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cronicas-->OPERAÇÃO PRESUNTO -- 30/01/2001 - 20:00 (Rubens Luiz Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Chovia. Plantão por terminar, Sylvio fitava o relógio como se quisesse adiantar o passo dos ponteiros com os olhos. Depois de 24 horas pilotando a velha ambulància, rezava para que não surgisse nenhum chamado antes da hora de sair. Os cultores da força do pensamento afirmam que o que mais tememos quase sempre acontece. E foi nisso que Sylvio pensou ao ver aproximar-se Isaura, a enfermeira, brandindo um formulário nas mãos:

Horário da chamada= 45 minutos antes (estavam atrasados e, nesse trabalho, os atrasos quase sempre são fatais). Destino= uma biboca bem no meio da Favela Funerária.

Isaura atentou para o horário; Sylvio reclamou da telefonista enquanto subiam na viatura. Sirene ligada, 120 no pé, aportaram à beira da favela em pouco mais de 10 minutos.

Uma comissão de rostos mal encarados os aguardavam. Todos reclamando do atraso, empunhando gestos obscenos e derramando palavrões, enquanto Sylvio tentava driblar a lama e os buracos que a tempestade transformara em pequenos lagos.

Chegaram ao barraco. Na porta, quatro crioulos armados até as cremalheiras. (Concluíram que, para azar dos azares, o doente era cachorro grande naquela comunidade). Um deles, o mais alto e que tinha uma cicatriz que lhe pendia da testa e descia até onde a camisa deixava à mostra, disse que eles haviam chegado tarde demais e que "isso não iria ficar barato, não".

Sylvio correu até o doente e viu que, realmente, de tão morto, o corpo já estava até enrijecendo. Percebeu a enrascada em que se metera, e teve a idéia salvadora ("a necessidade é a mãe da invenção"). Piscou para a Isaura, aplicou uma série de murros no peito do cadáver e carregou-o para a ambulància, pedindo pressa e abrindo caminho aos gritos:
- Me deixem passar! O homem está vivo! Vamos levá-lo para o hospital! Saiam já da frente! Saiam daí!!!

E partiu à toda, zunindo, com os pneus espalhando barro pra todo lado, devidamente seguido pelos quatro negrões em um carro e por mais alguns em outros veículos, numa verdadeira avant- premiére do cortejo fúnebre.

(Precisava pensar rápido. O pessoal não estava pra brincadeira.)

Invadiu, literalmente, o hospital com a ambulància (quase atropelou a recepcionista). Desceu, correu até o médico e explicou-lhe, rapidamente, a história toda. O velho doutor, também calejado naqueles enguiços, fez colocarem o corpo em uma maca, injetou a ampola de soro no braço - que, em vez do negro original, apresentava um tom meio azulado - e voou para o centro cirúrgico. Iria operá-lo com direito até a anestesista. Assim pensou e assim o fez. Abriu e fechou o tórax do presunto. Ficou duas horas na sala. Depois, encaminhou o "convalescente" para a UTI.

Respirou fundo. Lembrou de algumas cenas que vira, anos antes, no "Dr. Kildare". Saiu da sala de cirurgia, fazendo tipo (com ar extenuado, enxugava o suor com as costas das mãos enluvadas e tingidas de sangue...) e, pondo os braços sobre os ombros de Sylvio e Isaura, disse aos já mais de vinte acompanhantes do paciente:

_ Fizemos tudo o que foi possível. Ele só chegou vivo ao hospital graças à competência e à perícia do motorista da ambulància e da enfermeira. O caso é muito grave; todas as suas veias estão entupidas há séculos e ele sofre de pressão estratosférica desde criancinha. Agora, ele está na UTI, recebendo todos os cuidados necessários. É muito difícil que sobreviva, mas, se isso acontecer, ele vai ficar devendo a graça a estes dois excelentes e bravos profissionais.

Três horas depois, o defunto faleceu pela segunda vez...

Mas, na favela, até hoje, Sylvio e Isaura são lembrados como gente de responsa.
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