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Contos-->III Ilha do Amor -- 08/05/2018 - 23:20 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
 
 
A lista de convidados dos Castro compunha um rol de amizades rotas: pessoas que preferiam não mostrar o rosto ao lado de Martiniano viram-se obrigadas a cumprir um compromisso social para que, no futuro, não lhes faltasse dinheiro nas meias e na cueca. E, embora procurassem evitar fotos que revelassem fatos, autoridades civis, militares e eclesiásticas, marcaram presença na festa de casamento da filha do bicheiro. 
 
O casamento tinha sido um fiasco. Daniel estava bêbedo, e sequer pôde  desabotoar o vestido da noiva.  Casamento forjado: o pai de Daniel queria um neto sequestrável. 
 
Morgana  estivera no limbo à procura da tão sonhada felicidade. Mas no limbo a felicidade não estava. Elevou-se então,  até às  nuvens, navegando sem parar em seus projetos audaciosos de se tornar rica como o pai. Lá, ela viu o vento, com medo, esconder-se da chuva. E na curva da vida, a chuva retrocede temendo a tempestade. Aquele  inferno não era seu.
 
— Quero anular nosso matrimônio, disse ela.
— Estás louca! E nossos filhos? Vai dizer que são filhos do adultério?
— Não temos filhos, Daniel. E se os tivéssemos não seriam filhos do adultério, porque quando me casei, o fiz de boa fé e consentimento. Só não sabia que...
— Podemos adotar um. Quem sabe a adoção possa estimular...
—  Como? Se nunca tivemos sequer os ensaios preliminares à  concepção? Compreendes?
— Impossível penetrar o misterioso labirinto do coração de uma mulher. Casaste comigo pensando em outro. Sequer conseguimos ser amigos... 
— Amigos são estrelas, se a amizade sobrevive ao tempo, às intemperes naturais e ventos contrários; ou cometas que passam e só são lembrados em registros que anotam a dada de sua passagem. Temos apenas o registro de nosso casamento, mas não somos casados. Não vivemos a cumplicidade dos casais.
 
 Mergulhada em profunda tristeza, a alma de Morgana busca ajuda na Igreja.
 
—  Quero  anular meu casamento?
 
O frei puxou do meio de outros livros a obra do padre Jesús Hortal, e entregou a Morgana.
 
— Leve para casa este livro. Leia e me procure depois, se achar que deve entrar com o processo no Tribunal Eclesiástico.  A Igreja não anula sacramentos válidos.  Há, no entanto casamentos que nunca existiram. Quer por impedimento, falha de consentimento ou falta de forma canônica. A estes a Igreja declara nulos. Anular o matrimônio é impossível. Declarar Nulo é outra coisa. 
 
Frei Gaspar olhou por cima dos óculos.
 
—Doze meses e o ato não foi consumado? 
—Não! Não foi!
 
E naquela mesma semana, Morgana  protocolou petição  no Tribunal Eclesiástico. O processo galgou a celeridade dos tempos modernos, de modo que, decorrido o tempo necessário para os trâmites legas, o Defensor do Vínculo deu seu parecer: “ nada tenho  a alegar contra a nulidade.”  Já em casa, Morgana  leu repetidas vezes a declaração fornecida pela Igreja. E sua vida tomou  nova direção. Olhou a replica das ninfeias, e logo percebeu que era falsa, de baixa qualidade e alcançaria pouco valor de mercado. Aquela obra jamais passara pelas mãos de Monet. Pensou despedaçá-la, mas a voz do inconsciente despertou: “qualquer dinheiro a mais que entrar no caixa ajudará nas despesas da viagem.”  Ela vendeu também o piano  de cauda. Aceitou a primeira oferta de uma quantia irrisório, suficiente apenas para pagar a passagem de ônibus até São Luís do Maranhão.
 
A ideia de sair do Rio de Janeiro vingou. Tomou vulto, principalmente, depois da morte de seus pais e de sua posse da Declaração de nulidade.  
Foi. 
 Morgana viajou durante dois dias e pedaço de hora. Até que finalmente, a  proximidade com mata atlântica trouxe-lhe recordações da Cidade Maravilhosa. Já não tanto maravilhosa quanto nos tempos de  infância e juventude: os passeios na Quinta da Boa Vista, praia de Ipanema, Copacabana...  Ela sentiu saudade das aulas do Marista, do  Liceu de Artes e de muitas artes e travessuras que fizera quando criança: folguedos, jogos, brincadeiras no pátio da escola... O campeonato. O gol de Sivory no campeonato marista  e susto do goleiro: “Nem vi a bola.”
 
Sentia-se só. 
O coração carregado de tristeza, medos e pesadelos, ousava oferecer-lhe novo alento: Vida nova, tudo novo, muito novo... O coletivo  seguia  devagar, como se quisesse prestar continência à floresta amazônica. 
 
No céu, nuvens dispersas, uma aqui outra ali. Pouco azul e muita brancura. Clarão. Sinal de que novo dia se levanta.
 
Tudo   muito estranho. Desconhecido. Naquela multidão  de passageiros, só conhecia  a ela mesma. Saudade
 
  daquela menina, quando, ainda criança. Pulando  amarelinha que  lhe desfazia as tranças...
 
 Sorriu ao reviver as cenas  do momento em que  Robert lhe entregara o poemeto. Ela, musa inspiradora!... 
 
 Olhou novamente através da janela. Viu passar palmeiras, perfiladas como soldado, em ordem de batalha, batalha perdida da mata nativa de babaçual, contra a força poderosa do homem da moto-cerra. Fim dos tempos... destruição da Terra.
 
O ônibus seguia  rumo da estação rodoviária. Agora,  em vez de palmeiras margeando os lados direito e esquerdo da estrada, desfilam casas antigas e saúdam,   sonolentas, os passageiros.
 
Finalmente, a Ilha do Amor é avistada. 
 
Oh! que  lindo horizonte, planícies e  montes. Que maravilha! 
 
E assim que guardou a bagagem no hotel, vestiu-se de praiana. Soltou os cabelos, calçou os chinelos e jogou sobre os ombros uma tanga. 
 
Soprava suave o vento na Praia da Ponta. Ondas amenas e um sol carinhoso tocavam, delicadamente, a pele salpicada de sardas. Não tarda a onda, mansa e fresca,  vem beijar os  pés das morenas, ruivas e  loiras.  Mancebos de short e regata voam em suas pranchas na superfície das águas. A ilha parece sorrir nos azuis lenções do mar. Morgana se põe a comtemplar o  céu rendado de nuvens,  que chegam e se vão, carregadas de algodão e nenhum pingo de chuva.  Sorrindo a onda quebra branda, no limite que o Criador impôs aos mares. Chega. Depois  recua. Deixa quase nua a banhista displicente. De repente, a onda  desfaz,  as longas tranças da loira. E se vai.
 — Morgana!
— Bob!...
— Há quanto tempo não ouço alguém me chamar por este apelido!
— Incomoda-se?
— Não, de maneira alguma! Gosto muito, faz-me lembrar do Rio de Janeiro, principalmente, os tempos de colegial no Marista.
Abraçaram-se cordialmente e o beijo que se dão os cavalheiros e as damas saiu sem  prumo e escorregou no canto da boca de Morgana.  Ela ficou vermelha. E tremeu. E sorriu. Passado o primeiro impulso, Bob disse acanhadamente: “Acidentes acontecem.”
 
O resto foi sol e mar; praia,  pés na areia, areia entre os dedos... Robert   enfiava os pés na areia, Morgana também. Protegidos por grossa camada de fina areia, os pés se encontravam,  sem serem vistos. 
 
***
Trecho de "Estrela que o vento soprou."

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 Arco do cupido


Seres humanos passando por experiências espirituais.
 
 

 
 

 
 
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 08/05/2018
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