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Cronicas-->Tem gente que acha que a vida é só festa (reorganizado) -- 02/01/2008 - 13:24 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
E tem gente que acha que a vida é só festa!

Heleida Nobrega Metello, dezembro de 2007



A doença não acompanha calendário algum, tampouco respeita domingos e feriados...

Enquanto os fogos eram preparados cuidadosamente para apresentar o melhor show, as garrafas de champgne gelavam para o estouro da entrada do novo ano, eu encerrava 2007 no Instituto de Coração -Incor - fazendo companhia para uma amiga que compartilha comigo o `day by day` das infinitas tarefas domésticas.

Com somente 37 anos de idade, no dia 13 de dezembro começou a sentir uma forte dor nas costas seguida concomitantemente de vómito e diarréia. Eu acabava de sair do meu turno na Secretaria de Saúde e dirigia-me à clínica de um amigo para cumprimentá-lo pelo aniversário. Ao atender o celular, dei meia volta, no sentido de casa.

Poderia ser uma virose, coluna, pensei... Por sorte não deixei que o espírito de doutora `sabe tudo´, por ter criado três filhos e já visto tantas coisas pela caminhada da vida se apropriasse do meu ser e me impedisse de fazer exatamente o que deveria fazer .

Sua filhinha de seis anos que também reside em casa, olhava a cena com seus lindos e brilhantes olhos redondos sem entender o que acontecia. Após conversar com ela sobre a urgência de levar sua mãe ao pronto-socorro, minha filha incumbiu-se de distraí-la com brinquedos e desenhos.

Quando a coloquei no carro, ela teve uns espasmos de profunda dor. Assustada, com a prudência que a situação exigia, dirigi-me ao pronto-socorro da Lapa, o mais próximo de casa.

O primeiro `round´ da via-sacra durou 6 horas e meia. Após atendimento médico, ela permaneceu numa cadeira de rodas munida de soro, enquanto aguardava eletrocardiograma, exame de sangue, urina, raio-X, pressão, etc... Apesar da precariedade do local, fiquei surpresa pela atenção e competência dos médicos e técnicos, com raríssimas exceções.

Não posso dizer que tenha sido fácil permanecer ali, levando Edileuza para cá e para lá, pois não existe pessoal para fazer isso, além do que, as rodas da cadeira nunca iam para a direção que deveriam ir. Contudo, apesar da dificuldade de carregar minhas coisas e as dela, segurar no alto a bolsa de soro, etc, a sensação de estar perto e ser útil em meio a tanta dor, fez-me lembrar da frase um amigo: "tomara que tudo de bom aconteça e o que vier de mal seja mero contraste."

Nessa expectativa alucinante, na pequena sala de espera, sem nenhum conforto, nem para ela, tampouco para mim, é óbvio, um bêbado ou drogado adentra fazendo balbúrdia, assustando até os meio desacordados. Prontamente, a enfermeira, pega uma de suas veias do braço e lhe coloca o soro. Após pequeno intervalo, ele arranca tudo, fazendo o sangue jorrar pelo braço, cadeira e chão...

Um policial que acompanhava a esposa com risco de perder o filho anunciou-se com aquela autoridade policialesca, ameaçando-o veementemente, o que fez com que o indivíduo sossegasse por um período.

Enquanto isso entra uma maca carregada por anjos do asfalto com um jovem de nariz quebrado. Fica, não fica... não ficou, pois ali não tinha o cirurgião que o caso necessitava. Nervoso, o cara arranca suas amarras e levanta. Segura, não segura... deixa ele descer, não deixa... ele se aquieta diante de um novo encaminhamento e a equipe parte deixando novamente um estranho silêncio.

Novo soro estava sendo colocado no indivíduo indisciplinado. O que também não durou um minuto. Tudo arrancado novamente, com violência, sujando o local. Em seguida, deram-lhe uma injeção e levaram-no para uma pequena sala e deixaram-no olhando para a parede, onde permaneceu até a hora em que eu saí. Ao menos estava `apagado´, apesar da urina esparramada pelo chão.

Enquanto aguardávamos os resultados dos exames para nova consulta, adentra o marido de uma moça que estava em observação e aos berros, dando murros violentos na porta e parede ameaçava o `doutor´. Nesse momento acreditei que pudesse presenciar tiros. Sonolenta, Edileuza pensou o mesmo. Por Deus o médico conseguiu acalmá-lo e o ambiente se harmonizou.

Finalmente, de posse dos exames, após seis horas e meia, o médico voltou a vê-la, conversou calmamente com ela, dizendo-lhe que iria ficar na Emergência, enquanto procuravam vaga disponível em alguma UTI, o que não era tão simples, anunciou.

Na sala ao lado, confirmou o enfarto e falou do alto risco, principalmente, por ter apenas 37 anos. Estremeci. Ela poderia ter morrido em casa, na frente da filha, pensei.

Deixei-a já monitorada, em companhia de quatro médicos e enfermeiros. Minha cabeça estava um turbilhão. No dia seguinte fiz alguns contatos para conseguir a internação em UTI. Infelizmente, não havia vaga no Incor. Perto da hora do almoço, eu estava no Pronto Socorro para ir com ela na ambulància. Um médico a acompanhou. Chegando no Hospital, foi encaminhada para a UTI, onde permaneceu 12 dias, observando muitos casos que entravam e acabavam falecendo. O que é pior, assistindo cenas de pouco caso e atitudes absolutamente inadequadas por parte de alguns médicos e enfermeiras (os) do turno da noite. Festa após festa... Pela graça de Deus, passou o natal na enfermaria, onde permaneceu por alguns dias, muito bem assistida, apesar da simplicidade do local. Nem na enfermaria era permitido receber a visita da filha que tem seis anos, uma vez que a regra estabelecida é a partir de 13 anos.

Final de ano no trabalho, situações a serem definidas, casos a serem encaminhados, óbito de uma prima querida que lutava contra um càncer há alguns anos, óbito de mãe de amiga, velório e enterro em cemitério distante, natal confirmado em casa para 25 pessoas, o que não quis desistir, uma vez que não tenho nenhuma garantia que estarei aqui para ver as luzinhas brilhando em 2008.

Assim foi, respirei fundo e na sexta-feira que precedia o natal saí em busca de alguns presentes para as crianças e no sábado, corri atrás de flores. Desta vez não seriam brancas como as que havia utilizado no dia 8 de dezembro, por ocasião do casamento de meu filho, uma reunião restrita, mas perfeita, que aconteceu em casa. Ainda respiro o perfume das rosas iluminadas pelas velas....

Desta vez seriam flores vermelhas e folhagens verdes. As luzinhas na lareira, o toque principal. A noite estava linda e pudemos manter a reunião sob o céu estrelado até a despedida do último familiar.

Sobrevivi e Edileuza também. Teve alta três dias após o natal, com indicação de repouso em casa. Contudo, percebi seu desànimo a cada dia. Ontem, dia 30, referiu uma pequena dor nas costas.

Providenciamos que a filha fosse para a casa de uma amiga dela passar uns dias, para que pudéssemos ir ao Pronto Socorro.

Levei-a direto ao Incor, onde permanecemos por oito horas. Seus exames estavam alterados, e a equipe médica não a deixou retornar, reafirmando novamente que seu caso era considerado de alto risco.

Fiz um caminho solitário de volta para casa, acompanhada tão somente das imagens das crianças, dos velhos, dos de meia-idade que enchiam a sala de espera e as macas onde eram cuidados inicialmente ou aguardavam resultados de exames para definição.

Médicos jovens supervisionados por um chefe, todos de lá para cá, num movimento interminável até a troca do turno, quando tudo começava de novo. Todos sendo atendidos de forma idêntica pelo SUS, em pleno domingo, véspera de feriado prolongado. Senti orgulho da equipe do vai-e-vem, muito orgulho!

Hoje, véspera de ano-novo, retornei para a visita. O pronto-socorro pedia socorro, tal a quantidade de gente monitorada nas macas e um bom número aguardando atendimento. Uma loucura!

Vi Edileuza enquanto os médicos se aproximaram e informaram que os exames necessários como cateterismo, ecocardiograma e outros que a situação dela exigia, começariam a ser realizados logo após o feriado. Contudo, ela permaneceria monitorada.

Retornei novamente só, trazendo nas costas um tanto dos olhares inquietos que cruzei na visita. Olhares agressivos, olhares tímidos, olhares inexpressivos, olhares bondosos, olhares assustados... Todos, absolutamente todos, deixavam transparecer cansaço, assim como, o receio de uma despedida abrupta da vida.

Termino aqui 2007 agradecendo pelas coisas boas e pelas não tão boas, justamente as que me permitiram apreciar os tais contrastes que a vida nos apresenta quando menos esperamos.

Enquanto permaneço neste meu plantão, de olhos bem abertos, aproveito para elevar meus pensamentos e pedir proteção para todos àqueles que se encontram em aflição física ou espiritual.

E tem gente que acha que a vida é só festa!

Muita paz para todos!

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