Agora, depois de crescidinho, descobri que Papai Noel não existe. E mais: descobri também que os que se fazem passar por ele vestem-se de vermelho e branco porque essas são as cores da Coca-Cola. Isso começou há mais de meio século, quando a empresa resolveu fazer uma baita campanha de marketing e vestiu a esdrúxula figura com as cores de seu logotipo. E ficou até hoje.
Comecei a desconfiar que ele não existia por causa de suas roupitas de verão: um casacão vermelho, calças compridíssimas e touca na cabeça. Tudo isso numa temperatura de, praticamente, quarenta graus. É o tipo de coisa que nos faz dizer: "não dá pra acreditar".
Minha mulher gosta de papai Noel. Nossa filha precisa crescer no espírito do Natal, diz ela, querendo convencer-me da importància de levar a fantasia vestida de Coca-Cola ao inimaginário da criança. Cedi. Dizem que nos relacionamentos precisamos ceder em alguma hora e, para ajudar nessa coisa espiritual-natalina-pró-comercial, apresentei à minha filha, de dois anos, o bom velhinho com as mãos nos braços da Carla Perez, na revista Playboy, como que querendo descobrir-lhe os seios tapados por ela. "Olha, filhinha, o papai Noel!" E ela repetiu com suas palavras a minha frase, como sempre, reduzida à s últimas sílabas: "Noel". As pessoas na fila do supermercado não gostaram muito. Eu também não: esse velhinho tinha que atrapalhar tudo! Por que não puxava logo os braços da moça? Deve ser porque, na verdade, ele a estava impedindo de tirar as mãos dos seios. Acho que é por isso que o chamam de "bom velhinho", pois está a proteger o que poderia ser atentatório ao pudor público. Um super-herói a salvar nossas crianças de uma visão indecorosa. Apesar de quê, acho mais indecente e imoral colocar um pobre velhinho, que poderia ser meu avó de noventa anos (aquela barba branquinha denota o avançado da idade), numa roupa tão quente, em pleno verão brasileiro. Isso é a maior sacanagem.
Mas tudo bem. Natal tem que ter o bom velhinho de vermelho-Coca. Mas melhor do que o bom velhinho é a figura que vem aparecendo, sorrateiramente, nessa época do ano. É a boa novinha . O paradoxo que faltava para alegrar o final de um ano de muito trabalho e estresse. A boa novinha vem de shortinho e um sorriso nos lábios (bem vermelhos) nos dar um bom dia com promessa de algo mais. Homens bobos, expressão que em si mesma carrega certa redundància, devolvemos o sorriso, maliciosamente interessados naquela promessa que veio pendurada no sorriso. E é nesse interesse que nosso dinheiro vai pro beleléu. Compramos tudo da mão dessa mamãe Noel (a boa novinha ) e não ganhamos nem um beijinho sequer. Abrimos as sacolas em casa e percebemos a quantidade de produtos de baixa qualidade que adquirimos, enganados por essa nova forma de sereia que, com sua vermelhidão, mexe com aqueles chacras mais baixos, responsáveis - dizem os cromoterapeutas - pelo sexo e pela comida. Daí ser quase perfeita a combinação da Coca-Cola com a mamãe Noel (pensem nas profundas conotações freudianas existentes nas garrafas, nas mamães e nos shortinhos vermelhos - formas e conteúdos). Acertaram em cheio! Mas não acertaram em mim, pois tive a sorte de conquistar uma mamãe que não me deixa olhar pros lados e, com isso, acabo não caindo nesse conto. Portanto, já não tenho gastado tanto dinheiro no Natal, o que me faz concluir que o ciúme é económico e, nos tempos que correm, era o melhor que poderia me acontecer.