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Artigos-->DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA, O CAMINHO DA SUBMISSÃO -- 15/03/2003 - 04:40 (Walter Del Picchia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA, O CAMINHO DA SUBMISSÃO*

WALTER DEL PICCHIA



Revista Pau Brasil, No.15 - Ano III, nov/dez 1986 – São Paulo



Contam os cronistas que quando os antigos portugueses, em sua ânsia expansionista, houveram por bem desbravar (ou seja, invadir) essas terras, ao aqui chegar fizeram os primeiros contatos protocolares com uma comitiva de indígenas que os foi recepcionar. Houve troca de presentes e amabilidades várias, os nativos tendo recebido espelhos, pentes e alguns utensílios desconhecidos (em suma, alguns badulaques da civilização, sem os quais eles poderiam viver perfeitamente por mais alguns séculos, ou os quais um dia inventariam sozinhos, se preciso fosse).

Esta história inocente terminou em tragédia para o lado tecnologicamente menos preparado, como comentou poeticamente um historiador; “Mal sabiam eles que em troca daquelas bugigangas estavam entregando todas as riquezas de sua terra, todo o futuro de sua raça...”. E o fim todos sabemos. O início da dominação (e posterior extermínio) dos indígenas brasileiros começou aí, com a dependência crescente de espelhos, pentes, utensílios etc., cuja necessidade foi artificialmente criada e cujo processo de fabricação eles não conheciam (isto é, não possuíam tecnologia própria para atender às novas “necessidades” artificialmente criadas).

Evidentemente há inúmeras diferenças entre o relacionamento atual (dos novos desbravadores versus os atuais nativos – que somos nós) e aquele entre os antigos colonizadores e indígenas. Não são, porém, as diferenças que contam. São as semelhanças que devem nos preocupar e elas são, no mínimo, perturbadoras. Em troca das bugigangas modernas (vídeo-cassetes, máquinas de calcular, usinas nucleares, relógios digitais, vídeo-games, robôs, grandes computadores etc), cujos segredos de desenvolvimento não dominamos, estamos entregando nossos recursos, criando dependência crescente, abandonando nossa cultura; em suma, o que vivemos não é a saudável interdependência que preside o relacionamento entre nações soberanas.

É evidente que uma parcela da população usufrui as novidades, achando impossível que alguém consiga sobreviver sem todas elas. Mas a maioria vive, a maioria da população não tem acesso a tais bens; seus problemas de sobrevivência física são mais prementes, acometida sem tréguas pela desnutrição e suas conseqüências, pela falta de transporte e moradias.

Portanto, há um problema de prioridades a resolver, sendo necessária uma analise das vantagens e desvantagens dessa modernização acelerada. Devemos pleitear as últimas novidades a qualquer custo? Serão a felicidade e o progresso sinônimos do aumento incontrolado de bens materiais de tecnologia sofisticada? Necessitamos realmente possuir modelos avançados de dispositivos que não sabemos criar? Não estaremos sendo levados, sem o perceber, a uma situação imprevisível e não desejada? Qual o limite desse processo? Não será preciso estudar suas implicações, discipliná-lo enquanto é tempo? Ainda há tempo?



PROGRESSO APARENTE

A seguir teceremos algumas considerações sobre o assunto, procurando criar uma base de raciocínio que permita buscar respostas a tais indagações.

Inicialmente queremos esclarecer que nenhum de nós pode, em sã consciência, defender a renúncia ao progresso, entendido este como um modo de estender à maioria os benefícios da tecnologia, uma maneira de alcançar a almejada democratização do acesso aos bens. Além disso, os avanços tecnológicos e científicos podem ser, no máximo, retardados, mas nunca impedidos.

Em nossa opinião, podemos almejar as novidades, desde que sejamos capazes de desenvolvê-las por esforço próprio, desde que para tê-las não se crie uma dependência fora de nosso controle, a qual, cedo ou tarde, em intensidade maior ou menor, redundará em perda de soberania (perda de capacidade de decisão). A situação de dependência descontrolada lembra a de um drogado, que se torna escravo do traficante, cedendo a própria dignidade desde que o suprimento chegue sem falhas.

Embora o prioritário seja atender às necessidades básicas da maioria, é importante que se dedique concomitantemente esforço ao desenvolvimento tecnológico, à procura de uma tecnologia própria que não ignore nossos problemas específicos (precisamos desmentir a acusação de que o pesquisador brasileiro é autoridade nos problemas mundiais e ignorante nos problemas de sua terra). E mesmo num país sem recursos esse desenvolvimento tem de ser feito também em áreas avançadas, pois é difícil evitar que as novidades nos atinjam de um modo ou de outro; devemos pois nos preparar ao menos para ser interlocutores válidos quando elas nos forem oferecidas, para aumentar nosso poder de barganha nas futuras negociações, para podermos julgar suas reais necessidades, sua adequação e suas implicações.

Em tudo pode-se encontrar vantagens e desvantagens, e o correto é efetuar um estudo comparativo entre elas, o qual aponte as decisões a tomar (os planejadores chamam tal estudo de analise custo-benefício). As análises custo-benefício da modernização acelerada e prematura nos países subdesenvolvidos têm destacado suas grandes desvantagens a longo (e mesmo a médio) prazo. O Comitê de Ciências e Tecnologia das Nações Unidas já alertou que a utilização de inovações tecnológicas (desenvolvidas e dominadas pelos países avançados), prematuramente adotadas pelos países pobres, tem causado sérios problemas nesses países. Realmente, não necessitamos dispor sempre das últimas novidades; é possível viver muito bem com relógios digitais menos sofisticados e com aparelhos de som com um pouco menos de perfeição. É claro que nada nos impede de almejar as técnicas mais recentes, desde que para isso não seja necessário abdicar de parte de nossa capacidade de decisão. O desenvolvimento de novos bens pode ser feito com nosso próprio esforço, de acordo com prioridades bem traçadas; não é obrigatório que se utilize a técnica mais avançada, o essencial é que o desenvolvimento seja brasileiro.



CONTROLE EXTERNO

A rigor, valerá a pena comprometer o futuro, para uma parcela da nossa sociedade possuir vídeo cassetes, televisões coloridas com zoom e controle remoto, para corrermos um pouco mais nas estradas, fazermos contas com o dobro da velocidade etc.?

Em nosso entender, não. E a razão é simples, é só verificarmos para onde está nos levando essa dependência (1): a importação crescente de produtos de alto conteúdo tecnológico e de “conhecimentos”, a dominação cada vez maior dos setores industriais importantes pelas empresas estrangeiras (segundo(1) elas ocupavam em 1983 quase 100% da indústria automobilística, da borracha, do fumo e química, cerca de 80% da farmacêutica e dos eletrodomésticos, cerca de 70% da de autopeças, cerca de 60% da mecânica e equipamentos industriais, de alimentos e distribuição de gasolina), e a crescente participação das multinacionais nos setores metalúrgico, elétrico e de comunicações, da madeira, da celulose, do papel, têxtil, agrícola, comercial, da engenharia e consultoria, bancário, da saúde, dos minérios. Caso continuem imperando os fatores que nos levaram a tal situação, entre outros a excessivamente liberal legislação brasileira de proteção às firmas estrangeiras e a colaboração dos beneficiados, não será difícil chegarmos a ponto de ter toda a atividade econômica brasileira sob controle externo.

As conseqüências serão a concordância em que as decisões sobre nosso País sejam tomadas no Exterior, a renúncia à pretensão de sermos uma Nação.



IMPORTAÇÃO DE MULTINACIONAIS

Ao optar pelo rápido desenvolvimento tecnológico via importação de grande número de empresas multinacionais, enveredamos por um caminho que oferecia poucos atrativos e demasiados riscos. Infelizmente, os últimos prevaleceram e as conseqüências só não são visíveis para muitos alienados e alguns interessados. Não se pode alegar que os riscos fossem desconhecidos, pois é natural que aquelas empresas, visando maximizar seus lucros, concentrassem pesquisas e desenvolvimentos em seus países de origem, ensinando o mínimo possível aos países pobres, como veremos adiante. Desse modo, os países subdesenvolvidos estão também pagando (e caro) pelo desenvolvimento tecnológico dos países ricos, colaborando para a manutenção de seus altos níveis de vida e de consumo, à custa de conservar baixos os próprios. Além disso, sua presença tem, ou eliminado as firmas nacionais da mesma área, devido ao seu grande poder econômico, ou inibido nossos futuros desenvolvimentos. E não se pense que as novas tecnologias por elas proporcionadas farão de nós grandes exportadores de produtos tecnologicamente avançados, já que as decisões sobre as exportações dependem exclusivamente das matrizes, as quais dividem o mercado segundo suas conveniências (e só por acaso elas transformariam um país subdesenvolvido em grande exportador de produtos manufaturados). No caso de cessão de licenças de fabricação para firmas nacionais, a esperança (de grandes exportações) também é vã, pois as técnicas trazidas normalmente já são ultrapassadas nos países de origem e, em conseqüência, não serão competitivas economicamente no mercado internacional.

Portanto, urge a definição e manutenção de uma política industrial nacional que, entre outros propósitos:

a) não permita que empresas nacionais, com tecnologias por nós dominadas, sejam eliminadas por firmas estrangeiras de grande poder econômico, que aqui se instalam operando no mesmo ramo;

b) não permita a instalação de firmas estrangeiras que venham criar ou atender a necessidades artificialmente criadas (ou seja, que criam problemas inexistentes para depois vender soluções);

c) providencie a vinda de firmas e produtos estrangeiros para atender às necessidades reais de nossa sociedade, nos casos em que firmas nacionais não possam fazê-lo, e desde que isto não iniba nossa pesquisa e desenvolvimento;

d) incentive a busca de soluções nacionais para os problemas nacionais, pela pesquisa, experimentação, adaptação, invenção, cópia, criação, nas universidades, escolas, institutos, indústrias etc. (qualquer recurso é de utilidade e deve ser mobilizado).

Só assim poderemos adequar nosso modo de viver às nossas habilidades. E temos muitas, como tem sido demonstrado; se a capacidade inventiva nacional não tivesse sido tão inibida, desprezada, desprotegida e dificultada, outra seria a situação. Nossa capacidade e recursos são suficientes para atingirmos níveis de vida dignos, sem necessidade de penhorar o País a entidades tutelares internacionais.

Lembremos que o primeiro estágio de segurança de uma Nação está associado à capacidade de prover a sua própria subsistência (2).



ESTELIONATO INTERNACIONAL

Para prosseguir, precisamos esclarecer alguns termos em uso, tais como tecnologia, autonomia tecnológica, transferência e compra de tecnologia etc.

Estamos cientes das dificuldades em definir essas expressões (existem interpretações diversas para os mesmos termos). Isso se deve a várias causas, desde as sutilezas envolvidas, até interesses em jogo que apontam a conveniência (para os interessados) de certas interpretações tendenciosas. Quem ingressa nesse campo tem a impressão de haver uma verdadeira campanha de desinformação em relação aos termos empregados. Mesmo assim, sujeitando-nos às críticas que fatalmente virão, seremos obrigados a comentar algumas expressões; caso contrário o texto tornar-se-ia ininteligível para a grande maioria dos leitores que pretendemos atingir. Nessa área, quanto mais se deseja apresentar afirmações gerais, menos claro se torna o texto; inversamente, se procuramos tornar o texto mais didático, corremos o risco de particularizar as conclusões. Tentaremos não cair em nenhum dos extremos.

Tecnologia será aqui entendida como o conjunto de habilidades e conhecimentos de qualquer tipo (científicos, empíricos, intuitivos, escritos, transmitidos oralmente, obtidos experimentalmente por tentativa e erro, conjecturas etc.) utilizados na atuação sobre a Natureza para o atendimento às necessidades humanas (interpretações mais elaboradas encontram-se em (3)). Diz-se que um país possui tecnologia numa área quando ele tem capacidade de criar conhecimentos novos nessa área sem auxílio externo, quando tem capacidade de gerar soluções próprias para seus problemas. Esta capacidade pode ser criada independentemente ou pode ter seu aprendizado orientado por outrem, o qual fornece os conhecimentos correlatos. As soluções provenientes da aplicação da tecnologia são elaboradas em forma de receitas (instruções apropriadas, que servem apenas para a execução do processo, sem possibilitar seu entendimento).

E aí se dá o primeiro grande engodo, qual seja, o esforço deliberado das nações desenvolvidas em caracterizar tecnologia não como a capacidade de inovar (que é uma habilidade), mas como as instruções para a produção (as quais podem ser comercializadas).

Tecnologia, como bem cultural, não pode ser comprada; para ser dominada tem que ser praticada nos laboratórios, estudada nas salas de aula, exercida nas linhas de produção.

Desse modo, a pomposa expressão “compra de tecnologia”, tão empregada para caracterizar a compra de instruções pelas indústrias nacionais, será aqui substituída pela expressão correta “compra de receita”. Outro nome apropriado seria “aluguel de tecnologia”, pois a receita permite o uso da tecnologia, mas não sua posse e compreensão; além disso, qualquer inovação exigiria nova “compra”, acarretando maior dependência (4). A já citada expressão “compra de tecnologia” será por nós simplesmente suprimida, pois induz à errônea idéia de que uma habilidade pode ser vendida. Este abstrato comércio de habilidades, muito conveniente para quem vende, é prática comum, e não passa de um rendoso engodo aplicado pelas nações industrializadas contra as nações subdesenvolvidas. Uma expressão mais apropriada seria “estelionato internacional”.

Essa classificação de “aluguel” em lugar de “compra” não é puramente acadêmica, como poderia parecer aos incautos, mas de extrema importância, pois dela depende a clara compreensão do fenômeno da espoliação dos países pobres no que diz respeito à tecnologia.

Resumindo, ter tecnologia numa área é ter a capacidade de inventar novas receitas nessa área. Queremos frisar ainda que, quando um país domina uma tecnologia, ela passa a fazer parte de seu acervo cultural, sendo praticada explícita ou implicitamente nas escolas, laboratórios e indústrias.



TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

Transferência de tecnologia será aqui entendida como um processo amplo do qual participam o sistema educacional e o sistema produtivo do país receptor, de modo interativo, acarretando inovações tecnológicas úteis para a sociedade. O processo de transferência é bastante complexo, exigindo tantas condições para ocorrer que certos estudiosos do problema preferem afirmar que não é possível transferir tecnologia, o único modo sendo desenvolvê-la por esforço próprio (5).

Nesse texto diremos que há transferência de tecnologia de A para B quando B, por iniciativa e esforço próprios, orientado por A, adquire a habilidade de gerar novas receitas na área, passando assim a dominar a tecnologia em pauta. As condições para que isso ocorra são:

a) A deseja transmitir os conhecimentos necessários, fornecendo dados, manuais, patentes, segredos, cursos, laboratórios, e orienta B no sentido de desenvolver as habilidades, por meio de experiências, testes etc.;

b) B deseja receber os conhecimentos e desenvolver as habilidades, tendo competência na área em questão e nas áreas correlatas (conhecimentos, acervo tecnológico, infra-estrutura educacional).

Em suma, deve haver um perfeito acoplamento entre A (orientador) e B (recipiente tecnológico), o que, infelizmente, é difícil ocorrer (a não ser, algumas vezes, no ambiente universitário).

Os países desenvolvidos, suas multinacionais e certos setores nacionais insistem em usar a expressão “transferência de tecnologia” para o ensino de receitas acabadas, sem que o país receptor incorpore capacidade de inovação. O processo normalmente é o seguinte (6) : a atividade criativa, os conhecimentos, as pesquisas, são monopolizadas pela matriz; as subsidiárias, com assistência da matriz, realizam os trabalhos de execução (de acordo com a receita “transferida”), venda e distribuição dos produtos; as pesquisas e o desenvolvimento nas subsidiárias praticamente não são feitos, por serem antieconômicos, em face da assistência técnica eficiente da matriz; os setores de pesquisa e desenvolvimento das subsidiárias, se existirem, limitam-se a seguir as técnicas estudadas na matriz (a engenharia que aqui se exerce está condicionada pelas diretrizes emanadas da matriz) ; a conseqüência é a eterna dependência tecnológica do país receptor e seu crescente endividamento.

Além disso, essas empresas dispõem de técnicas e processos típicos de países avançados, gerados nas matrizes. Tais técnicas, muitas vezes, são implantadas sem vinculação com as necessidades locais, não são absorvidas e não contribuem em nada para a tecnologia do país receptor. O processo é semelhante quando empresas nacionais, premidas pela concorrência das multinacionais com tecnologia mais avançada, necessitam de técnicas novas e importam receitas prontas, pois não há tempo nem dinheiro para desenvolvê-las aqui. Adiante veremos alguns exemplos.

Para se ter uma idéia sobre o controle férreo que as firmas estrangeiras exercem sobre suas subsidiárias e sobre as nacionais que desejam alugar tecnologia, transcrevemos abaixo algumas cláusulas restritivas comumente encontradas nos contratos de “transferência” celebrados:

a) proibição ou limitação de exportações e vendas dos produtos elaborados em determinados países;

b) proibição de venda, cessão ou divulgação da tecnologia “adquirida”;

c) obrigatoriedade de utilização da marca do cedente;

d) obrigatoriedade de informar o cedente acerca de qualquer melhoria introduzida na tecnologia “comprada”;

e) obrigatoriedade de utilização de matérias-primas, bens intermediários, máquinas e equipamentos fornecidos pelo vendedor;

f) obrigatoriedade de utilização de pessoal do vendedor, permanentemente;

g) pagamento de direitos ao dono da marca por outras marcas não utilizadas;

h) dependendo do tipo de tecnologia, exigência de novo pagamento cada vez que a mesma for aplicada;

i) imposição de assistência técnica remunerada e permanente;



A experiência tem mostrado que não podemos confiar na boa-vontade dos países avançados em transferir tecnologia para os países pobres. Mesmo as tentativas das subsidiárias em desenvolver algo próprio têm sido frustradas (1). Afinal, em primeiro lugar, tecnologia é fundamentalmente uma forma de poder (o que explica que os países em desenvolvimento se submetam aos imperativos das grandes potências e acabem utilizando uma tecnologia sofisticada e desligada das reais necessidades de suas populações (7)); em segundo lugar, o monopólio da tecnologia é a grande garantia que os países avançados têm de que os países subdesenvolvidos suprirão no futuro suas crescentes necessidades de matéria-prima (1), e, finalmente, a posse da tecnologia é o fator de dominação econômico-política das nações pobres pelas ricas, tendo por meta a maximização dos lucros de suas grandes empresas multinacionais.

Portanto, não há outro caminho se não o desenvolvimento próprio, pois a outra opção seria a submissão nacional.

Ter autonomia tecnológica numa área (ou capacitação tecnológica, segundo outros) será aqui entendido como ter capacidade de decisão nessa área, capacidade de criar pelos próprios meios. Povo que não possui capacidade de inovar não tem respeito próprio, não possui dignidade, não tem soberania.



A INVASÃO TECNOLÓGICA

O domínio da tecnologia pelas nações é, há muito, entendido como sinônimo de poderio e respeitabilidade internacionais. Desse modo, a posse de tecnologia tem sido perseguida como um fim pelas diversas nações, e o Brasil não escapou à regra. Porém, em lugar de desenvolver antes um sistema educacional e de pesquisas poderosos, que permitissem um avanço seguro e planejado rumo a uma tecnologia própria (e apropriada), optou-se por um desenvolvimento rápido via importação maciça de empresas multinacionais das mais diversas áreas. E nesse processo ocorreram vários equívocos (e outras tantas intenções): em numerosos setores, empresas nacionais foram substituídas pelas estrangeiras por métodos pouco legítimos, com prejuízos sérios para o País; por meio da publicidade criaram-se necessidades artificiais, e firmas importadas instalaram-se apenas para atendê-las; permitiu-se o domínio total (ou quase) dos mais diversos setores produtivos pelas empresas estrangeiras, fato inédito em países do vulto do Brasil (nenhuma nação respeitável no mundo permite tal dominação (8)).

Apresentamos a seguir um resumo histórico sobre a presença do capital estrangeiro no Brasil, extraído de (9) e (10).

Em 1880 o capital estrangeiro participava no Brasil com um total de US$ 180 milhões, chegando a US$ 2,6 bilhões em 1930 (50% eram capital inglês, 25% americano e 25 % de outros (11)). Este capital não contribuiu nesses 50 anos com nenhum novo produto para exportação, a qual era constituída apenas por produtos primários (café, açúcar e minérios).

A partir de 1930 (intensificando-se em 1946, após o término da Segunda Guerra Mundial), acelerou-se a participação estrangeira e, por volta de 1960 (fim do governo Kubitschek), um terço da indústria era controlado do Exterior.

Em 1955, medidas governamentais favoreceram a implantação de indústrias estrangeiras, permitindo que elas importassem máquinas em condições bem melhores do que as indústrias nacionais; os controles sobre remessas de dinheiro foram praticamente eliminados e o Brasil se tornou o paraíso dos investidores alienígenas, oferecendo crédito fácil, proteção para importar, condições favoráveis para remessa de lucros e infra-estrutura apropriada.

Em 1962 (início do governo Goulart) o investimento estrangeiro foi regulamentado e a remessa de lucros severamente limitada.

Após 1964, a vinda de firmas estrangeiras é incentivada, e até 1970 a participação delas cresce continuamente de importância, controlando, em 1970, 99% da indústria automobilística, 84% da indústria farmacêutica, 76% da de plásticos e 66% da indústria eletrônica (9).



UMA INDÚSTRIA SUBDESENVOLVIDA

Dados da Brazilian-American Chamber of Commerce (News Bulletin 6, number 75, 1976) mostram que 11 grandes empresas multinacionais trouxeram para o Brasil, até 1975, US$ 299 milhões, de 1965 a 1975 enviaram para o exterior US$ 775 milhões e reinvestiram de seus ganhos US$ 693 milhões (valores declarados (9)). Portanto, com US$ 299 milhões de capital, o valor produzido por essas 11 firmas, em 10 anos, somou US$ 1,47 bilhão, ou seja, um valor médio de aproximadamente cinco vezes o capital trazido. Calculando para algumas firmas isoladamente, essa mesma relação (valor produzido nesses 10 anos dividido pelo capital trazido) alcança valores absurdos, tais como 85, 82, 81 e 62 vezes, para as quatro primeiras. Esses dados justificam o título concedido ao Brasil de “paraíso das multinacionais”, mostrando como somos um bom negócio que é de seu interesse preservar.

A área de publicidade, criadora de gostos e hábitos, também foi ocupada por grandes agências multinacionais; só em 1974 despenderam-se em propaganda US$ 911 milhões (1,3% do Produto Nacional Bruto), mais do que os gastos em saúde no ano ! Instituiu-se assim uma imensa produção de inutilidades tornadas indispensáveis por um sistema cuja única finalidade era preencher o vácuo que ele mesmo criara.

Os serviços de saúde também foram ocupados pelas empresas multinacionais e grandes extensões de terra passaram a ser propriedade de firmas estrangeiras. Ainda, segundo (9), em 1979 suas propriedades somavam cerca de 24 milhões de ha, apenas em 7 Estados brasileiros.

Também em 1979, as 707 empresas multinacionais no País empregavam aproximadamente 650 mil trabalhadores, ou seja, apenas 1,6% da força de trabalho da época (cerca de 40 milhões de pessoas (9)), o que, considerando-se a alta participação dessas firmas na economia nacional, em termos de faturamento e lucro, bem demonstra quão pouco elas colaboram na absorção da mão-de-obra brasileira (são firmas de capital intensivo e não de mão-de-obra intensiva).

O País desenvolveu uma indústria subdesenvolvida, no sentido de que toda a criatividade é proveniente das matrizes no Exterior, restando aos nacionais pouco mais que a execução das receitas. Sem nenhuma participação na execução de projetos, pouco se exige, como colaboração, à engenharia nacional em numerosos setores, competindo ao executor brasileiro tão-somente o papel secundário de proceder às rotinas de montagem e efetuar as mudanças ditadas pela matriz do Exterior.

Não é de estranhar, portanto, a dificuldade experimentada por nossos engenheiros, físicos, químicos e outros profissionais, em encontrar empregos onde pudessem exercer sua atividade criativa.

O reflexo disso no ensino é imediato, pois não há incentivo para a pesquisa aplicada, se seus resultados não são absorvidos por uma indústria importadora de pacotes tecnológicos do Exterior. Os poucos projetos desenvolvidos em algumas universidades mais atuantes em inovação tecnológica terminam por ficar retidos nas prateleiras, sem que a indústria nacional possa deles fazer uso, pois não torna os protótipos industrializáveis nem a produção competitiva em qualidade e preço, conclui (10).

A invasão tecnológica sem limites, associada ao domínio dos meios de publicidade, acarretou ainda uma invasão cultural implacável, a tal ponto de hoje o brasileiro se sentir um estranho em sua própria terra (12).



INVASÃO CULTURAL

A invasão cultural e a imposição de hábitos iniciaram-se inofensivamente com filmes, músicas e revistas, assumindo hoje dimensões assustadoras, com a descaracterização da língua falada e escrita, a substituição em muitos casos da própria moeda corrente, a importação maciça de enlatados de TV alheios às nossas realidades e história, a adoção generalizada de padrões externos (ou simplesmente marcas) de roupas, calçados, enfeites, utensílios, cosméticos etc.. Basta notar que nossa sociedade paga “royalties” ao Exterior para consumir refrigerantes, sanduíches e sorvetes (que sabemos fazer melhor), e muitas vezes para ouvir músicas berradas em língua que não entende; e isso para não se falar da proliferação do uso de camisetas e malhas com inscrições que a grande maioria nem desconfia o que possam significar, e das transformações dos indivíduos em propagandistas-ambulantes de marcas e firmas que nada pagam pela promoção feita.



CONSTRUINDO UMA NAÇÃO

Enveredamos portanto por um caminho equivocado, atingindo uma situação já inquietante, mas cuja tendência é agravar-se mais e mais (1). Diversos fatores se conjugaram e estamos tentando emergir de uma crise de rara intensidade, porque múltipla: crise econômico-financeira, crise institucional, crise política, crise social, crise moral, crise de identidade.

Mas a história nos ensina que é nos momentos de crise que se constroem as nações. E temos agora a rara oportunidade de criar a nossa. Pois não a temos ainda, embora disponhamos de todas as condições necessárias (13). No passado, já se perderam oportunidades como essa; não repitamos o erro. O que falta para o Brasil ser uma Nação? Assumirmos a capacidade de tomar decisões sobre os assuntos relativos ao próprio destino. A autodeterminação. Enquanto decisões fundamentais forem tomadas por entidades externas, fora do controle brasileiro, nosso “índice de nacionalidade” permanecerá em baixa. Como foi possível termos deixado a outros, passivamente, decisões sobre nossos níveis de desemprego, de salários, de investimentos etc.? Como entender que uma Nação, algum dia, tenha “pedido perdão” no Exterior por ter ultrapassado metas econômicas inalcançáveis ? (vide notícias a respeito na Folha de São Paulo, em Novembro de 1983).

Realmente, a esta altura o Brasil poderia ser uma grande Nação, não fossem cinco séculos de exploração e dilapidação sistemática por interesses externos e seus representantes internos.

Atualmente está latente um forte sentimento de reação contra esse modelo de desenvolvimento dependente ao qual fomos atrelados com espantosa intensidade. Os que têm restrições à palavra “nacionalismo” podem usar outra para defini-lo; não são os rótulos que contam, mas sim as intenções.

As reações contra a palavra nacionalismo têm raízes antigas pois, como outras tantas idéias, o nacionalismo já foi utilizado no desenrolar da história em diferentes situações, já teve bons e maus usos (1), (14), (15), sendo até confundido por muitos com “patriotismo” (segundo (1), para um patriota se tornar nacionalista ele precisa adquirir consciência política); e o patriotismo, infelizmente, já foi mal utilizado como instrumento nas lutas de poder. Mas que foram as admiráveis lutas anticolonialistas do passado recente se não lutas nacionalistas ?

Um nacionalismo crítico à dependência, suprapartidário e essencialmente democrático, ajusta-se bem ao sentimento acima citado. Como instrumento de autodefesa dos países espoliados é perfeitamente legítimo e representa o instinto de sobrevivência das nações, sendo a resposta ao entreguismo. Se é também em nome do nacionalismo que as nações exercem seu imperialismo sobre as demais (14), paciência. Rejeitemos o nacionalismo imperialista, sem abrir mão do nacionalismo de autodefesa.

Quanto ao necessário caráter democrático, lembremos que hoje os regimes mais autoritários do mundo subdesenvolvido são também os mais entreguistas, e isto seria de se prever, explica (1), concluindo que a luta pela autonomia econômica e política das nações deve-se dar concomitantemente à busca da democratização.

Este sentimento de reação ao entreguismo, que chamaremos de nacionalismo autodefensivo (para deixar bem clara sua intenção), é a força que faz os países (e as pátrias) se tornarem nações. E na ausência dele, qual o limite para a crescente espoliação dos países subdesenvolvidos ?

A falta de lógica em esperar que os países ricos auxiliem os países pobres foi ilustrada por Garret Hardin (9) com a seguinte comparação: um bote salva-vidas em pleno oceano transporta pessoas ricas, com alimentos, roupas, água, equipamentos, enquanto à distância outro bote carrega muito mais pessoas, maltrapilhas, sem alimentos, água etc.. Continuamente pessoas pobres pulam à água, esforçando-se em alcançar o barco dos ricos. Estes têm três opções: acolher todos que se aproximam (pondo em perigo sua sobrevivência), só aceitar a bordo algumas pessoas escolhidas (com qual critério ?), ou não admitir ninguém, mesmo que seja necessário usar a força, preservando o próprio bem-estar e a segurança da viagem. A escolha natural será a última opção: pauladas em quem se aproximar.

A moral é que os povos subdesenvolvidos só contam consigo mesmos para melhorar seu nível de vida; nosso planeta tem recursos limitados, e o mundo rico só manterá seu alto consumo e bem-estar à custa do baixo consumo dos países pobres, ou seja, de seu subdesenvolvimento e contínua dependência.



RESERVA DE MERCADO

O rompimento da dependência e do subdesenvolvimento só será possível se nosso País definir uma vigorosa política de formação de recursos humanos e uma política industrial que promova a criação e o crescimento de setores industriais nacionais e que discipline a operação das firmas alienígenas em nossa terra.

Sem a formação de recursos humanos, não teremos pesquisadores nem para a criação de uma tecnologia própria, nem para atuarem como recipientes tecnológicos nas transferências de tecnologia. Um sistema educacional e de pesquisa eficientes são as bases necessárias à autonomia tecnológica de qualquer país. No Brasil é de se elogiar a atuação da Finep, Fapesp, CNPq, SEI, certas instituições do MEC, e outras entidades, na implantação dessas bases. Do mesmo modo, cumpre registrar o esforço em pesquisa feito pelas empresas estatais, como Petrobrás, Cetesb, Telebrás, Vale do Rio Doce, Embraer, Cesp, Cobra etc. (16).

A definição de uma clara política industrial para o Brasil é complexa e cada vez mais urgente, em virtude da violente desnacionalização de nossa economia. Em certas áreas temos políticas setoriais definidas: esforço bem sucedido tem sido feito na área da indústria aeronáutica, na qual a Embraer tem competido no mercado internacional com projetos nacionais, e na área de informática. Quanto a esta última, dispomos de uma política nacional de informática (implementada pela SEI), com reserva de mercado para firmas nacionais e, não por coincidência, a nascente indústria brasileira de computadores tem apresentado grande crescimento e absorvido engenheiros em atividades criativas. O maior indicador do sucesso alcançado são justamente os insistentes ataques à política adotada feitos por entidades externas, ou nacionais a elas ligadas, interessadas na supressão da nossa indústria. A importância da atuação das firmas nacionais nessa área foi frisada em (2): “Abdicar do controle do complexo da indústria da informação significa, praticamente, neste final do século 20, abdicar da soberania nacional.” Outras áreas que também estão tendo políticas propostas ou implantadas são a da microeletrônica, a da automação industrial e a da instrumentação médica.

A reserva de mercado é o mecanismo pelo qual o governo de um país incentiva a implantação de uma indústria, ou de um setor industrial; em geral a reserva visa desenvolver a indústria nacional, impedir que empresas estrangeiras concorrentes se estabeleçam no país, e dificultar a entrada de produtos industrializados na área a proteger (17).

A reserva de mercado tem sido utilizada pelos mais diversos países (Japão, Estados Unidos, países do mercado Comum Europeu), nas mais diversas formas, para promover o desenvolvimento de suas próprias empresas. É o único modo pelo qual as indústrias dos países subdesenvolvidos podem concorrer com as multinacionais da área, e a única maneira de promover o desenvolvimento tecnológico no caso brasileiro. No Brasil, vários setores industriais no passado obtiveram benefícios quando de sua instalação (por exemplo, as indústrias petroquímica e automobilística).

Defendemos firmemente a proteção à indústria nacional nos setores estratégicos por meio de financiamentos e reservas de mercado, por tempo limitado, a empresas 100% brasileiras. A exigência de as empresas serem 100% nacionais é justificada pelo fato de que não é a quantidade de ações, mas a posse de tecnologia que proporciona o comando de uma empresa. As multinacionais têm controlado as empresas petroquímicas do País, através da tecnologia, às vezes com 5% de participação acionária (8). Lembremos porém que, tão importante quanto a própria proteção, é a constante fiscalização e cobrança dos resultados; a proteção oferecida deve ter por contrapartida o desenvolvimento, pelos beneficiados, de uma capacitação tecnológica na área, sob risco de se transformar num injustificável privilégio, o qual poderá comprometer toda a política que a inspirou.



TECNOLOGIAS IMPRÓPRIAS

Outro fato que não pode ser esquecido é o inevitável choque entre interesses nacionais e empresariais (4). Premidas pela concorrência, interessadas em seus lucros ou na própria sobrevivência, as firmas nacionais naturalmente escolhem o caminho da compra de receitas do Exterior (pacotes tecnológicos), em geral considerando de menor importância os efeitos adversos que tais receitas podem causar no meio ambiente, no mercado de trabalho, no balanço de pagamentos, nos hábitos de consumo, na cultura nacional. Os interesses empresariais imediatistas chocam-se com os nacionais. Para as subsidiárias das multinacionais, a situação é mais agravada ainda, pois as matrizes impõem a utilização de suas receitas, como já vimos.

Isto demonstra novamente quão importante é a definição de uma clara política industrial brasileira que rompa o círculo vicioso em que nos encontramos: não se desenvolve tecnologia porque se compram receitas, e vice-versa.

Como as tecnologias dos países industrializados foram desenvolvidas para atender às suas necessidades, de acordo com seus próprios hábitos e com seus recursos, elas forçosamente acarretam distorções quando aplicadas nos países subdesenvolvidos, como, por exemplo (4):

a) a introdução de tecnologias intensivas em capital (que geram poucos empregos) em países onde a mão-de-obra é barata, abundante e ávida de empregos;

b) a implantação de hábitos de consumo caros ou supérfluos em países pobres;

c) a introdução nesses países de produtos que utilizam matéria-prima não disponível localmente (mas no Exterior), fazendo-os abandonar matérias-primas que possuem em abundância.

A estas distorções acrescentaríamos:

d) o grave problema do grande número de especificações técnicas diferentes, pois cada grupo estrangeiro segue as especificações das matrizes, e as firmas nacionais estão presas às especificações importadas com os pacotes tecnológicos. Isto levou à instalação de um parque produtivo altamente ineficiente pela sua irracionalidade e baixíssima produtividade (18).

Alguns exemplos ilustram essas e outras distorções, entre elas (4), (8), (18):

a) A utilização de materiais sintéticos derivados do petróleo: os países avançados que dispunham de petróleo desenvolveram tais materiais para substituírem produtos naturais que não possuíam em quantidade suficiente; estes sintéticos foram introduzidos nos países pobres, muitos dos quais não dispunham de petróleo, e hoje pagam-se patentes, marcas, assistência técnica, equipamentos, além do próprio petróleo, e os produtos naturais vão sendo abandonados (algodão, couro, borracha etc.).

b) Por volta de 1950 o Brasil já dispunha de uma bem instalada indústria de produção de autopeças, faltando pouco para iniciar a produção de um automóvel quase inteiramente nacional. Com a implantação da indústria automobilística, até hoje não temos carros verdadeiramente nacionais, e a indústria de autopeças brasileira foi quase totalmente desnacionalizada, hoje pagando-se ao Exterior pelo automóvel e também pelas peças (4). O resultado foi a inibição da criação de uma tecnologia nacional no setor, e a dependência externa hoje é vexatória (8).

c) Nossa siderurgia, ao utilizar pacotes tecnológicos importados, optou pela instalação de grandes usinas com uso de carvão mineral (de que não dispomos) em lugar de optar por usinas de pequeno porte utilizando carvão vegetal (18).

d) Nossa indústria petroquímica usa nafta de petróleo como matéria-prima. Em grande parte dos casos, poder-se-ia utilizar o álcool etílico em lugar do petróleo, com investimentos bem menores (18).

e) Os pacotes tecnológicos vindos do Exterior especificam às vezes metais inexistentes no Brasil, pois foram desenvolvidos pelos fornecedores em condições diferentes das nossas. Do mesmo modo, em casos onde poder-se-iam utilizar metais aqui existentes mas lá raros (como o nióbio), eles não são especificados (18).

f) Os países industrializados centraram toda sua estrutura produtiva na utilização do petróleo. O Brasil absorveu os modelos externos e tornou-se dependente de um recurso que não produzia. Hoje, é necessário um grande esforço para a substituição do petróleo por fontes alternativas nacionais.

g) A indústria eletrônica nacional foi desmantelada nos últimos 20 anos pela concorrência predatória das multinacionais, e das montadoras em Manaus de equipamentos importados. Em 1977, 93% do mercado nacional de telecomunicações já estavam nas mãos de empresas estrangeiras (8).

h) A indústria farmacêutica, que até década de 50 tinha grande participação nacional, foi dominada por empresas estrangeiras, encontrando-se hoje perigosamente desnacionalizada.

i) A crescente automação, causadora a curto prazo de desemprego, imposta sem considerar os aspectos sociais do problema. A importação de robôs industriais segue a mesma filosofia (aumento de eficiência, competitividade e lucros).

j) As concessões de incentivos governamentais beneficiando empresas estrangeiras, em casos em que essas concessões foram de discutível conveniência para nosso País.



CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL

Para terminar, queremos lembrar que a questão tecnológica é uma questão política e como tal não pode ser tratada isoladamente, alheia a uma discussão que abranja temas como a estrutura do poder, um projeto nacional de desenvolvimento independente e a democratização das decisões.

Apenas a participação de todos em discussão ampla, democrática, e que conscientize nossa sociedade, poderá propor caminhos que convenham ao País e levem à criação e independência da nação brasileira.

A tecnologia hoje é caracterizada pelo fato de viabilizar o domínio político-econômico, a liderança contínua e a exploração sistemática do planeta e seus recursos, na busca da maximização dos lucros (7).

Enquanto a maioria permanecer alienada, ignorando as reais implicações deste predomínio tecnológico, e enquanto admitirmos a tomada de decisões que alimentam o prosseguimento de tal processo, continuaremos correndo o grave risco de qualquer dia acordarmos em outro país.



REFERÊNCIAS

(1) Leite, Rogério Cerqueira. Quem tem medo do nacionalismo ?

São Paulo, Brasiliense, 1983.

(2) Marques, Ivan da Costa. Computadores: parte de um caso amplo da sobrevivência e da soberania nacional.

Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro (14):4, out/dez 1980.

(3) Mammana, Cláudio Z. A tradução matemática da tecnologia.

Dados e Idéias, Rio de Janeiro (2):3, dez/jan 1976/1977.

(4) Pirró e Longo, Waldimir. Tecnologia e transferência de Tecnologia.

A Defesa Nacional, Rio de Janeiro (65):676, mar/abr 1978.

(5) Abicomp et Alii. Em defesa da tecnologia nacional.

Brasília, 7/10/1983. (Documento).

(6) Teixeira Jr., A. de Souza. Implantação de tecnologia moderna no Brasil.

In: Simpósio de Instrumentação, mar 1978. Anais. São Paulo, 1978. (Publicação Aclesp; n.9)

(7) Diniz, A.J.Almeida. Tecnologia, poder e relações internacionais.

Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília (14):3, mai/jun 1983.

(8) Bautista Vidal, J.W. O vazio da tecnologia; entrevista por Maria M. Rodrigues.

Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília (14):1, jan/fev 1983.

(9) Teixeira Jr., A. de Souza. Pesquisa, inovação e produção.

Informativo Sinaemo/Abimo, São Paulo (5):51, mar 1981.

(10) Teixeira Jr., A. de Souza et Alii. Como anda o ensino de ciências.

São Paulo, Fumbec, 1983. (Trabalho encomendado pela Seplan)

(11) Hewlett, Sylvia A. The Cruel dilemmas of development.

New York, Basic Books, 1979.

(12) Marinho, Luis Carlos de O. Conhecimento tecnológico, fator de dominação.

Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília (13):5, out/nov 1982.

(13) Gomes, Severo. O povo na história.

Discurso pronunciado no Senado Federal, Brasília, 14/4/1983.

(14) Bahia, L.Alberto. Nacionalismo: utopia e ideologia.

Folha de S.Paulo, São Paulo, 19/11/1983, pág.3.

(15) Tragtenberg, Maurício. O nacionalismo como ideologia da desconversa.

Folha de S.Paulo, São Paulo, 19/11/1983, pág.3.

(16) O orçamento para pesquisa, desenvolvimento e engenharia nas empresas estatais.

Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília (13):5, out/nov 1982.

(17) Teixeira Jr., A. de Souza. Reserva de mercado e desenvolvimento.

Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília (12):3, jul/set 1981.

(18) Bautista Vidal, J.W. Pacotes tecnológicos prejudicam o País;

entrevista por Laerte Zigiatti. Folha de S.Paulo, São Paulo, 23/7/1983.



(*Nota: Este artigo foi publicado em 1986; seus dados estão desatualizados, mas os conceitos continuam válidos. Quanto à nossa dependência, temo que tenha aumentado nesse período.)

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