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Cronicas-->A hora (de verão) da Compadecida -- 14/04/2008 - 18:59 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O horário de verão foi um idéia genial que alguém que acordava sempre depois das 10h da manhã teve para economizar energia elétrica e acabar com a energia metabólica dos comuns mortais que pulam da cama antes das 6h da matina. Em outubro, temos uma hora retirada de nossas vidas sem maiores cerimónias, ainda que por empréstimo. É um desastre. Sair para o trabalho com o céu ainda escuro faz os mais sensíveis sentirem-se o amante da mulher do padeiro do filme MEUS CAROS AMIGOS. Os galos mal cantaram e lá vai o Zé Povinho na trilha do salário suado. Tudo certo, a gente se acostuma até com furúnculo bem no lugar da costura da cueca, logo tudo é de novo normal. É aí que resolvem devolver a hora arrancada de nossos relógios, e o sol da manhã fere as retinas dos vampiros-operários que demoram mais umas boas semanas para voltar ao prumo.
A situação de Plínio era essa do homem moído pela desfusamento do horário de verão. Fazia só uma semana que o locutor da Rede Globo tinha ordenado que ele adiantasse seu relógio em uma hora. Nada simples. Não havia Cristo que o fizesse dormir na hora certa para acordar na hora exata do descanso perfeito para corpo e mente. Não sabia se devia dormir mais cedo, mais tarde, na mesma hora de sempre. A incerteza cronométrica acabou virando ansiedade sem causa, e conciliar o sono já era impossível. Havia mais de três dias que o pobre moço não pregava o olho, ficava acordadão batendo um papo com todos os pastores da Record até que o rádio-relógio batesse 5h50m. Pé no chão. Escovação. Café-com-pão. Manteiga não. Lotação. Cartão.
Desde a década de oitenta que Plínio sofria com essa mudança. Adolescente, perdeu muitas notas em matemática, ou por não acordar a tempo, ou por dormir antes da hora e sobre a folha de prova. Namoradas terminaram com ele depois de vexames e roncos em horas de romantismo no sofá da sala. Tentou participar de um grupo de desfusados anónimos, mas achou difícil comparecer às reuniões que sempre começavam uma hora atrasadas como forma de protesto. Desde que começou a dar aula de Física num cursinho, passou a encarar esse empréstimo de horas como uma questão financeira muito séria: se recebia por hora trabalhada, se seu descanso semanal era remunerado, qualquer minuto tirado dele era um roubo. Contava os dias que faltavam para que essa hora fosse devolvida.
A nova postura, em vez de ajudar a enfrentar melhor o sofrimento, deixou nosso personagem mais tenso e irritado. Falta de sono mais excesso de idéias é receita certa para uma catástrofe. O dia era aquele mesmo, comecinho de horário de verão, todo mundo muito cansado. Enquanto chacoalhava num ónibus pela avenida do Shopping Center, enquanto fazia os cálculos de quantos dias faltavam para que a sua cara hora lhe fosse ressarcida, Plínio não percebeu que o motorista mal dormido invadia o canteiro central e batia de frente com o poste do relógio digital. Eram 7h02m. Plínio só se deu conta do acontecido quando já estava naquela famosa fila (até lá há filas!) de check in para o outro mundo. Mesmo lá, só pensava na hora que haviam tirado dele.
Foi um forrobodó dos infernos (perdão, senhor!). Plínio fez um escarcéu dos diabos (perdão, senhor, outra vez!) e apresentou relatório detalhado provando que o Ministério das Minas e Energias devia a ele uma hora, sem contar os minutos de juros e correções os quais ele estava disposto a esquecer. Os anjos, arcanjos e potestades precisaram enviar um e-mail ao Santo mais indicado que ninguém sabia qual seria, até que tiveram a idéia de, como em Suassuna, recorrer a Misericordiosa. A resposta veio rápida: Plínio realmente tinha o direito legítimo de voltar ao mundo dos vivos para usufruir de mais uma hora, ao fim da qual deveria morrer outra vez e definitivamente até o Juízo Final. E poderia escolher o cenário de sua hora derradeira. Pestanejando pouco, o revoltado falecido optou por uma praia no Litoral Norte, um cantinho de sua infància. Sem muitos trons ou trombetas, a determinação foi cumprida e Plínio fez-se novamente carne.
Divindades são irónicas. O final desta história até poderia ser algo mais dramático, coisa de telefilme, com nosso herói doando sua preciosa hora para salvar uma criança atropelada numa Highway estadunidense, ou para realizar um parto em plena guerra no Quênia, ou para impedir um assalto num banco da Paulista. Mas ele escolheu ir para a prainha, humilde e coitado. Pois é, Plínio. Confiou demais na Compadecida. Agora está aí, enfurnado num Uno 1.0 (e Deus não é uno?), sem ar-condicionado, descendo a serra em dia de feriado, congestionamento monstro, 6 km por hora. Sei não, mas acho bom acertar o relógio... Essa viagem vai durar uma eternidade. E nem adianta rezar uma ave-maria, meu caro!
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