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Contos-->Paraíso Perdido -- 27/04/2018 - 15:32 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos







   

As treliças da janela  deixavam passar feixes de luz, projetando na parede imagens invertidas de transeuntes que passavam na calçada. Em sua imaginação, Ravenala dava destino às pessoas vistas nas imagens: as velhas de filó iam pra Basílica Santa Teresinha; as pessoas mais jovens, pra  Quinta da Boa Vista ou Praça da Bandeira. Todas seguiam de cabeça para baixo até desaparecerem de seu alcance visual.

A menina  se divertia. Mas aquilo eram cenas reais que ela podia ver apenas nos dias ensolarados. Já o quarto secreto. Bem o quarto secreto só podia ser visitado num descuido da avó Corina. 


Arrependera-se de nunca ter levado Emília a conhecer o quarto misterioso. Mas agora era tarde. Estava crescida e não queria mais ser vista com uma boneca.
Abriu a porta, e entrou  sozinha no quarto, e logo, uma porta se abriu, levando-a a  paisagens paradisíacas: praias, rios, montanhas, vales  e campinas. Mas tudo aquilo lhe parecia familiar. Podia jurar que tinha visto aquele cenário antes!... Por fim, viu uma menina, e a menina era ela mesma, debruçada sobre a mesa, escrevendo livros. Sua memória auditiva trouxe-lhe a voz de seu pai, reproduzindo Toquinho: ‘Numa folha qualquer. Eu desenho um sol amarelo. E com cinco ou seis retas. É fácil fazer um castelo...’

Tome --- dissera-lhe o pai --- Este é o túnel do tempo. É só  imaginar e podes antecipar tua festa de debutantes, casar,  ter filhos,  e voltar a ser menina outra vez. Se quiseres, podes contar muitas histórias, e como Serna, terás um livro com mais de cem asas para voar’. 


Relutou. 
Tinha muitos escritos guardados, mas não lhe pareciam coisa de publicar em livro. Eram sonhos, apenas sonhos nos quais se via de vestido longo, maquiada. Bonita, linda, maravilhosa, a valsar com o namorado na festa  de seus quinze anos. Em seguida, via-se sozinha numa ilha. Encontrava um náufrago e caminhava com ele  na orla, deixando pegadas na areia. 

Adiante,  uma montanha se lhe parecia um cenário muitas vezes  visto. E como em alocução interior, ouviu a voz brotava de sua consciência: ‘Não ultrapasse a parede dos  muros abissais.’ 


— Robert! É você? 
— Ravenala!... 
—Como  você chegou aqui, Robert? 
— Sonhei que estava no quarto secreto, e o homem pregado na cruz apontou  uma porta estreita. Entrei. Acho que estamos perdidos numa ilha. 
— Perdidos? Isso aqui, isso aqui é o paraíso! 
— Paraíso perdido, queres dizer.
— Não mais perdido. Nós o encontramos. 
— Olha aquele paredão azulado! Céu bonito, sol crepuscular! 
— Não há parede.  
— Parece neve luminosa. 
— Nebulosa difusa? Estamos no princípio, na criação do universo. 
— Não sinto o calor da explosão. Sinto frio. 
— Somos náufragos. A algidez vem das vestes molhadas. Precisamos aquecê-las.  

Catou gravetos, folhas e algas secas. Fez faísca com o atrito de duas pedras. Mas a faísca não foi suficiente para fazer subir labaredas. 

— Use a lente da máquina fotográfica! 
— Que máquina? 
— O celular. 
— Perdemos no naufrágio. 
— Está em teu bolso.   

Estavam dois metros abaixo de uma abertura de pedras que dava para uma gruta. O acesso parecia inacessível, um paredão liso e escorregadio tão extenso que sumia de vistas.  
— Estamos no purgatório. 
— Talvez não. Quem sabe, no primeiro céu! 

A base úmida, lavada pela maré alta dificultava a combustão dos gravetos e das algas secas que recolheram. 

— Tente outra vez. Faça uma cama com espaçamento para o oxigênio circular. 
— Sim, sim...assim será melhor. 

Levantou-se uma pequena nuvem de fumaça.

— Olhe o trem...
Que trem?
— Repare bem na linha  da orla.  Não estamos só. Há um homem de terno azul com uma pasta de executivo na mão. 
— Não o vejo. 
— Tomou o trem. 
— Cadê o  trem!  
— Já foi. 
— E os trilhos? 
— Não há trilho, nem estação. 
— Então, estamos sonhando. 
— Talvez não! Talvez tenhamos ultrapassado as barreiras dos muros abissais. 
— Como? 
— Viagem astral. 
— Não lido com essas coisas. 
— Talvez estejamos em viagem pelo invisível. 
— Sim. Em  uma ilha linda!
— Deve ser triste não ter o que fazer numa ilha deserta. 

 O náufrago luta para salvar a vida, e quando alcança terra firme, a solidão de uma ilha enche-lhe de tristeza o coração. 
Grita, e seu grito não ultrapassa os vitrais azulados do céu. Sobreviver. Lutar pela vida. Afora isto, nada mais  tem a fazer numa ilha, senão olhar o horizonte. Ter miragens, ver nas espumas flutuantes a borda falsa ou o castelo de um navio; o monstro do lago Ness ou um xaveco pirata. 

— O náufrago morre de  sede olhando a imensidão de água salgada.
— Há sempre água potável em uma ilha.  

O sonho foi interrompido por velhos passos... 

— Acorda, Ravenala. Se não se levantar logo vais perder a primeira aula. 
— Cadê Bob? 
— Que Bob? Ele esteve aqui ontem... 
— Hoje já é ontem? 
— Sempre haverá um ontem, um hoje e um depois. 
— Deve ser triste a vida numa ilha deserta, não vó? 
— De onde você tirou isso, menina? 

  E Ravenala apagou a ideia de encontrar um náufrago. Preferia descobrir uma ilha em que ninguém jamais houvesse habitado, nem mesmo os fenícios. Assim, com caneta e papel, cruzaria os céus nas asas de uma aeronave. Seu pensamento a interrompeu. ‘ E o medo de avião?’ Então, por que não viajar de navio, deixar o cabelo esvoaçar ao vento da proa, e os olhos se encantarem com o sol que se põe atrás das asas de uma gaivota. 

— E, se o navio naufragar.  — ‘Bem, se o navio naufragar, poderei  descobrir uma ilha, uma ilha deserta e batizá-la com o nome  Basileia de Salomão. Gravar meu nome nas paredes de uma gruta e escrever histórias em  livro de pedra. 

Teve medo. Sentiu-se prisioneira da Caverna de Platão. 

— Viste o filme ‘O Náufrago?’
— Vi.
— Ainda assim, queres morar numa ilha?
— Às vezes tenho medo. Mas, não permito que os temores afastem meu espírito dos caminhos que me levam a  desvendar mistérios.
— Mistérios? Cochilaste o tempo todo durante a aula, pensando em mistérios?
— Fala baixo, Bob. Será que a professora percebeu que dormi?
— Não consigo desvendar os mistérios guardados no coração de uma mulher.
— Eu me refiro à professora.
--- A professora...a profesora...
--- Acorda, Bob!


Robert corrige a armação dos óculos que estava em desalinho com o globo ocular. E faz uma pergunta totalmente fora do contexto:

— Já pensaste em ser freira?
— Por que esta pergunta agora?
— Ora, as freiras são consagradas a Deus. E eu não arriscaria concorrer com o Criador.
—  Bob!...
Robert   reconhece que seu discurso  não faz dele um conquistar de mulheres. Ingênuo. E direto  demais.
— Recebi teu  convite de aniversário.
— Claro, entreguei em suas mãos!
— Ih!... Ih!...
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
Imagem: Google.




***




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Enviado por Adalberto Lima em 27/04/2018

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