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cronicas-->A COMIDA NA ROÇA -- 11/05/2008 - 21:11 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A tão decantada e sofisticada culinária italiana não se fazia presente nas mesas dos colonos. A base da alimentação era mesmo a polenta, que era feita em uma panela de ferro de expressivo tamanho, arredondada, sem tampa, que se encaixava perfeitamente no vão formado pela retirada dos diversos aros que fechavam a chapa do fogão a lenha, deixando a panela em contato direto com o fogo. Era chamada de caldiera ou pignatta. Depois de colocados sal e gordura, quando a água fervia, deixava-se escorregar, lentamente, entre os dedos da mão esquerda a farinha de milho, enquanto com a mão direita a mistura era mexida, ininterruptamente, com uma espécie de espátula grande, de madeira, alargada nas pontas, a mescola. Uma boa polenta demandava mais de hora de cozimento e de movimentação ininterrupta da mescola, imprescindível para evitar que a farinha de milho embolasse e para que a polenta não grudasse no fundo da panela. O par de mãos mais ágil que conheci na vida foi o da minha mãe. Era uma mestra em fazer polenta.
O milho e o trigo, depois de debulhados eram ensacados e levados aos moinhos coloniais, para a moagem. Os moinhos eram rudimentares, movidos a água, mas muito eficientes. Semana sim, semana não, de manhã bem cedo, um menino montava o cavalo mais manso da propriedade e se dirigia rumo ao moinho, levando trigo ou milho para a moagem. O encargo recaia sempre sobre o menino que era menos útil nas lides domésticas ou agrícolas. O retorno ocorria por volta da meia tarde, mas havia oportunidades em que só acontecia no final do dia, dependendo da afluência de clientes. Os moinhos possuíam apenas duas mós: uma para a moagem do trigo e outra para o milho. O primeiro moinho que serviu nossa família foi o do Schio, localizado não muito distante da cidade de Sarandi. Mais tarde, passou-se a frequentar o moinho dos irmãos Josué e Daniel Dassi, mais próximo, localizado junto ao Rio Bonito, no lugar denominado Águas do Angico, totalmente movido à água. O custo da moagem era pago em dinheiro ou com um percentual da farinha. Além desta, o farelo decorrente da moagem era levado para casa para enriquecer a alimentação dos animais. O moinho dos Dassi teve vários proprietários ao longo dos anos, entre eles, o senhor Fioravásio Dassi, que é avó da estrela da Rede Globo, Cecília Dassi, de desempenho marcante em diversas novelas. Hoje o moinho está desativado. A senhora Albina Dassi, viúva de Daniel, ainda vive e reside em Sarandi. Como curiosidade, podemos acrescentar que o senhor Daniel, antes de adquirir o moinho, era ferreiro e um dos tantos artesãos que fabricavam manualmente, nas suas ferrarias, utensílios agrícolas, como enxadas, foices, machados, facões, arados e similares.
A vida na roça era dura. De manhã, antes de clarear totalmente o dia, nosso pai, nosso irmão José e algum diarista ou empregado eventualmente trabalhando na propriedade, partiam para as lides da roça; a mãe e os filhos menores, permaneciam em casa para tratar da criação, ordenhar as vacas e encaminhar os demais serviços domésticos. Trabalho concluído, alguém, geralmente o maior dos meninos, partia para a roça levando o café da manhã, a colazione, aos que tinham saído de madrugada. De um modo geral, o café da manhã consistia em um ou dois litros de chá de mate com leite, alguns ovos fritos ou salame, queijo e polenta brustolada (era a polenta cortada em fatias e aquecida na chapa do fogão à lenha).
O café era muito raro, servido só em ocasiões especiais. Por ser um produto nobre e caro, era servido puro, sem a adição do leite. O pão fazia-se aos sábados, de farinha de trigo pura ou misturada à farinha de milho. A massa, depois de preparada e sovada, era colocada sobre uma folha larga que conhecíamos como "folha de caeté", uma espécie de gengibre que emprestava um sabor especial ao pão. Quando não havia "caeté" a massa era posta sobre folhas de palha de milho, abertas. Com uma espécie de pá de madeira de cabo longo, levava-se o pão ao forno de barro, previamente aquecido. Uma portinhola fechava o forno. O pão era assado pelo calor remanescente, após a queima da lenha, complementado com algumas brasas deixadas propositalmente no interior do forno. Quando o calor era excessivo, abria-se a pequena janela existente na parte posterior, para a temperatura voltar ao ponto desejado. Atingida a temperatura ideal, a janelinha era novamente fechada com um tijolo adaptado ao tamanho do buraco.
Ao meio dia a refeição era com toda a família. Consistia, geralmente, em polenta recém-feita, com queijo, ovos fritos ou salame e carne ao molho, de porco ou de galinha. Raramente servia-se carne de gado. Só existia banha de porco. Quando não era servida polenta, costumava-se fazer massa, a pastasciutta. A salada era pouca: algum radichi pissacan, pepinos, cebolas e vagem de feijão. Até hoje, com cem anos, nosso pai António prefere esse tipo de comida às mais leves recomendadas por médicos e nutricionistas. Entre as crianças era muito disputada a casca que se formava no fundo da panela de ferro onde era cozida a polenta. A casca, misturada ao leite, transformava-se num prato apreciado pela meninada.
À noite, no inverno, costumava-se fazer a minestrona, que nada mais era do que uma sopa de massa misturada com feijão e alguns pedaços de carne de porco defumada, que se comia com pão. O arroz não era muito utilizado. Bolachas, cucas, bolos e tortas, só em festividades ou ocasiões especiais. Todo o tipo de massa era feito e sovado à mão. Não existiam máquinas apropriadas ou massas prontas. Usava-se mais nata do que manteiga. Mel, nata e doces derivados de frutas, acompanhavam o pão. As refeições eram complementadas com ovos, queijo e salame.
(do Livro Antonio Rebonatto Um exemplo de Vida pg.117/120, de Alberto Antonio Rebonatto)
Alberto Rebonato, advogado, é membro efetivo da Academia Passo-Fundense de Letras.
E-mail do autor: alberto.rebonatto@terra.com.br
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