Minha mãe, numa doçura imensa me chamava "filhinha"
e eu, prontamente, a chamava "mãezinha".
Tempo de magia,
onde tudo era sonho e fantasia... Sonhava.
Sentia-me a Cinderela.
Às vezes triste, por não ter tudo o que desejava.
Certa vez, pedi a meu pai uma boneca linda
e ele me negou dizendo
que "boneca não matava a fome".
Era simplório meu velho...
Certamente, nunca lhe disseram
que existe uma outra fome,
a do coração, este que se alegra com qualquer coisinha diferente.
E aquela boneca era diferente:
tinha nos olhinhos azuis
uma expressão de tristeza,
como se me chamasse para socorrê-la.
Um vestidinho vermelho de bolinhas brancas,
igualzinho ao meu que rasguei no escorrega do parque.
E tinha tranças finalizadas por laços brancos
que lhe davam um certo ar de nobreza.
Por isso eu a queria. Mas papai, coitado, não podia.
Notei que no seu "não" havia uma certa melancolia.
Confirmei, depois, a caminho de casa,
quando ele tentou, no jeito dele sem-graça,
que o dinheiro não se pode gastar com coisas inúteis
e que havia gastado muito nos livros de minha irmã mais velha.
Fiquei, com meus botões, e as lágrimas contidas,
a matutar como uns livros podiam ser mais importantes
do que a minha adorada boneca?
Jurei que nunca ia querer livros!
Mas foi justamente neles, mais tarde,
já alfabetizada,
que meus sonhos iam ganhando forma...
E eu me identifiquei com a bela Cinderela,
só que sem madrasta...
Minha mãe era bondosa, linda e doce
e as duas irmãs maravilhosas, que me ensinaram a ler,
mesmo antes de ir para a escola.
E uma delas, a mais velha,
me fez uma boneca de pano, tão linda,
que eu até me esqueci da outra, a da vitrine.
E o meu juramento, de nunca querer livros,
foi completamente esquecido!
E eu lá ia querer viver sem Cinderela,
Chapéuzinho, Branca de Neve e Rapunzel?!
Que, mais tarde se transformaram em romances de Alencar,
Machado, Lins do Rego, Aluísio de Azevedo, Jorge Amado...
E tantos... Tantos...
Que me perdi num bailado de ilusões,
onde a fantasia se fez realidade no meu Príncipe Luiz...
Este que me atura há, exatamente, vinte e cinco anos...
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