Usina de Letras
Usina de Letras
69 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62242 )

Cartas ( 21334)

Contos (13266)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10369)

Erótico (13570)

Frases (50639)

Humor (20032)

Infantil (5439)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140811)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6196)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Boca sem dente -- 02/07/2008 - 12:52 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Boca sem dente


Fernando Zocca


O homem velho, tabaquista, com a voz já fanha, parou diante do portão marron aberto, logo pela manhã e, ainda sentindo na boca o gosto do café que bebera, acendeu um daqueles seus cigarros baratos. A mulher pançuda de cabelos pretos, longos, oleosos, e calcanhares cascudos, desejava-lhe boa sorte quando ele pós-se a caminhar.
Um frêmito tênue de temor, apossou-se-lhe da alma, que há muito percebera algo dificultoso no deglutir. O homem velho, seguiu então pela calçada arrastando aquele seu chinelo surrado, sentindo o roçar da indefectível bermuda suja e, notando limpa a camisa, da qual mandara tirar as mangas, andou lentamente em direção ao botequim BateLata, onde comerciaria até a hora do almoço.
Para trás ficaram os filhos, já criados, os netos e a nora. Ele sabia que o acometimento da deficiência mental congênita, fora-lhe sorteado pela natureza, cabendo aos descendentes o encargo de vivê-las em plenitude.
O ar frio da manhã constringia-lhe a garganta e a cada inspirada, um acesso tussígeno impunha-lhe desconforto, ecoando pela rua deserta. O homem velho, cuja boca continha ainda cavacos pontiagudos e enegrecidos de alguns dentes, soterrados na gengiva túmida, ouviu quando a barriguda fechou o portão atrás dele.
Àquela hora da manhã a mulher esperaria por uma vizinha indo as duas à missa. Mas o imprevisto em forma de torção no pé esquerdo, tirara a mobilidade do filho esquisito, geneticamente mal formado.
A mulher fofa então, naqueles dias em que se obrigara a ficar com o descendente, que tinha a região do pé até o joelho, envolvida pelo gesso imobilizante, rezava em casa, para que o mau-olhado e a inveja não perturbassem o funcionamento do BateLata. O marido sofria agora pressões dos agentes da prefeitura, que o intimaram a instalar a placa identificadora, na fachada do estabelecimento.
Ela, a rechonchuda oleosa, de calcanhar cascoso, na defesa do seu homem, seria capaz de tudo. Pensara até em colocar o nome dos tais fiscais, na boca do sapo, caso eles resolvessem prejudicar-lhe o ganha-pão.
Ao passar defronte a casa de porta basculante marrom, onde morava o casal homossexual masculino, o velho homem, da boca sem dente, recordou-se de uma pequena confusão que houvera ali algum tempo atrás: a empregada dos gays ralhara com o velhote da esquina por permitir este, que seu cachorro fizesse ali, na frente da morada dos seus patrões, aquele cocozinho básico diário.
Tossindo, o boca sem dente lembrou-se que o rolo fora enorme, com um bate-barba terrível, tenebroso, tendo silenciado o resto da vizinhança.
Durante a caminhada, e a espaços regulares, o homem aspirava com força, a fumaça do cigarro barato, até chegar diante da porta metálica daquele local, o BateLata, onde com muito orgulho, exercia o seu ofício.
Apertando a bituca entre o indicador e o polegar da mão direita, o homem puxou a última tragada, jogando longe o que sobrara. Com gestos cuidadosos, que demonstravam paixão até, ele introduziu a chave na fechadura, sentindo o girar macio do objeto.
Sem fazer ruído, ele suspendeu a porta até a metade, dobrando o corpo então, numa espécie de reverência, para ingressar no recinto, considerado sagrado.
Com alguns gestos toscos que remetiam ao sinal da cruz, o velho homem, também conhecido na Vila Dependência, como o loco-do-toco, um dos mais temidos botequineiros de Tupinambicas das Linhas, aproximou-se da imagem sinistra, mantida atrás do vaso de comigo-ninguém-pode, e reverenciou Satanás sob a luz da vela que ainda ardia.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui