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Contos-->As agendas -- 16/06/2001 - 14:36 (Eduardo Henrique Américo dos Reis) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Ouvi dizer que há pessoas que riem para mostrar seus belos dentes e outras que choram para mostrar que têm bom coração.” Belos dentes e bom coração. Rubem Fonseca

O jornal continuava fechado sobre a mesa do café. Como estou acostumada, tomei meu leite com Nescau e ainda vestida com a camisola que vovó me deu, li o horóscopo deitada no chão da sala.
Nossa! Fiquei tão feliz com as coisas escritas ali! Dizia: “Esta Quinta-feira começa com o pé direito. Propício para fazer o que quiser. Os sentimentos e lembranças estão em alta. Este é um ótimo momento para todas as pessoas do signo repensarem seus valores, refletirem e aprenderem consigo mesmas.”
Às vezes o horóscopo adivinha o que a gente sente. Na noite anterior, eu tinha prometido para minha mãe e para eu mesma que iria arrumar todo o meu quarto. Todinho, todinho! Desde as bonecas, minha cama até as roupas que caíram da moda e eu não uso mais. As bonecas também eu já não uso mais, afinal, já sou quase adulta! Tenho onze anos, cinco meses e sete dias!
Joguei o jornal para o alto. Caiu bem no colo do papai. Essa menina tá doidinha. Ele disse pra minha mãe. Corri para o quarto e comecei a arrumar tudo. Tudinho mesmo!
Primeiro separei as roupas velhas. Entre elas, uma saia que usei só uma vez. Era vermelha. Bem vermelhona. Igual a que a Xuxa descia da nave todo dia. As roupas, coloquei tudo num saco de lixo bem grande e arremessei lá no corredor.
Continuei nadando no meio de todas aquelas tranqueiras. Olha! Eu nem lembrava dessas pulseirinhas. Titio que me deu de aniversário quando fiz dez anos. Faz tempo. Ele também me deu uma daquelas bonecas que fazem xixi e a gente tem que trocar a fralda. Igual neném de verdade.
No fundo do armário, achei uma caixa de papelão velha. Bem velha mesmo. Tinha cheiro de pó. De muito pó. Puxei-a para fora, precisei fazer bastante força por causa do peso. Ufa! Consegui! Descansei por algum tempo e abri a caixa. Lá dentro tinha um monte de cadernos. Um monte mesmo! Todos com as capas enfeitadas e bonitas. Com lacinhos rosa, corações e frases lindas. Amor sem beijo é macarrão sem queijo!
Quando percebi, já não estava mais arrumando o quarto. Os caderninhos tomaram minha atenção. Era tudo da mamãe. Tudo escrito com a letra dela. Não sabia que minha mãe foi escritora. Li a primeira página de um deles. Contava o dia que os dois se conheceram. Papai e mamãe. O primeiro beijo! Hum, que romântico! Foi amor à primeira vista.
Minha mãe escrevia muito bem. Dava para fazer um livrão com a vida dela. Dava mesmo. Ela conseguia deixar tudo bonito. Até quando conta que derrubou uma assadeira inteira dos biscoitos da vovó no chão fica bonito. Deve ter sido engraçado. Ela tentou lavar os biscoitos com água e sabão para tirar a sujeira. Só que eles esfarelaram. Mamãe tinha nove anos nessa época.
Ao fechar um caderno para pegar outro, achei que minha mãe não gostaria de me ver lendo suas agendas secretas. É claro que são secretas! Senão estariam guardadas em outro lugar!
Fui até a cozinha, pedi para a Maria fazer um lanche. Eu nunca lembro o nome dela, mas quando eu grito: Mariaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!! Ela vem na hora. Gosto muito da comida dela. Mas ela é feia. Muito feia.
Maria me preparou o lanche. Voltei para o quarto e tranquei a porta. Pedi à Maria dizer para ninguém me incomodar. Pois estou ocupada! Disse. Li quase todas as agendas antigas da minha mãe. Algumas coisas chamaram a minha atenção. Acho que mamãe era meio estranha! Ela vivia grudada com a minha madrinha, que morreu no ano passado.
Em uma das agendas, na mais bonita! Uma que tem um coração grande na capa! E uns anjinhos desenhados com tinta brilhante! Nessa agenda a minha mãe só escreveu coisas sobre a amizade dela e da madrinha.
É uma pena ela ter morrido, mamãe tem tanta saudade. Às vezes acho que papai não gostava da minha madrinha. Sei lá, deve ser ciúme.
Tinha poesia, declarações de amor e até uma florzinha que minha mãe guardou quando foram para o campo. Depois que terminei de ler essa agenda, fiquei pensando... como é legal ter alguém assim... igual era a madrinha para a minha mãe. Deve ser bom gostar de alguém de verdade!
Pensei muito sobre isso, sobre essa amizade delas. Fiquei horas no chão, olhando para a porta do armário, sentada no meio daquela bagunça. Pulseirinhas, bonecas, batons, fotos da Xuxa, da Angélica, tinha uns livrinhos daqueles de colorir também. Esses eu não vou jogar fora, é um passatempo divertido!
Talvez seja por isso que mamãe deixa eu fazer tudo o que eu quero e comprar esse monte de coisas. Acho que ela gostava da madrinha igual eu gosto destas coisas. Gostava mesmo. Ainda gosta, pra falar a verdade!
A mamãe é uma pessoa muito boa. E só agora eu estou percebendo que ela é mais quietinha do que quando a madrinha era viva. Uma vez, entrei no quarto e ela estava enxugando o rosto. Achei que estivesse chorando, mas falou que não. Não liguei muito. Pra falar a verdade, nem dei bola!
Nesse último caderninho, esse que só tinha coisas sobre a madrinha, mamãe fez mais bonito que todos. E escreveu melhor ainda. Eu lembro quando a madrinha vinha aqui em casa, as duas se fechavam na cozinha e, da sala, só dava para ouvir as risadas. Riam feito duas bobocas. Era gostoso ficar perto delas.
Eu quero que minha melhor amiga seja madrinha do meu filho! Igual a minha mãe fez. Porque pra gostar do nosso filho, também tem que gostar da gente! Vai ser legal. Muito legal. Depois que eu arrumar toda esse bagunça, vou procurar uma melhor amiga! Vou mesmo. De verdade!
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