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Artigos-->O ENSINO DA UNIDADE NA DIVERSIDADE LINGUISTICO – CULTURAL -- 23/03/2003 - 14:59 (Alan Carlos Dias) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos








Um dos objetivos deste encontro é a socialização dos avanços teóricos, metodológicos práticos relativos à alfabetização e ao ensino básico. Minha intervenção no entanto, não se centrará em avanços – que supões novidades – mas na retomada de dois temas que me parecem aqueles que mais insistentemente estivera e estão nas contribuições aportadas por lingüistas brasileiros ao debate sobre a aquisição da escrita e o ensino da língua materna.: a questão da concepção de linguagem e a questão das variedades lingüisticas.

1. A concepção de linguagem



Herdamos do estruturalismo francês uma composição de linguagem como capacidade humana de construção de sistemas semiológicos (semiologia é a ciência que estuda os signos ) : a língua, entendida como um sistema de signos utilizados por uma comunidade para a troca comunicativa. A descrição do sistema ocupando o tempo do lingüista deste século acabou por relegar a segundo plano a discussão desta capacidade de linguagem que caracterizaria o humano. Filósofos, semioticistas, psicólogos, assumiram, na verdade, a questão como tema de suas áreas, e raramente os lingüistas, enquanto tais discutem a concepção de linguagem que subjaz às análises que acabam produzindo. Delimitados os terrenos, a descrição e a análise dos elementos e suas relações no interior do sistema construíram um “exterior” com o qual, no final deste século, retornamos a dialogar em função das necessidades de construção de explicações para fenômenos internos ao sistema e que nele próprio não encontram seu fundamento.

Historicamente , como sintomas da emergência da necessidade de considerar o “externo como interno”, redesenhando os limites e objetivos da lingüistica, podem ser considerados:



A) Os fenômenos da dêixis (a raíz etimológica do vocábulo "deixis" remete para a noção de mostração, ostensão, indicação ou indigitação, sendo que da tradução do vocábulo grego para o latim resultou a generalização do termo " demonstrativo" na terminologia clássica. Deve-se a introdução e divulgação do termo "deixis" no código metalinguístico português a Herculano de Carvalho (1967). Podemos hoje facilmente observar em algumas gramáticas escolares a expressão "função deíctica" invocada na apresentação do paradigma dos demonstrativos.) : pessoa, tempo e espaço expressam – se nas línguas conhecidas através de “signos”, preferencialmente vazios, demandando (dirigindo ) a remessa (enviar ) às instâncias (jurisdição, foro ) discursivas para preencher seus sentidos efetivos. Para Benveniste, marcam a expressão da subjetividade (A subjetividade corresponde sim à capacidade de o alocutário ao dizer EU se posicionar como sujeito remetendo para si mesmo e instituindo a própria existência da linguagem; reciprocamente, o indivíduo constitui-se através da sua potencialidade de linguagem. A subjetividade é a instituição do sujeito falante enquanto actante enunciativo.

A partir desta constatação, já não se pode pensar o enunciado (exposição ) sem remeter ao enunciador e pensar o enunciador significa abrir espaços de reflexão antes excluídos da preocupação descritiva da lingüistica.



b) Os fenômenos da Modalidades: (modo de existir; pensamento; organização), o esforço teórico para definir as condições de verdade das proposições acabou por elevar os enunciados afirmativos à categoria de modelares (modelos )já que neles era possível distinguir uma proposição (proposta)cujo valor de verdade poderia ser calculado. Reaparece, pois, o enunciador e sua relação com os fatos que enuncia. Para explicar tais marcas lingüisticas é necessário abandonar a análise formal para poder compreender como estas relações se constituem.



c) Os fenômenos das performatividade : (Aquilo que se põe em primeiro plano, com a Retórica, é o que, desde Austin, chamamos a "performatividade" da linguagem.) , a concepção (ponto de vista ) da linguagem como representação , em que um recurso expressivo se presentifica (apresenta) para “ausentar – se “ representando outra coisa (x ---y), o pensamento clássico já criticara a partir da noção de reflexividade da linguagem (x ---y). A esta crítica , juntam – se hoje duas outras noções que acabam por exigir a construção de uma concepção não representacionalista da linguagem. Trata – se da não transparência do signo lingüistico ( ou de sua opacidade ) e do fato de que ao falarmos, não só representamos estados de coisas no mundo, mas pela fala criamos no mundo estados de coisas novos. Fenômenos como uso , na primeira pessoa do singular e no presente do indicativo , de verbos como “prometer”, “jurar”, “declarar”, criam no mundo uma promessa, um juramento, uma declaração, impossivel de se representar por X , um estado de mundo que inexistia. E não se tarta aqui de um uso ficcional e estético da linguagem, mas de um uso comum. Beneviste, Austin e Searle acabam por conduzir os estudos da significação para a teoria da ação e, mais uma vez, o “externo” se internacionaliza, revolucionando os estudo lingüisticos e definindo novos objetos: as regras constitutivas (organizacional )dos atos que se praticam ao falar.



d) Os fenômenos da Polissemia ( multiplicação de uso, assumindo novos significados ) No nosso dia-a-dia, nas diversas situações de uso da linguagem, empregamos vocábulos com sentidos diferentes do seu sentido de base. Essa diferenciação é fruto de um processo lento e constante de mudança de sentido dos vocábulos que são efetivamente usados pelos falantes. Quando um novo sentido é assimilado pela coletividade e se generaliza, aquele vocábulo amplia seu campo de significação. Esse processo é essencial para que se mantenha a vitalidade do idioma - é um processo de renovação, chamado polissemia. E o duplo sentido: higienizando o sistema , para definir um valor a cada um de seus elementos no contraponto com os demais, a lingüistica acabou por reduzir a polissemia à ambigüidade (obscuro , impreciso) ( e resolveu esta construindo o número de “entradas” diacríticas necessárias no estudo do léxico ou multiplicou as estruturas sintáticas de base) e o duplo sentido a usos desviantes da linguagem, de interesse apenas para a escuta psicanalistica. No entanto, no uso corrente da linguagem “as metáforas que vivemos , os processos de implicitação, eufemismo e hipérboles, não podem ser jogados, por uma decisão teórica, ao cesto de lixo das questões da linguagem . Falar é bem mais do que representar o mundo: é construir sobre o mundo uma representação. É oferecê – la ou impô – la ao outro.



e) Os fenômenos da polifonia e da heterogeneidade (mistura, diferença ) O conceito de heterogeneidade tem sua origem no “dialogismo” de BAKHTIN (1929), princípio segundo o qual nós sempre falamos com as palavras dos outros. AUTHIER-REVUZ (1982) destaca duas formas de heterogeneidade: heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada. a heterogeneidade é sempre implícita ou constitutiva; ¾ no seu sentido restrito, pode ocorrer explícita ou implicitamente. A heterogeneidade constitutiva ¾ que não revela o outro, porque é concebida no nível do interdiscurso e do inconsciente ¾ refere-se ao funcionamento real do discurso, enquanto a heterogeneidade mostrada diz respeito à voz do outro inscrita no discurso. A análise consiste em tentar recuperar essas vozes. “A polifonia é um fenômeno de nível mais superficial, que diz respeito ao que foi chamado heterogeneidade mostrada do discurso.” (AUTHIER-REVUZ, 1982: 91-151).

DUCROT (1987), um dos lingüistas que mais têm estudado a questão da polifonia, elaborou uma “teoria polifônica”, dividindo sua tese em duas idéias principais (grifos nossos): primeira: na origem da enunciação, há um ou vários sujeitos; segunda: entre esses sujeitos, é necessário distinguir pelo menos dois tipos de personagens: os locutores e os enunciadores.

Além de diferenciar locutor de sujeito falante empírico, DUCROT (1982) distingue entre: locutor (o ser que “fala”) e enunciador (a pessoa sob cujo ponto de vista os acontecimentos são apresentados). Assim, locutor é o ser que, no enunciado, é apresentado como seu responsável. Só existe no seu papel enunciativo e, no caso do texto literário, corresponde ao narrador. As marcas lingüísticas da presença do locutor são pronomes e verbos referentes à primeira pessoa. É por isso que, quando o narrador alterna sua fala com a fala de algum (alguns) personagem (ns), temos a presença de mais de um locutor.

A polifonia pode então apresentar-se em dois níveis: no nível do locutor e no nível do enunciador.



Se a discussão do exemplo clássico do exemplo: “todos os filósofos dizem que a terra é redonda “ permitiu perguntas a propósito do comprometimento do falante com o conteúdo da proposição “ a terra é redonda” – afinal, num sentido de dizer, o falante disse a terra é redonda – levou a cunhar (copiar )os conceitos de uso e menção; as reflexões de Bakhtin, quer a respeito do processo signico de constituição da consciência enquanto internacionalização da palavra alheia, quer a respeito do jogo de vozes que na minha palavra revela a palavra do outro, levaram a uma redefinição do sujeito discursivo como o lugar de uma constante dispersão e aglutinação de vozes, socialmente situadas e ideologicamente marcadas

Em consequência, já não se poderia mais apsotar num processo de ensino/aprendizagem que partisse do suposto da existência de uma língua pronta e acabada, objeto de ensino do professoe e objeto de apreensão do aprendiz. Antes de mais nada, o deslocamento da noção de representação para a noção de trabalho linguistico exige incorporar o processo de produção de discurso como essencial, de modo que não se trata mais de apreender uma língua para dela se apropriar, mas de tratá – lae, em usando – a, aprendê – la. Em segundo lugar, a eleição do acontecimento enunciativo como lugar de produçãio de língua faz intervir a noção de movimento, de modo que processos como a metáfora ( emprego de palavra em sentido diferente do próprio ) e a parafrase (sentimento de forma diferente; exposição oral ou escrita de um texto ou discurso), se tornam lugares da ação com e sobre a língua dos sujeitos envolvidos no ensino/aprendizagem.

Para se ensinar a língua materna, não se trata de devolver ao aluno a palavra para que emerjam histórias contidas e não contadas em função apenas de uma opção ideológica de compromisso com as classes populares. Devolver e aceitar a palavra do outro como constitutiva de nossa própria palavra é uma exigência do próprio objeto de ensino. Uma década e meia depois, seria otimismo ingênuo imaginar que a vulgarização destas reflexões tenha alterado substantivamente as práticas de ensino; que a compreensão de que a língua não esta de antemão pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá – la, mas que o próprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, está sempre e a cada vez , reconstruindo, tenha produzido as consequências pedagógicas de aposta na dialoieidade, na mediação e na construção conjunta e polifônica de textos. Mas pode ser menos ingênuo imaginar que, hoje, a cada vez que um professor razoavelmente informado define a língua como um código de comunicação, uma dúvida atroz, procede e incomoda.



2 – A questão das variedades lingüisticas



É da experiência comum de qualquer falante , já que ele vive numa sociedade e uma sociedade se caracteriza diferentemente em cada época em função da formas como se estrutura , o fato de que obedecemos a diferentes regras em função das intuições no interior das quais falamos.

Podem ser generalizadas estas diferentes situações considerando que há instância privadas de fala. Não é a fala em si que é privada ou pública, mas a instância em que se fala é que poder ser privada ou pública. Uma e outra instância têm exigência diferenciadas quanto às regras de uso da fala, do registro adequado para esta fala, do dialeto que circula nas diferentes instituições. Ora, sabendo – se que a língua portuguesa não é una, mas se concretiza em diferentes dialetos regionais.

O conhecimento destas diferentes instâncias, o aluno traz para dentro da sala de aula. Uma de suas dificuldades, no entanto, é que a escola e a sala de aula se caracterizam como instância pública de uso da linguagem e nem sempre os alunos, em suas experiências vividas anteriormente, estiveram em situação de produzir textos.

É a escola o primeiro lugar público em que o aluno se expõe ( ou deveria se expor ) como locutor. Admitindo – se que a escola de uma forma ou de outra, tem possibilitado a seus alunos interlocuções nesta instância pública de uso da linguagem, e como estas exigem o dialeto culto, como explicar que depois de anos de escolarização, falantes de variedades lingüisticas não prestigiadas socialmente permaneçam falando a variedade de origem?

A existência da variedade lingüistica é um fato empírico inegável. Habituados, com justiça, a observar as diferenças entre os modos de falar, temos distinguido, pela análise de diferenças, formas (marcas), diferentes dialetos sociais ou regionais. Normalmente, associa – se a variedade lingüistica não prestigiosa (observando os aspectos de pronuncia, de estrutura física ou mesmo de estrutura textual ) ao grupo de falantes que , socialmente, não pertencem a classe dominante. Estas variedades são desprestigiadas porque “uma variedade lingüistica” vale o que valem na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade de que eles têm nas relações econômicas e sociais. Na verdade, não é concretamente a língua padrão contemporânea que indica as estigmatizações, mas uma certa “imagem de língua correta e adequada” a responsável pelas qualificações postas em prática pelos falantes, quer professores, quer não professores.

Um aluno falante de variedade não padrão, numa escola que possibilite interlocuções com variedades, não se apropria do dialeto de prestígio, mas ao contrário, enquanto locutor e interlocutor, por seu trabalho lingüistico, participa da construção deste dialeto. O dialeto de prestígio também se constrói historicamente, modificando – se, ainda que suas mudanças formais sejam muito lentas. Aceitando – se esta visão de movimento histórico de constituição das variedades lingüisticas e aceitando que o entrecruzamento de variedades é uma constante social, pode – se formular um projeto de correlação entre as variedades lingüisticas e o ensino que tenha no horizonte este processo de contínua mudança das formas verbais. A nova variedade padrão resultante desta história não vai afetar a capacidade humana de compreensão do conhecimento acumulado e registrado em variedade padrão do passado: ainda hoje podemos ler documentos do quadrocentos e do quinhentos, embora nosso padrão esteja longe daquele de então.

É evidente que desde sempre os alunos chegaram aos bancos escolares falando português, mas este saber nunca foi explicitamente tomado como um saber. Ao contrário, freqüentemente a escola desconsiderou este saber, aproveitando – se, no máximo ,de um dado suposto necessário par a alfabetização: a associação de sons da fala a letra da escrita. Este deixar de lado resultou, na verdade , de dois pontos de vista:



A) a desvalorização precoce da modalidade oral e das variedades dialetais;

B) o desconhecimento de que a própria variedade padrão não é una, alternando – se no tempo e no espaço.



Como se sabe , o processo de construção histórica da escrita permitiu uma reflexão sobre a linguagem em geral e sobre cada língua em particular, e esta reflexão, fixando – se na escrita, acabou por prevalecer como “ o capital lingüistico” escolarmente rentável. E a exigência não para aí: não se quer mais somente um cidadão que reconheça a herança cultural, mas que se torne um produtor de cultura.













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