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Contos-->Amor selvagem -- 20/12/2018 - 13:41 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 O sol despontava lentamente, trazendo o lusco-fusco da primeira aurora. Teimoso, Adilson Júnior apeou abismado com as cores da aurora despertada. Onofre desceu da montaria. Graudez não latiu. Abanava o rabo e lambia os pés do dono. Xibungo ladrava, desesperadamente, outros cães  respondiam longe. Onofre largou a cravina no chão. Amarrou uma lanterna na copa do chapéu de couro, prendeu na boca um punhal; e em volta da cintura atou uma corda de laçar boi. Júnior manobrou a carabina de dez tiros e fez mira para disparar num vulto entre os galhos de pau-preto.

—Não atire!  O latido não acusa onça.
Vaqueiro Onofre subiu na árvore e no emaranhado da copa deparou-se com uma figura simiesca, semelhante a um macaco albino. O bicho grunhia como os espíritos que rondam a noite na selva. O vaqueiro aproximou-se, jogou lanço certeiro. Prendeu o animal com a grossa corda e puxou devagar. Aos poucos foi dominando a fera, e já no chão, por um descuido do vaqueiro, a selvagem mordeu a  panturrilha dele.  O ferimento doía, mas Onofre não compreendeu como algum tipo de dor também pode causar prazer. E em sua mente, desfilaram cenas de um amor selvagem.
Masoquismo, diria João Velho, o vaqueiro letrado.
— Quer que eu faça um unguento de folha verde, perguntou ele.
— Onde você vai encontrar chanana  por aqui?
— Qualquer folha verde serve.
— Nem não.
A índia olhou meio de soslaio, para Onofre como se dissesse: “Você tem razão.” E em seguida, desmaiou.
—Esse bicho fede muito, seu Onofre!
—O bicho cheira a caça do mato, respondeu. E uniu as mãos em concha, soprou entre os polegares e o borá quebrou o silêncio da mata, percorrendo um quarto de légua. Alguns caçadores responderam com um assobio fino: Fííííu... fííííu... João Velho mostrava ânimo, mas não chegou a tempo de dar os  primeiros nós. Pururuca perdeu a arma e a vareta de açoitar cavalo. Os outros vaqueiros traziam seu quinhão de medo, ofuscado na lanterna acesa, pois a madrugada já tomava vestes de noiva, alvorecendo, devagar no canto da passarada. Caburé soltou canto assombroso, apregoando morte. Raposa apareceu no lugar da caça, é mau sinal.
— Alguém viu José Lino? Quis saber Onofre.
Ninguém deu notícia do vaqueiro José Lino. Pururuca também não sabia. Perdera os mantimentos, a arma e o contato com o companheiro. Os vaqueiros tiveram o cuidado de esperar durante dois quartos de hora, assobiaram, cruzaram focos de lanterna no céu, tudo sem valia. Fizeram o que podiam. E nada de José Lino aparecer ou dar ares de vida. 
Depois de quase uma hora de repouso, a índia recobrou as forças e puxada por uma corda seguia a marcha dos cavaleiros. 
 
Espiados por tímidos raios de sol, os vaqueiros pegaram o caminho de volta para casa. Conversando alto. 
— O patrão prometeu dar uma bezerra a cada caçador de onça...
— Mesmo sem onça?
— A índia deve ser a onça que comia bezerros na fazenda.
— Quem fez a captura foi Onofre. Ele ganha a recompensa sozinho. Os outros não! 
—Tanto faz ter chegado, na primeira hora, como na derradeira, a graça do santo para quem acompanhou a procissão é a mesma.
— Eia!
— Que foi agora?
— As armas.
— Que tem as armas?
— Atirar pra cima, dando sinal de chegada.
Alguns projéteis foram deflagrados. A marcha seguia.  Onofre matutava: Deu errado! Fizeram  diferente da ordem recebida de formar uma trempe. O rapaz da cidade precisava ser olhado por ele, Onofre. Mas, João velho deveria ter se manifestado, formado uma trempe com o filho e mais outro. Nem não! Saíram de dois em dois, e João, sozinho. 
Apenas seis dos sete vaqueiros imbuídos de caçar a onça, conseguem voltar e quando chegaram à sede da fazenda, muitos de casa inda guardavam repouso da noite de ontem.  Generoso Batista acabara de tomar café escoteiro e acender um cigarro de palha. 
— Essa é a onça que comeu o bezerro da Mimosa?
— Se comeu, não sei. Mas é uma índia  fêmea!
— O bicho fala?
— Prezei ela dizer: “Apinajé-araruê. Cuiarana-jacutinguelê-sarumbê. Maxacali-arauê.”
— A índia, provavelmente, é da tribo Maxacali, concluiu o patrão.
Alguns de casa estacaram  pasmos com a cena que viam: a índia parecia uma boneca de pano: cabelos negros, cintura fina, e seios  pendentes, desprovidos de qualquer guarnição. Na parte baixa, algumas penas penduradas a uma embira, e amarrada à cintura, cobriam parcialmente as partes vergonhosas. Seu olhar distante, dirigido ao nada, fixava-se no infinito como olho de cabra morta.
— Corina, chegue aqui! Traga uma roupa sua para cobrir este vivente! — disse o marido, em tom que lá da cozinha a mulher pudesse ouvi-lo.
—Nossa, o cheiro é bom, a mulher, feia!
Generoso sabia que era exatamente o contrário e nada disse. Não era prudente tecer elogios a uma mulher que não fosse a sua, principalmente, na presença dela. 
— Que fazer com essa coisa, coronel?
—Amarre na casinha de curral. Na sombra, presa só pelas mãos, com corda comprida. Dê água e comida. Ela é sua. Quem amansa burro bravo, haverá de domar também esta fera. Se com trinta dias não entregar os beiços, solte e deixe ir embora. Não acredito que ela fez churrasco do bezerro de Mimosa.
Durante quase uma semana a índia só comia fruta e bebia água. Rosnava feito cão raivoso e nem olhava pra comida de sal que lhe era oferecida. Foi quando Onofre se lembrou de dar carne chamuscada, só lambida de fogo. Ela comeu e ficou reparando o escapulário no pescoço de Onofre. Ele retirou o relicário e pôs no pescoço da índia. Eram amigos ou estavam casados, no entender dela.

***
Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 20/12/2018
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