A engenharia humana
Fernando Zocca
Van Grogue não era funcionário dos Correios de Tupinambicas das Linhas, mas também gostava de colecionar selos. Era tanta a quantidade das estampilhas que, numa ocasião, quando se embriagava no boteco da tia Mariínha, resolveu doá-los aos demais bebuns presentes.
Havia muitas pessoas que não queriam nem saber daquelas asneiras, mas Grogue que não era bobo, nem nada, arrumava um pretexto e, aproximando-se com muita delicadeza, daqueles a quem pretendia estigmatizar, pregava logo uma figura na testa do desatento.
Van queria a união dos bêbados, pois achava que todos unidos poderiam impedir a reeleição do caquético morbífico, encerrando de uma vez por todas, a gestão fraudulenta do Jarbas.
Mesmo quando Ernesto Mail contou, naquela roda de pinga, que o presidente do legislativo, o próspero empresário do setor de colheitadeiras de cana, Fuinha Bigodudo usava carros da Càmara Municipal tupinambiquence para favorecer eleitores seus, Grogue com um sorriso de satisfação, mas ponderando não ser o momento propício para polêmicas, sobre desvios de função, ou gentilezas com o chapéu alheio, pregou-lhe um selo no canto direito daquela boca de lábios finos.
Edbar B. I. Túrico que falava ao Edgar D. Nal sobre mais uma vitória do E.C. 7,5 de Novembro, ao ver a cena da colagem, rindo muito disse para todo mundo ouvir:
- Ih, olha lá a boca do Ernesto. Boca de chupar óvo! Rarará!
Van Grogue, batendo palmas chamou a atenção de todos e interrompeu a zoeira que se formou; subiu então numa caixa vazia de cerveja e pós-se a discursar.
- Gente, eu quero que nessa subida, antes de comermos o feijão, rejamos nossas condutas pela qualidade do nosso ser. O importante é ser!
- Ser rico! - apartou Mariínha que lavava um copo na pia suja. Grogue olhou de soslaio para a mulher e prosseguiu:
- O importante é ser honesto, não sacanear o dinheirinho do povo. Esse pessoal que está na Càmara, não tem condições morais para receber um selo meu. O selo, desses que vocês receberam, por serem bêbados, mas bêbados do bem, só será entregue, daqui por diante, a quem provar que o prefeito de Tupinambicas das Linhas ganhou mesmo muito dinheiro com a negociata das ambulàncias. Que ele enriqueceu com as marmotas nas licitações.
Então Grogue tomado por uma força estranha que o levava a discursar, e sentindo o rosto tumescer, recordou-se do pastor Buonaventura do Amaral, quando este ainda pregava na igreja pentecostal As Barbas do Abraão, situada na garagem da sua casa, numa rua deserta das cercanias da cidade, e prosseguiu:
- Saquem a espada, seja ela pequena ou roliça e bradem, Bradem ser o selo do Grogue o sinal de que nossa bandeira tremulará no panteão da vitória, no templo dos regentes, seja pela frente ou por trás das cortinas!
De repente, entrou no boteco o médico psiquiatra doutor Silly Kone e, vendo a cena não póde acreditar que Van Grogue, o homem que confundia Benedita rigorosa com ditadura, mosqueteiro com mosquiteiro, e que sempre fora cliente real das clínicas psiquiátricas, promovia aquela verdadeira engenharia humana, levando todos os bebuns a unirem-se contra as forças da seita maligna do pavão-pirado, uma das que mais ajudou a alçar Jarbas, o mafioso ao cargo de prefeito da cidade.
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