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cronicas-->O dedo errado -- 01/02/2008 - 16:35 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O horário de almoço transforma o centro da cidade num ensaio de inferno mecànico 1.0. A pressa é a desculpa de todos para cometer pequenos delitos. Chegar em casa. Para atingir esse objetivo há quem cruze sinais vermelhos, há quem ultrapasse pela direita e há, esses que atravancam meu caminho!, quem pare em fila dupla. Principalmente em frentes de colégios. Já estamos acostumados com isso mais do que deveríamos. Fazer o quê? A vida segue, a fila se desfaz e o salário não muda.
Ontem, mesmo com a capa de indiferença que me mantém um pouco mais íntegro em meio ao caos, fui abatido por uma dedada. A rua era uma dessas de paralelepípedo encapada com piche, uma viela que foi promovida para se adaptar ao século XXI, mas que conserva a estreiteza da época dos bandeirantes e mais aperto por conta dos carros que descansam em vagas proibidas apesar das placas que deveriam impedi-los, mas que não passam de decoração urbana. A fila esperava o sinal abrir, eu nela e bem próximo à esquina. Como qualquer motorista, em vez de olhar para o semáforo à frente, mantinha os olhos na luz verde que liberava o trànsito na transversal, usando a força da mente para acender o amarelo.
A liberação da luz verde colocou pneus em giro, mas a marcha dos desesperados para almoçar foi interrompida por um carro prata, nem novo e nem velho, nem luxo e nem popular, que parou, ainda sobre a faixa de pedestres, e me obrigou a frear e o ónibus atrás de mim e o Monza e a Saveiro e o Mercedes e deus-e-todo-mundo. Era uma mãe que parava "é rapidinho!" para pegar filho, mochilas e moletons que logo chegaram afobados. Até aí, a paciência ainda era mantida por mim e por todos os prejudicados com a folga da senhora. Aproveitei para sorrir para a menina que me encarava do banco de trás do carro prata, provavelmente a irmã caçula do adolescente que insistia em não conseguir fechar a porta. Ela retribuiu o sorriso e logo virou para frente para acompanhar a bronca que a mãe dava no irmão que ainda não conseguira travar a porta. Havia uma manga de uniforme para fora e a porta batia e voltava. O suficiente para...
Buzinaço geral. Rapidinho é o cace... Tenha dó minha senhora. Uma coisa é fechar o cruzamento, parar sobre a faixa, impedir que nossas vidas continuem por alguns segundos. Outra é abusar do saco alheio. E nada de o menino coordenar os membros jovens e puxar a blusa para dentro do carro. Nada de o carro seguir o rumo. A menina olhando para mim. A mulher ralhando com o moleque. As buzinas que não paravam. Meu almoço esfriando na mesa. Até que o carro saiu com todas as malhas recolhidas. Saiu e morreu com o desespero da aceleração brusca. A minhoca de lata que se estendia até o fim do quarteirão freou brusco após tímida aceleração. Claro que...
Buzinaço à quarta. Dedo médio da mulher em riste naquele gesto que é ofensa grave para uma massa esfomeada. Tudo rotineiro para a urbanidade do tráfego. Ordinário o gestual, mas foi essa a dedada que me acertou, não por me ofender em especial, mas por ter essa mãe mostrado que de mãe ela nada tem. Sei que ela vai dizer que a vida é cheia de problemas, que ela não acha nem tempo nem espaço para levar desaforo para casa. Tudo isso pode ser verdade. Só não estou em fase de passar a mão na cabeça, pegar no colo gente inconsequente. Estou com pressa e com fome e com calor. E também não gosto de ver minha visão romàntica de família ser perfurada por um dedo comprido.
A dedada me acertou porque acertou a menina bonitinha do banco de trás. Três ou quatro aninhos. Do sorriso, a pequena fechou a cara, foi de anjo a demónio de filme tailandês em segundos e parodiou a mãe, endurecendo o pai-de-todos. Aquele dedinho gordo e delicado estava apontado para mim. A mãe com o dedo ao vento e a menina com dedo infantil que imita fácil esfregando raiva no vidro sujo. Será que ela sabia o que aquele gesto significava? Se sabia, é triste. Se não sabia, é triste igual. Tão linda a menina... aquele dedinho que eu até agora acho que era um dedinho inocente... aquele dedinho me derrubou ainda mais.
Não consegui alcançar o carro prata para dizer àquela mulher que ela não serve para ser mãe. Não há desculpas para pais que trocam o dedo indicador pelo dedo médio exibido com orgulho depravado. O fura-bolo é o dedo que indica ao filho o caminho de uma vida plena. O dedo errado é aquele que oferece à menina do banco de trás uma vida que está resumida no próprio gesto da mãe: uma vida fo... vida com vários efes até chegar ao efe do fim. Pena que tudo passa, as filas andam, meu salário é o mesmo e eu não consegui dizer tudo isso para a mulher do carro prata. Pena. Aquele dedinho me derrubou muito.
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