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Cronicas-->MERGULHO NOTURNO -- 03/06/2008 - 23:41 (JOSÉ RICARDO ZANI ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Noite solitária, meio vazia, dessas ocasiões preferidas pelos pensamentos distantes, quando querem ressurgir das sombras ou do silêncio, sem avisos nem motivos.

É o que parece acontecer com ele. Movido por essas sensações, caminha indeciso até um canto da casa, onde existe um pequeno armário. A peça de madeira está onde sempre esteve, discreta, há uns tempos esquecida. Hesitando, pergunta a si mesmo se há algo diferente com que se ocupar, mas as emoções se antecipam, ameaçando arrombar o móvel à sua frente.

Ele se conhece bem. Sabe que, se abrir o armário, mergulhará em algo que o engolirá por horas. Nesse caso, sua noite já não estará vazia, mas não sabe como ela poderá terminar.

Delicadamente, gira a chave do armário e retira um dos pequenos volumes ali guardados, abrindo-o com cuidado. Então, acomoda-se e respira fundo. Perde a noção de quanto tempo se passa, embalado por tantas sensações. Logo, quer abrir o segundo... E aos poucos vai-se vendo numa rota emocionante.

Mal termina o segundo e bate a vontade de partir para o próximo. Como chegou até ali, vai em frente. Acontece que, dessa vez, o efeito parece mais forte. O terceiro realmente é diferente e o leva por caminhos e emoções pouco comuns.

O que há de diferente nesse último? Ele tem nas mãos o terceiro álbum de fotos de uma das coleções que guarda como um tesouro. Dezenas, quase todas antigas. Detém-se em uma delas, a mais velha do conjunto. Preto e branco, com décadas de idade, mas em boa conservação.

Uma sensação de surpresa inunda-lhe os pensamentos. Há muito tempo se esquecera dela e não esperava encontrá-la naquele contexto nostálgico. Talvez por isso, agora parece vê-la pela primeira vez.

Natural sentir saudade quando a gente se entrega às recordações que as imagens antigas nos trazem. Mas nesse caso há algo diferente. Não é propriamente saudade, já que nessa foto só ele aparece, aberto num doce sorriso, na pose ingênua e franca dos quatro ou cinco anos de idade. É que aquela visão inspira um carinho que vai além da imagem em si.

Olhando para a fotografia, ele vê quem nela não está. Pessoas que num certo momento de suas vidas incertas deixaram de lado os ganhos e perdas, as idas e vindas, e fizeram algo para compor uma cena de ternura que, sem se darem conta, legariam às emoções distantes de uma era impensável. Entrega-se ao sentimento que renasce nos laços com quem cuidou do menino em tempos frágeis, difíceis, mas palmilhados com afeto.

A emoção aperta ao pensar nas pessoas que se esmeravam em deixá-lo assim como na foto: arrumadinho, bem penteado, sapatinhos brilhando, roupa alinhadinha...

Lembranças, as melhores lembranças, de quem conseguia provocar-lhe um sorriso puro e sincero. A doçura de quem o afagava, o carinho de quem lhe dava colo, a proteção de quem o levava pelas mãos, o valor de quem lhe mostrava caminhos e atalhos.

Segue por longos minutos imerso na imagem cinzenta dentro do álbum, até que finalmente cai em si e retorna ao presente. Aí ele se dá conta da maravilha que é, ainda hoje, ver e abraçar pessoas que desde o inocente preto e branco do árduo passado davam-se àqueles cuidados.

Mas o momento atual também balança nas dúvidas sobre a justa gratidão devida a essas pessoas e soluça nas dores por quem aqui já não vive, a não ser nas lembranças que a memória infantil capturou para guardar por toda a vida.

Muito além das imagens, porém, com a foto repõe a doce noção de fazer parte de um lar, naturalmente sem luxo, construído com mais sentimento do que acabamento. E revive o aconchego de pessoas que lhe dedicaram muito de si, sem nada esperar em troca. Exceto expressões de ternura como a que se mantém viva e verdadeira no papel envelhecido.
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