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Cronicas-->Esperança -- 03/07/2008 - 08:57 (A.Lucas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A primeira parte do texto a seguir foi escrita em abril de 2004 e a segunda parte cerca de quatro meses depois. Foi um período um tanto difícil para mim. Eu me encontrava desempregado e isto, na minha idade à época, tornava-se um problema ainda maior.


ESPERANÇA CANSA... CANSA?

Numa noite dessas de verão, quente e prometendo chuva, voltando pra casa cansado da academia, vi duas cenas que me deram o que pensar.

É comum nas ruas aqui do meu bairro, à noite, vermos pessoas "fazendo compras". Essas pessoas saem em grupos, empurrando carrinhos de supermercado e revirando latas e pilhas de lixo. Dali tiram muita coisa: comida, muitas vezes em embalagens ainda fechadas, latas e embalagens plásticas que vendem para reciclagem, objetos eventualmente ainda aproveitáveis... enfim, uma série de coisas que, mesmo longe de fazer da vida algo que se possa chamar de confortável, ajudam a torná-la um pouco menos dura e miserável. Restos da "classe média" que a média das classes aproveita.
Esta primeira cena em si já não era novidade para mim, mas eu estava realmente num mau dia e me vi obrigado, mais uma vez, por obra e graça de algum Poder Superior a mim (seja qual for o nome que se dê a ele), a reavaliar meus pontos de vista.

A outra cena seguiu-se quase que imediatamente à primeira, poucos metros à frente. Uma mulher negra, de seus 30 e poucos anos e outros tantos quilos sobrando no seu metro e meio de altura, extremamente pobre, se escondendo da chuva e se preparando para dormir com duas crianças, de uns quatro e cinco anos aproximadamente, sob uma marquise de um banco. Mas não era um banco qualquer (quanta ironia...) e sim o segundo maior lucro líquido do país no ano anterior.
Mesmo andando rápido, para chegar em casa antes que a chuva viesse de vez, ainda pude ouvi-la chamando a atenção do maiorzinho, sem gritar: "Você precisa se comportar melhor! Você, além de desobediente, está ficando pretensioso!..." É importante frisar que não inventei a frase nem ouvi mal - estou reproduzindo exatamente o que ela disse. A interpretação do que quero dizer aqui fica por conta de cada um (mas essa idéia vai ter um contraponto lá no final do texto...)

Mesmo não tendo sobressaltos quanto à sobrevivência e às contas do dia a dia, não é nem um pouco confortável estar desempregado, absolutamente sem dinheiro, sem poder fazer frente às minhas despesas pessoais nem contribuir em nada para as contas da casa, cada dia maiores, e ainda estar me sentindo como mais uma despesa. Mesmo estudando até as quatro ou cinco horas da manhã quase todos os dias, fazendo provas de concursos públicos uma atrás da outra, e procurando fazer de tudo para dar algo de mim na rotina da casa, não adianta estar consciente que "estou fazendo a minha parte". Tem horas que isso não é o bastante - seria mais agradável estar fazendo o verdadeiramente possível dentro da minha melhor capacidade (limite esse que eu não tenho a menor idéia qual seja). Sou da geração que recebeu um verdadeiro "adestramento" quanto a serem os homens os seres trabalhadores, provedores etc e tal e por mais que eu, conscientemente, ache que as coisas podem ser diferentes, principalmente quando são temporárias, fica lá no fundo uma imensa sensação de inutilidade.

Quase junto com os primeiros pingos grossos da chuva, me bateu na cabeça uma pergunta: "O que move essas pessoas da rua?" A resposta caiu feito um relàmpago: "A Esperança!"
Elas devem ter alguma coisa que eu gostaria de não invejar, de apenas admirar, mas não consigo. Essa alguma coisa não é só tenacidade (dizem que isso é coisa de rico: o que pobre tem é teimosia...), nem mera vontade de viver (o que, em último caso, é apenas consequência do instinto de preservação). Descobri que essa coisa a mais que mantém essas pessoas em movimento é a esperança. Não só a vaga esperança "de que as coisas vão melhorar", que o governo, ou qualquer ONG ou sei lá quem vai fazer algo por elas. Deve ser esperança de bem mais que isso e talvez nem passe por essa "esperancinha de 2a classe". Deve ser esperança de algo maior, mais inerentemente humano e real e que, muitas vezes, afastamos de nós com a filosofia vazia e maniqueísta da vida dividida em "coisas materiais" e "coisas não-materiais", como se fosse possível viver sem o lado material ou sem o não-material. Mas não estou falando em (sobre)viver. Estou falando em V-I-V-E-R, de verdade. Em ter um ponto em torno do qual todo o resto se apóia e gira, seja um gesto de carinho dado ou recebido cotidianamente, seja uma tarefa desempenhada dia após dia no trabalho, sejam as noites de amor, ou ainda o arrumar a casa e preparar o almoço... É desse tipo de esperança que estou falando. Da esperança que amanhã talvez seja possível repetir mais uma vez um pequeno ou grande gesto, tantas vezes já repetido e quase sempre ignorado ou perdido num canto qualquer da memória, mas de fundamental importància para outra pessoa. E, se hoje não deu pra nem tentar, amanhã, quem sabe... E só há um jeito de saber: é não se cansando dessa esperança. É sabendo alimentá-la, ainda que "fazendo compras na rua". É sabendo usar os restos para ficar vivo até que um novo dia traga a possibilidade daquilo, daquele ponto, aquele pivó, acontecer de novo.

Encharcado, literalmente, pela chuva que já engrossara bastante e, nem tão literalmente assim, pela visão que tive da cena e do sentimento que ela me causou, pude entender porque eu estava tão mal. Entendi também o estranho cansaço que me assola, cada vez com mais frequência e que percebo claramente que não é "físico" (sem deixar também de ser) nem resultado de exercícios ou de noites mal dormidas. É uma forma esquisita de preguiça e parece uma certa mistura de falta de vontade, de má vontade, de mau humor, de decepção, de frustração... Descobri claramente o que é: é cansaço de esperança. Cansaço de esperar que um currículo seja lido por alguém que tenha interesse nele, que o "leão" me devolva o que me deve, que o resultado de pelo menos uma das provas seja positivo... Cansaço de esperar que um filho me telefone apenas pra saber como estou ou pra me contar como está ou pra chorar no meu ombro ou pra me dar alguma notícia boa ou ruim... Cansaço de esperar o calor diminuir, a chuva passar, do sanduíche estar gostoso, de ter privacidade, de uma grande noite de amor acontecer de novo, da música estar bonita, do filme na TV ser bom... Cansaço de esperar sentir que "aquela porcaria de chuva" é "uma chuvinha gostosa fazendo barulhinho no cimento ou batendo na cabeça", que "aquele sol danado de quente" é "um solzinho gostoso dando um bronzeamento inesperado", que "aquela noite interminável estudando Direito Trabalhista" foi "uma noite proveitosa aprendendo um pouco mais sobre os meus próprios direitos". Enfim: cansaço de mim, cansaço de esperar ter esperança de novo...

VIVER É TER ESPERANÇA DE VIVER

Quantas vezes me vejo ainda a pensar sobre o que move aquelas pessoas carentes de tudo, carentes de sonhos, de alimentos, carinho, compreensão, que catam as latas dos lixos e ainda assim buscam a vida. Penso também nas outras que tudo têm, sonhos, alimentos, carros, apartamentos, carinhos, compreensão, e ainda assim não sobrevivem e buscam a fuga na bebida, nas drogas, nos consultórios dos analistas e finalmente buscam a morte, o càncer, a demência, o esquecimento, abrindo mão de suas vidas!
No que elas diferem?
Na capacidade não apenas de ter ESPERANÇA, mas de, sobretudo, saber LUTAR com todas as armas de que dispõem, de não desistir de viver, de considerar a vida seu Bem Maior e de encontrar, de qualquer modo, a sua solução, aceitando o seu caminho e aproveitando toda e qualquer felicidade e oportunidade como obra do Criador.
Isto se fundamenta numa coisa simples: a certeza de que só obtemos aquilo que merecemos, sendo as regras deste mérito pré-definidas pela infalível lógica do Universo. Observando da perspectiva do humano para o universal esta "quase fé" nasce do pensamento (um tanto cético) que este merecimento decorre da capacidade de criar, desenvolver e bem administrar os eventos da própria existência.

Felicidade/infelicidade é uma vocação/não-vocação para ser feliz. É ver em cada gota d´água de chuva uma dádiva e uma extensão da natureza que existe dentro de cada um de nós. É ver no sol escaldante uma expressão de nosso calor interno. É sentir na fome a representação de nossa saúde, bem como no sono a hora exata para descansar. É deixar as coisas acontecerem na sua hora certa, pois o Cosmos não escreve certo por linhas tortas, ao contrário, escreve certo por linhas certas, fazendo com que tudo tenha a sua hora, relevo, cor e sabor! Se não sabemos entender a retidão dessas linhas e a tortuosidade das nossas idéias, se não somos capazes de perceber as vezes que o Universo conspira a nosso favor, o problema não deve estar propriamente no exterior das nossas cabeças...

Não nascemos com regras padronizadas de felicidade. Temos as nossas oportunidades e opções, mas nascemos com uma obrigação: sintonizar os desejos cósmicos com Fé na Justiça Maior, o que se traduz, na prática, em felicidade verdadeira. O que não se pode é querer ter da vida algo que ela não nos pode dar ou que não façamos para merecer (seja qual for o motivo - e essa interpretação depende também de fé).
Podemos ser felizes de muitas formas, em quaisquer momentos, pois o "Ser Superior" tem muitas variações nos seus planos e, muitas vezes, apenas somos muito pretensiosos ao pretender compreendê-los, esquecendo que toda escolha envolve uma perda.


Alexandre Lucas R. Cordeiro - inverno de 2004
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