A TRIBO FU
"As luvas de seda dos usineiros são costuradas com as misérias dos cortadores de cana."
Fernando Zocca
Capítulo I
O doutor Andrews Brócolis do Condom, como advogado militante em Tupinambica das Linhas, ganhava menos do que a metade do custo mensal, daquele curso de direito que fizera na UNIMERD, alguns anos antes.
Por isso, ele reforçava o orçamento familiar, dando aulas numa auto-escola, cujo proprietário era amicíssimo do seu pai.
Andrews participara ativamente da campanha que elegeu Jarbas (o caquético-testudo) ao cargo de prefeito da cidade.
O doutor Brócolis, ou verdura, como era conhecido nas repartições por ele freqüentadas, zelava tanto por seu status, que se indignava quando alguém, em tom de brincadeira, dizia ser ele imprestável até mesmo para representar o mais humilde condomínio, nas atribuições de síndico.
Num dos serões duma quarta-feira, lá na auto-escola MOLDE, surgiu de inopino o alcaide também conhecido como "aeroporto de fincudos".
Ele botou aquela sua fachada ornada pela barba rala, no vão da porta entreaberta e disse, num tom de namorado empolgado, com a mocinha recém-conquistada: "Oi Brócolis! Está tudo bem com você?"
Brócolis digitava uma carta, que há muito fora incumbido de laborar, por um dos clientes da MOLDE. O verdura interrompeu a maquinação e voltou-se para trás, movendo a cadeira giratória.
Os dois seres olharam-se com ternura. Jarbas, tomando a iniciativa disse: "Coisa, você precisa me salvar! Quero que invente um jeito, uma fórmula ou mandinga qualquer, que possibilite minha reeleição, como síndico do edifício Araguari, onde moro. Você sabe qual é."
O doutor verdura franziu o cenho e, olhando por cima das lentes dos seus óculos de aro preto resmungou: "Você sabe muito bem doidivanas, (diogo dos infernos!) que o regulamento do condomínio não admite a reeleição do síndico!"
Jarbas encrespou os dedos e contendo a ira rosnou: "Vire-se coisa! Eu quero que faça algo. Mude o regulamento!"
Dando por encerrada a reunião Jarbas, o caquético-testudo, aeroporto de fincão, prefeito da maior cidade do interior do Estado de S. Tupinambos, se levantou e saiu pisando firme.
Ao doutor Brócolis não restou nada mais do que comentar, à saída do prefeito: "Hum...vejam como está o dengoso!"
Nas semanas seguintes, Andrews contatou, a princípio por telefone, um a um, todos os condôminos do edifício Araguari. Tentava convence-los de que na próxima reunião, deveriam aprovar pelo voto, para o bem de todos e felicidade geral, uma emenda aos estatutos condominiais, que possibilitava a reeleição do síndico.
Aos recalcitrantes Brócolis insinuava que a aprovação seria recompensada com dúzias e dúzias de cerveja da boa.
Os condôminos, por não terem certeza de nada, e por sentirem algo nebuloso, nas intenções daquele doutor legume, se encafifaram diante da própria impotência.
Foi quando então, num verdadeiro golpe de mestre, o doutor hortaliça, além da cerveja farta, ofertou também carne de primeira, para churrascos memoráveis, durante noventa dias.
É claro que as vantagens seriam usufruídas na chácara de propriedade da auto-escola MOLDE, uma das pioneiras de Tupinambica das Linhas. As emendas ao estatuto foram aprovadas e Jarbas reeleito.
E assim, enganando todo mundo, naquele seu trajeto arrivista, Andrews Brócolis do Condom ascendia na escala social da provinciana e pobre Tupinambica das Linhas.
Capítulo II
Jarbas era considerado um valente pelos demais integrantes do seu partido. Em agradecimento, pelos sentimentos amistosos, e até mesmo em decorrência dos compromissos assumidos na campanha que o elegeu, ele agraciou todos os participantes da diretoria do partido/quadrilha, com cargos nas secretarias municipais.
Ocorre que o testudo vinha enfrentando oposição ferrenha, na câmara municipal de Tupinambica das Linhas. Um grupo de vereadores antagônicos, teimava em não aprovar nenhum projeto dele ou do seu partido.
O prefeito resolveu convocar o doutor Brócolis, a quem confiaria a missão de demover os chatos, dos intentos próprios de espíritos-de-porco.
Brócolis foi constituído e, usando então as mesmas artimanhas, com algumas variantes, praticadas contra os condôminos do edifício Araguari, tentaria arregimentar os contranitentes.
Sua missão seria agregar, ao partido do Jarbas, a maior quantidade de vereadores oposicionistas, mediante o pagamento de R$30.000,00 a cada um.
Acontece, que um baixinho encardido conhecido como Capetão Goma, resolveu endurecer o jogo contra aquele prefeito enxerido.
Na campanha eleitoral que o levou a ocupar o cargo tão perseguido, o Capetão reformulado, bateu-se em defesa dos pulmões Tupinambiquences.
Ele queria acabar com aquela folia secular dos usineiros, consistente em botar fogo na cana, para facilitar a colheita.
Conforme pode muito bem deduzir meu mui inteligente leitor, o projeto do Capetão Goma lograria fracasso, logo no início do seu mandato.
Tal fato seria facilmente comprovado pelas enormes chuvas de carvão de palha, que seus eleitores frustrados, continuariam suportando, durante os meses da coleta.
Ora, um Capetão contrariado é dureza! Por isso, ao ouvir a proposta do Brócolis, o rijeza não titubeou: botou a boca no trombone denunciando as tretas do Jarbas e seu partido.
Foi o maior sururu. Ao que se sabe, a lenha ainda crepita.
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