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A tarde cai.
Apressada, Ravenala refez a maquiagem. Deixa o salão e em poucos minutos ja está na igreja. Faltavam quarenta minutos para o casamento, quando o pai dela pegou o carro no Aterro do Flamengo e se dirigiu em alta velocidade à Basílica Santa Teresinha na Tijuca.
Jeremias tinha pressa de chegar. Entrou em contramão, cortou sinal e foi multado diversas vezes pela vigilância eletrônica. A filha se casaria às 17:00h. E ele precisava chegar a tempo de impedir o casamento dela com Robert. O pai precisava que chegar antes que a noiva jogasse o buquê para trás.
Ravenala não atrasou.
Os convidados esticaram o pescoço na direção da porta de entrada. Finalmente, toca a ‘Marcha nupcial. ’
A noiva caminha sobre o tapete vermelho, levada pelo braço de Erich Daniel.
A grinalda que não pôs era branca e tinha uma rosa vermelha bem no centro. Ravenala queria casar-se de forma simples e, embora não usasse vestido longo, não se podia dizer que estivesse desalinhada. A experiência inusitada, não lhe dava garantia da firmeza de seus propósitos. Tudo parecia um sonho, uma felicidade clandestina.
Naquele momento, as fantasias de jovem ressoavam, trazendo imagens de um passado não muito distante, quando Daniel entrou na loja de informática da Rio Branco, procurando por uma lan house.
A boca contornada pelo batom vermelho da atendente escondia a face da verdadeira dona da loja. Agora, Ravenala vivia seu momento de glamour, e Morgana aguçava o sexto sentido, para decifrar os pensamentos do marido que, conduzia a noiva, a passos lentos, pela interminável nave da Basílica.
Era primeiro de abril do ano de mil novecentos noventa e alguma coisa.
Sobre o tapete vermelho, Daniel andava como quem caminha sem querer chegar. Desolado, entrega Ravenala a Robert, como Abraão entregou Sara ao faraó e sozinho volta, entristecido. Sentou-se ao lado de Morgana. Ela o desprezou. Não lhe sorriu, desejou matá-lo. O ministério de música para de tocar. Frei Gaspar saúda os noivos. A assembleia reduzida fica de pé, faz o sinal da cruz e reza o Ato Penitencial.
O rito prossegue.
— Robert Louis Pastorelli, é de livre e espontânea vontade que aceita Talita Ravenala Palmeira, como sua legítima esposa?
— Sim!
O presidente da celebração pergunta: " Talita Ravenala é de livre e espontânea vontade que aceita Robert Louis Pastorelli como seu legítimo esposo?"
O silêncio da noiva misturou-se com o barulho vindo da porta principal.
Nos fundos da igreja, Jeremias gesticulava, pulava e sacudia desesperadamente os braços. Subia e descia balançando as partes vergonhosas, mal guardadas. Frei Gaspar conjectura: ‘As mulheres seguram os seios quando pulam. Já os homens não se preocupam com seus penduricalhos. Será por que o pai da noiva veio com aquele traje?’
Alguém entregou as alianças ao celebrante, e uma luz brilhou como lampejo: ‘Se alguém souber de algum impedimento, fale agora, ou se cale para sempre!’
Um grito pula no ar como foguete itabirano: ‘Eles são irmãos! Eles são irmãos!...’
Os convidados olharam para trás e viram um homem com roupas de dormir, ainda em pé, mas despencou em fração de segundos. Exausto como o soldado de Maratona, Jeremias tombou. Bateu a cabeça no chão, produzindo um som fofo e indescritível, que ecoou em toda nave da igreja. O sangue escorreu no mosaico. Robert empalideceu. Então, teve uma ideia, um gesto de carinho que antes, não pudera receber nem dar. Retirou o lenço, que enfeitava o fraque, enxugou suavemente o sangue que escorria da sobrancelha de Jeremias, guardou o lenço, e disse para sua alma: ‘Hoje perdi minha noiva e meu pai, ou não! As duas coisas juntas ou nenhuma delas’.
Chorou.
E a tristeza o envolveu com seu manto.
