primeiro beijo. Para os homens, não tem primeiro, nem segundo. Eles só contam o último. O de agora. Até faz sentido. É mais interessante, real e concreto. Já as mulheres guardam as datas do primeiro aceno de mão, do primeiro isso, do primeiro aquilo... E o homem não pode esquecer, nem mesmo do aniversário do cãozinho dela.
— Então, vamos comemorar nosso primeiro beijo. E tascou um.
— Para, Bob estou com a boca cheia...
Teve vontade de dizer: “Pois esvazie. Eu quero usá-la.”  Mas usar... Usar é uma grande ofensa, afinal, não somos mercadorias nem bens de consumo. E depois de brindarem taças de precioso vinho, ele retirou  do bolso uma caixinha.  Minúscula, capaz de caber na palma da mão. Abriu a caixinha, deixando o conteúdo exporto em sua mão. Morgana olhou por alguns segundos e com a voz embargada disse:
— Simulaste bem tua surpresa. Por um momento, pensei que houvesse esquecido nosso primeiro aniversário de namoro.
E chorou. E beijou-o sucessivas vezes.
— Já podemos usar. Não tenho a quem pedir tua mão.
Ela cerrou os lábios e fechou os cenhos, mudando a sensação de felicidade  para um semblante de tristeza. 
— Desculpe! Não quis trazer à tua lembrança a ausência de seus pais. Também não tenho os meus a meu lado. Assim, não precisamos permissão de nenhum deles para ficarmos noivos.
— O dia de hoje dever ser marcado com uma pedrinha branca — disse  ele.
— Claro. Foi um momento de grande emoção.
De pedra em pedra, as mulheres colecionam pedregulhos, imaginou.
—  A hora avança demasiado...Creio que hoje não dará mais tempo de comemorarmos o aniversário da Suzi.
— Nem podemos. Ela está dodói.
— Posso visitá-la.
— Claro! Você é meu noivo. E se procederes bem, pode tornar-se pai dela.
Robert acaba de se tornar pai de uma cadela. Mas não podia rir. Não podia perder sua princesa, por causa de uma cadelinha de estimação. Faria um exercício sobre-humano para  gostar de gato, cachorro e de tudo que Morgana gosta. Só esperava que ela não apreciasse as páginas policiais nem novelas de certo canal de TV. As duas coisas juntas, ou isoladamente, constituem o mesmo crime que conduz para a sombra da morte.
— Podemos ir para casa, disse ele com suavidade de voz.
— Não temos casa.
— Como não! Tens a tua e eu a minha. Vamos lançar a sorte para saber para qual delas iremos. Afinal somos  quase casados.
— Assim tão rápido. Noivado e casamento no mesmo dia?
— A vida tem pressa. Vejo fios de cabelos brancos em minha barba.
— Bobo! Nunca percebi.
— Perceberias se eu não fizesse a barba todos os dias...
— Vamos lançar os dados?
— Não precisa — disse ele — tive minha sorte maior hoje.
— Como assim?
— Os colegas  de serviço  preparam-me uma surpresa. E nos esperam em casa.
— Por que então sugeriste lançar a sorte sobre...
— Para tornar a surpresa misteriosa.
— Avisou a eles que ia noivar?
— A proposta foi minha. Mas eles sabem que hoje é nosso aniversário de namoro. 
— Vais conhecer o pastor.
— Pastor alemão? Tenho medo de cães grandes...
— Pastor brasileiro.
— Existe esta raça?
— Bom, não se trata de raça. E sim de Igreja.
— Tornaste evangélico.
— Aprecio muito as igrejas pentecostais.
— Pois que o pastor nos dê sua bênção e depois celebraremos o sacramento de nossa união, no catolicismo. Concorda?
— Com corda, com o balde e a roldana.
— Você é um homem incrível!...Obrigada. 
E chorou. E sorriu. E o beijou lascivamente.
 Sabia que Morgana e Ravenala eram do mesmo mês. Mas, qual delas era do dia primeiro de abril e qual era do dia dezenove. Teve que fazer ginástica mental para   não mais confundir. Senão, era o mesmo que trocar Roma por Romão. Desta vez ele riu sozinho. Nunca tivera tempo para pesquisar a ligação de Roma com romaria. Se romeiro é aquele que vai a Roma ou o que vai ao Juazeiro do Padre Cícero Romão Batista.
— De que te ris?
— Do que penso.
— Não te esqueças que agora pensamos a dois.
— Até no pensamento?
— Sim. Até nosso pensamento deve ser único e indivisível.
Robert preocupou-se. Que dizer?  E explicou o que pensava sobre romeiro, Roma e Romão.
— Fazes piada até com as coisas sagras.
— Desde que não configure vilipêndio, não é pecado.
Pensou em contar sobre a vocação ao sacerdócio,  quando em sua juventude. Mas o assunto levaria horas... Ou não. Talvez  nem precisasse aprofundar-se. Morgana o conhecia desde os tempos de Marista, e sabia da intenção do diretor de tornar religiosos os alunos que se destacavam em comunicação. Na verdade, Robert queria mesmo era  contar pra Morgana que escrevia um livro em parceria com Ravenala, mas isso poderia, botar tudo a perder. Ou não. Morgana estava no casamento de Robert com Ravenala, diga-se de passagem, casamento que não aconteceu.
— Lembra-se de meu casamento? 
— Nem quero lembrar daquele dia. Porque falas isso agora?
— Acabamos de chegar a um consenso de que até nossos pensamentos devem ser compartilhados.
— Pensavas  nela agora?
— Não propriamente isso. 
— Então diz logo.
— Estou escrevendo um livro com Ravenala. Não te importas?
— Ela continua morando  no Rio?
— Sim,  e com minha mudança para São Luís, houve contratempo que resultará em atraso para edição da obra.  Algum problema em escrever o livro a dois.
— Não. Contanto que não narres os pormenores de nossa lua-de-mel. Ela escreve desde menina. Já me apresentou textos em prosa, e versos. Coisas que tencionava publicar. Como está o andamento.
— Adiantado. Quase no ponto de ir a prelo.
— Adiantando? Costurando uma colcha há tanto tempo; e chamas isso de adiantado?
— É modo de falar. Digamos que já se aproxima a hora de tirar o véu da noiva. Revelar o mistério...
Robert   ficou em dúvida se tirar o véu da noiva ainda estava no assunto do livro, ou avançava para o casamento.
— Nada contra a publicação do livro, nem o fato de escreverem juntos.
— Fica tranquila. Não vou expor nossa intimidade. Nada da lua-de-mel será contata.
 Ela sorriu.
— O que se passa entre quatro paredes, nem as paredes devem saber.
 
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 10/04/2018
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