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Artigos-->Nós Merecemos a Guerra -- 20/03/2003 - 17:56 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nós Merecemos a Guerra



Estamos, ou melhor, os iraquianos estão cada vez mais próximos de uma guerra de grandes proporções. Os resultados serão, como em toda a guerra e em toda a adivinhação, imprevisíveis. Os motivos, injustificáveis. Não vou dizer aqui que o mundo anda complicado pelo simples fato de nunca ter sido simples ou fácil ou compreensível. Sequer é preciso olhar para trás, para a história, esse simulacro da representação humana, uma abstração acadêmica na qual buscamos a expressão e o sentido de nossas vidas, para percebermos a falta de saídas, o absurdo, a loucura na qual afundamos lentamente todos os dias.

Não há um só dia em que jornais, impressos ou televisivos, revistas, programas de rádio e afins, não noticiem, discutam, comentem o mundo pelo avesso. A violência ultrapassa os limites do crível, chega a ser surrealista em suas práticas e métodos. Filhos que matam pais, tias que matam sobrinhos em rituais satânicos, pais que agridem filhos e os arremessam contra árvores e carros em movimento, netos que assassinam avós, médicos que esquartejam amantes. O mundo nunca esteve tão próximo de uma versão moderna dos antigos circos de horror quanto agora. Só não se sabe quem é do Dr. Cagliari; ou o regente dessa marcha fúnebre que começa a tocar cada vez que abrimos as janelas pela manhã.

E a vida moderna não contribui muito para o arrefecimento desse eterno instinto de agressão que persegue o homem desde sua gênese. Caim foi o primeiro e mais veemente exemplo dessa tendência instintiva para a agressão gratuita ou, no mínimo, determinada pelas relações de força, opressão e poder, a primeira de todas as tentações, o maior de todos os pecados inexpiáveis. A natureza humana é arbitrária e irresistivelmente daninha. A vida moderna faz com que o cidadão, o sujeito minimamente civilizado caminhe à beira de um ataque psicótico, de um surto, do abismo que o precipita em barbárie e violência.

A guerra, a idéia da guerra, não chega a assustar. Era esperada. Se acontecer, estará há milhas e milhas daqui, no Oriente Médio, no Golfo Pérsico, no deserto do Iraque. O que assusta é a total falta de sentido que cerca a guerra diária, aquela que travamos todos os dias contra essa vida miserável de violência e opressão. A guerra contra Fernandinho Beira-Mar, o Comando Vermelho e o caos instituído como poder paralelo. A guerra contra o crime organizado, contra o Silveirinha, desviando dinheiro dos cofres públicos impunemente, porque o crime, hoje em dia, já prevê e vem com a impunidade. E nunca compensou tanto. A guerra contra Suzanes Richtofens, contra Farhas Jorges Farhas, contra estudantes armados, contra gangues, contra assassinos de índios ou mendigos bêbados, os fracassados de plantão, os representantes da massa informe e abjeta que alguns, delicadamente, chamam desvalidos.

Nós merecemos a guerra porque nos calamos ou nos omitimos diante de cada violência, explícita, implícita, física ou psicológica. que sofremos todos os dias em qualquer esquina, ao ligar a TV, ao nos sentarmos no cinema, ao abrirmos os jornais. Nós merecemos a guerra porque aceitamos, lenta e gradualmente, o processo de falência da sociedade civil, porque permitimos que fossemos digeridos pela sociedade moderna, porque desejamos muito, sonhamos muito, mas topamos o que vier. É a ideologia da mediocracia, da aceitação, da passividade cordial. Somos e seremos sempre essa falácia ambulante roussauniana: os bons selvagens! Os homens cordiais!

A guerra de Bush é só mais uma forma de catarse coletiva. Estamos, todos, em nossas casas, sentados em nossos sofás, torcendo para que ele mande mesmo, sobre um país de esfaimados como o nosso, seus Tomahawks, seu lixo nuclear, seus bombardeios eficientes e precisos, suas balas traçantes. É nossa vingança, nossa forma de nos regojizarmos felizes por não sermos nós a bola da vez. É a expiação de nossos tantos Beira-Mar, de nossos Lalaus, de nossas Georginas (aquela da previdência, ladra, diga-se de passagem), de nossos Rios de Janeiro, de nossas tantas São Paulos, violentas e arbitrárias. Não há mitos ou deuses que nos salvem desse destino inexorável.

Nós merecemos a guerra porque, segundo Cecília Meireles, nós fazemos a guerra por nossas mãos. E não nos enganemos, nossas mãos estão sujas de anos e anos de omissão calculada, de alheamento, de uma distância errática, porque, para não sofrer, nós nos afastamos diariamente do que somos ou fomos, do que poderíamos ser para além da lógica absurda em que nos afundamos pesadamente. Nos tornamos a metáfora perfeita de Ionesco: o rinoceronte de couraça impenetrável. Nada mais nos comove, assusta ou espanta. Nada mais nos sensibiliza. Por isso merecemos a guerra, esse abismo em que nos precipitamos hora após hora.

Nós merecemos a guerra. A guerra de Bush, a guerra de Saddan Hussein. Nós merecemos o crepúsculo de nossa civilização que vai, lentamente, baixando, baixando de tom. Nós merecemos, sem dúvida alguma, a barbárie de nossa falta mesma de expectativas. Aceitamos, sem restrições, nosso destino. Agora, é esperar. Somos e seremos sempre desumanamente humanos, vencíveis, falhos, apopléticos. Nós merecemos a guerra porque a história da humanidade, desde o princípio dos tempos, como dizia Churcill, é a história da guerra. Nós merecemos a catarse purgativa, antes da derrota inevitável de tudo o que representamos e significamos.



P.S 1 – Não sou favorável à guerra. Nenhuma criatura, em sã consciência ou em pleno domínio de suas faculdades mentais deveria ser. George W. Bush e Saddan Hussein há muito demonstraram sequer possuir faculdades mentais. Logo, estamos à mercê, náufragos de dois lunáticos que passaram a infância assistindo filmes de John Wayne e torcendo contra os índios, no mínimo.

P.S 2 – Antes de nos preocuparmos com a guerra no Oriente Médio, devemos estar atentos para a guerra não declarada sob a qual vive o brasileiro há alguns anos já. Essa guerra que é fruto da desorganização do aparelho do Estado, da falência das políticas públicas, da corrupção ativa e passiva que já se tornou uma espécie de ideologia nacional, uma forma quase honesta de ganhar a vida.

P.S 3 – Que venha a hecatombe! Não duvido, será apenas mais uma vergonha para a espécie humana. Estamos habituados ao naufrágio, à falta total de salva-vidas.

P. S 4 - Só me incomoda que o mundo possa acabar amanhã... Com tanto coisa para se fazer, mon Dieu!



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