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Humor-->Nando Ventura e Verinha Radical -- 16/11/2001 - 11:14 (Gil Capanema) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nando Ventura e Verinha Radical


Quem o trouxe para a turma foi o Gordo. Chegou todo orgulhoso e disse em alto e bom tom para todos:
“Aí galerinha, este é o meu amigo Nando Ventura”, e em seguida completou abrindo os braços para o céu, “O cara é adrenalina pura! Tem aventura até no nome” , refererindo-se ao sobrenome do Ventura.
A turma já conhecia o Gordo e sua fixação em esportes radicais. Infelizmente os seus 140 kg não lhe permitiam incursões neste terreno, então o Gordo virou marchand de qualquer um que praticasse esporte radical.
Todos já tinham notado que, desta vez, o gordo estava mesmo entusiasmado e parecia ter esquecido o “Cowboy Voador”, apelido que dera a seu último protegido que na calada da noite fugiu com a Asa Delta alugada pelo Gordo. Soube-se, mais tarde, o rapaz de Piracicaba, vendera a parafernália toda para pagar sua inscrição no rodeio de Barretos e comprar uma bota nova, sumindo do circuito de praticantes de Asa Delta, do qual, na verdade, nunca participou.
Nando Ventura era diferente. Bem vestido, falava bem, pagou a primeira rodada de chopp e se desculpou por preferir Scoth: “Chopp interfere um pouco em meu condicionamento físico e, além do mais, fora do Brasil não tem chopp”. Deixou no ar uma aura de classe. Uma aura de cidadão do mundo que rompe fronteiras atrás de grandes montanhas.
Era isto. O Nando Ventura era um praticante de escalada ou rock climbing, como ele preferia chamar. Modesto como ele só deixou para o Gordo a missão de narrar suas conquistas:
“Pouca gente já viu o céu tão de perto como o Ventura”, “Se somar o que já escalou dava para fazer uns 200 Empire States”, “Fera!”, e por aí iam as façanhas.
A turma foi se encantando com o novo amigo e com as histórias de suas façanhas. Nunca o viam aos sábados: “Preparando-se para mais um desafio!” dizia o Gordo entre admirado pela dedicação do amigo e preocupado com os perigos que o aguardavam.
Na verdade, o Nando Ventura se chamava Fernando Pacífico Pinto. Pacífico por parte de pai e Pinto por parte de mãe. O mais próximo que havia chegado de uma escalada foi no dia em decidiu ajustar a antena parabólica no telhado da casa da vizinha. Que não ficou tão impressionada com a sua destreza quanto ficou com a facilidade de coagulação do imenso corte em sua cabeça após uma pavorosa queda.
Este era o Nando Ventura. Pavor de alturas. Urbano. Odiava mato e mosquitos. Aduirira todo o seu conhecimento em escaladas assistindo o Discovery Channel e lendo revistas especializadas. Dominava o jargão. Sabia as regras de segurança. Conhecia os melhores pontos para se escalar. Esta era sua grande aventura: TV, pipoca e capacete de segurança. Sim! O Nando usava o capacete de segurança em casa para dar um ar de realismo às suas conquistas imaginárias.
Lá um belo dia, o Gordo aparece na roda de chopp com uma mulher. Na verdade não uma mulher, era uma criatura que Deus resolveu colocar no mundo para comprovar que era perfeito. Morena, alta ideal, corpo ideal, medida ideal. Tamanho universal. Linda. Olhos: azuis.
Sem alarde o gordo apenas disse que era uma amiga e que assim que o Ventura chegasse ele apresentava. A turma ficou curiosíssima, afinal, o Gordo aparece com a Monalisa reencarnada e não deixa ninguém chegar perto. O Gordo não podia fazer isto. Deve ser o remédio que está tomando para emagrecer, pensavam os amigos.
Quando o Ventura chegou, expirando o seu habitual ar de irreverência, saudou a turma com um aceno de cabeça e fixou os olhos na Verinha. Na verdade começou uma lenta exploração pelo sul, foi subindo, parou um bom tempo nos dois montes mais ao norte (coisa de escalador) e subiu até parar nos olhos azuis. Fosse ele um escalador acostumado a ver o céu de perto teria notado na hora a semelhança de cores. Não era. Ficou apenas parado. Aprisionado pela visão daquela deusa.
Com a maior cerimônia o Gordo anunciou: “Ventura esta é Verinha. Verinha Radical. A companheira perfeita para suas escaladas. Já esteve até no exterior escalando”. Todos olharam para o Nando. As mulheres com ódio por conhecerem uma concorrente tão radical como o Nando. Os homens maldizendo a hora que optaram pelo futebol como hobby. O Ventura, estatelado de pânico ante a perspectiva de ser desmascarado. Acenou com a cabeça da forma que pode, fazendo um esforço danado para parecer natural. Apertar a mão, nem pensar, estavam suadas e trêmulas.
Verinha Radical estava super natural. Por fora é claro. Outra farsante prestes a deixar a máscara cair. Na verdade, Vera Santos do Socorro, Socorro por parte de mãe, era formada em Ciências Contábeis e trabalhava no escritório do pai. Tinha uma síndrome alérgica que a acometia todas as vezes que ficava nervosa e, para ajudar a coitadinha, todas as vezes que pensava em escalar algo ficava muito nervosa.
Em resumo Verinha Radical era outra escaladora virtual, teórica, alucinada pelo esporte sem nunca tê-lo praticado. A exemplo do Ventura sabia tudo sobre o assunto e já criara suas próprias estórias para contar.
Aos poucos os dois foram falando e falando. Foram se entendendo. Longas conversas sobre técnica, equipamento, aventuras, locais a serem conquistados ainda. Na turma reinava o sentimento de que, finalmente, o Super-Homem havia se encontrado com a Mulher Maravilha. Passaram a sair com frequência até assumirem o previsível status de namorados.
Quiseram o destino e a inconveniência do Gordo, colocá-los frente à prova final. De surpresa, sem avisar, o Gordo marcou um churrasco no sítio do Paulo Torto e convidou toda a galera. O Paulo Torto não era da turma e tinha este apelido pois, ainda iniciante em escalada (mas de verdade!), levou um tombo feio e teve que colocar dois pinos no joelho. Nunca mais pode escalar e andava manquetolando, mas continuava um amante do esporte.
Quando, de dentro do carro, o Nando e a Verinha viram um placa indicando local para escalada, gelaram. O sítio do Paulo Torto era próximo a um campo-escola, que é um local para treinamento em escaladas que, embora de pouca dificuldade, exige que se escale de verdade e não virtualmente (especialidade de ambos).
Quando chegaram a galera estava em peso. O Paulo Torto com todo o equipamento preparado. O Gordo solenemente avisou: “Galera, finalmente vamos ver o casal em ação” e virando-se para os dois implorou: “Dá um showzinho para a gente, por favor”. Não teve como negar. Entreolharam-se e começaram a se preparar. Sabiam usar o equipamento. Ambos viviam em lojas especializadas mexendo em tudo e não comprando nada.
Em dez minutos pareciam verdadeiros escaladores prontos para o grande desafio. Foram até a base da rocha. Momento de decisão. Ambos morrendo de medo de serem desmascarados. Ficaram alguns segundos olhando para cima. “Estudando a rocha”, disse o gordo. Dancei, pensou o Nando. Vou começar a espirrar, pensou a Verinha.
“Você guia”, disse o Nando (ou seja ela deveria começar). “Prefiro dar segurança”, argumentou a Verinha (ou seja o Nando começa e ela fica segurando a corda para dar proteção a uma eventual queda). Impasse. Ambos pensando que tinham ido longe demais. Próximos um do outro, ainda olhando para cima, o Nando começou a falar baixinho:
- Sabe princesa, nunca escalei assim...
- Assim como? Quis saber a Verinha.
- Assim eu, você a rocha o pessoal...
- Você está inseguro?
- Um pouco. Sabe como é...
- Como assim?
- Nós dois, nosso envolvimento, o que sinto por você...
- Você está preocupado que eu caia?
- Não suportaria saber que você se machucou escalando comigo... Sabe, somos profissionais, estamos envolvidos, isto pode atrapalhar...
- Puxa! Tenho a mesma sensação, acho que não me concentraria o suficiente de tão preocupada que estaria com você.
- Sabe Verinha, acho que devemos respeitar nosso senso profissional e não escalarmos juntos.
- É Nando... Pensando bem não seria prudente.
Voltaram-se para a galera e com ar bastante sério e profissional o Nando Ventura explicou o fenômemo que chamou de “COI” (Climbing Over Identification), ou seja, escaladores com vínculos emocionais muito fortes correm o risco de se desconcentrarem em situações mais críticas em função do sentimento conjunto que nutrem. A Verinha bem que tentou lembrar se já tinha ouvido falar disto em algum lugar, mas não lembrou. Acou melhor ficar quieta, afinal o profissional era ele e a farsante ela. O Nando, face o silêncio da Verinha, pensou que talvez isto existisse mesmo, afinal tinha tudo a ver com a situação.
Apesar da frustação todos compreenderam, ainda mais com a defesa do Paulo Torto que, embora nunca tivesse ouvido falar naquilo, defendeu a posição profissional de ambos. O churrasco correu normal.
Nando e Verinha estão juntos até hoje. Só não se encontram no final de semana, pois ambos estão escalando (em frente à TV é claro). Tomam o cuidado de não atender o telefone. Às vezes os dois acham que as aventuras são muito parecidas, mas ninguém comenta nada. Afinal são dois farsantes apaixonados acreditando que estão ao lado de feras.

Gil Capanema
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