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Contos-->UMA SOLUÇÃO PARA O PAI -- 01/03/2020 - 05:58 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

    Há quinze dias, o advogado Nelson perdeu o seu pai. Ele faleceu por causa de um ataque cardíaco durante o sono e agora, o advogado Nelson, no meio desta chuva, dentro desse ônibus, quer entender um fato ocorrido na vida do seu genitor, há vinte e cinco anos atrás; quer uma explicação sobre ele... que parece necessária principalmente durante essa chuva. O advogado não sabe o porquê, a explicação parece querer chover no molhado.

       O pai de Nelson, sr. Everton, há vinte e cinco anos, era outro homem, rigoroso e atento, sempre alertava os filhos sobre algo correto a ser completado. Todos os domingos, por exemplo, tomava alguns copos de cerveja e como os três filhos ainda  não podiam beber, escutavam do pai com o copo na mão, ordens diretas para o exercício de um possível poder masculino sobre o mundo, que significava assumir uma liderança natural sobre as coisas  ou  mais,  representar a imortalidade dessa índole masculina, não vacilando jamais diante da existência de um problema, pelo contrário, resolvendo-o.

     Nelson sente o rigor da chuva e por isso, lembra novamente do antigo rigor do pai que realmente acreditava em seus discursos e os preceitos surgidos dali deveriam emergir também da cabeça dos seus futuros netos, havendo outras obrigações essenciais: manter a união entre os irmãos; respeitar pai e a mãe; pedir a benção semanal aos avós vivos e mortos; ter uma postura de homens sérios – mesmo com onze anos idade - inteiramente machos dentro de um mundo produtivo. 



    Há quinze dias Nelson perdeu o seu pai por causa de uma ataque cardíaco e agora, no meio desta chuva,  ele percebe o quanto foi intrigante a mudança do seu pai em relação aquele  discurso. Nelson lembra como algo súbito, ocorrido há vinte e cinco anos atrás; o pai simplesmente parou de falar, como também as exigências sumiram. Ele pareceu sentir ter mandado demais e as ordens passaram a vir apenas da mãe de Nelson, antes tão calada diante das posturas do marido. A mãe surgiu dominante e o pai se tornou desatento e permaneceu, o resto da sua vida, alheio a todas as questões da vida dos filhos acontecidas durante a puberdade, durante a adolescência, no início da idade adulta: a angústia dos namoros, as primeiras vivências profissionais ou qualquer outro tipo de experiência.  Alegrava-se com algo evidente: a formatura dos filhos em alguma faculdade, mas mesmo essa alegria deveria ter sido um contentamento muito maior. 

      Há alguns dias o advogado Nelson vem se perturbando com a lembrança da transformação do pai até concluir algo evidente e agora realmente é evidente...e por isso a chuva cai deste modo arrasador. Há vinte e cinco anos o seu pai assistiu à exumação do corpo do pai, avô de Nelson, falecido então há quinze anos. Era a transferência dos restos mortais daquele homem para uma urna pequena. O pai de Nelson foi o único  filho a comparecer à retirada e... ele não poderia ter testemunhado o evento, pelo menos não naquele dia. A exumação foi o pior dos enterros e o pai de Nelson, Sr. Everton,  não suportando as imagens, pensando no significado da vida, mudou toda a sua maneira de encarar o mundo. 

     Nelson se lembra dos comentários do pai no dia seguinte à exumação. “A vida não vale nada”- disse à esposa. “ Deus não deve existir”. “Eu não sei mais em quem acreditar”. O pai repetiu  tanto as conclusões de desprezo ante o Todo-Poderoso na criação dos homens que, estranhamente, e para definir tudo;  três dias depois, o senhor Domingos -  pai da esposa, sogro do sr. Everton, avô materno dos filhos – também morreu. Foram muitos dias de silêncio.

     A família de Nelson, depois de cinco anos mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro. Vive aqui há vinte anos e agora, há poucos dias, quem perdeu o pai foi Nelson, devendo entre tantas obrigações, também acomodar lembranças, principalmente a ordem ainda calcificada, mesmo depois de 25 anos; a primeira ordem do manual paterno:  é  obrigação dos filhos representarem a invencibilidade máscula. Serem duros como coices. 

     Mas o pai mudara tanto... e no fim da vida criava cachorrinhos vira-latas. Na antiga visão do pai, cachorrinhos estavam na dimensão de ganidos femininos. Qual postura seguir?

         Nelson analisou o local onde estava: “A empresa deveria orientar os motoristas a ligar alguma luz de emergência, assim todos os passageiros poderiam se levantar e calcular se as águas de Deus perceberam a presença humana  e baixaram”. 



 


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