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Artigos-->Esforços & tentativas -- 26/03/2000 - 11:38 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando as coisas começam a engrenar, quando o universo inventa alguma onda mansa e fácil, estico o pescoço e escuto. Não pago para ter ao pé de mim tamanha paisagem, nunca rogo um triz de nada. E, ainda que deseje o contrário, quem sou eu contra o vento despejando flores?

Uma luz de mim irradiava, um halo me circundava o crânio, e eu estava a par de tanta felicidade. Não tinha nenhum descaso com nada. Algo em mim borbulhava, gritando que eu tinha plena ciência, que eu estava cônscia, que eu merecia cada centavo do cachê que me vinha abundante, fartamente pago. Toda e qualquer carga compensava o prêmio, então o que de matéria me pesaria? O bem me vinha gratuito -- eu não duvidasse disso -, e muito bem embalado. Então, que eu o engolisse por inteiro, sem mastigações.

Não posso esquecer nenhuma sombra. Que não que não. Mais adiante, a alguns passos ou palmos - não sou boa de calcular distâncias -, sei que a alguns dez olhares de mim ou sei lá, estava o banco mais sublime construído para assentar quartos sem peso. Um cume de onde era possível contemplar. Não mirar, eu não diria assim. Contemplar. Com tudo o que dessa palavra decorre, com todo o vento que ela sopra, esse algo que de longe vem, a reta horizontal tracejada ao mais distante do que os olhos alcançam, aquele ponto em que não há mais céu nem nada, só pensamentos ditados ao coração.

Venham lembranças, chorem lamentos, desperdicem-se cantigas e tentativas, essas indubitavelmente maquinadas, prontas para seduzir. Nunca nesta vida conheci uma só tentativa que não trouxesse, nessa insistência, o desejo de sedução. Quem tenta, acredita e vai em frente, até a conquista, que pode ser, não obstante, uma retumbante derrota. Tanto faz. Enquanto o mundo for mundo, viver é tentar, um esforço às vezes inútil, mas necessário, como respirar. Vá explicar isso a um jogador de futebol correndo sôfrego atrás de uma bola: perda de tempo! Esse é o viver do craque. Enquanto o viver de quem lhe explica a vida é convencê-lo da corrida inútil que percorre, de um gol a outro, ida e volta, cão submisso ao apito do juiz. Taí, convencer é viver, e viver é um contínuo esforço. Tudo bestagem das besteiras. Vai daí, se humanos somos, temos lá nosso lado cômico aos olhos de quem nos observa. Sempre protagonizaremos um bom minuto de comédia bufa, e daí? Somos animais racionais, pelo menos no que prescreve a bula escolástica. Sim, meus senhores, acreditamos, sem nenhum manejo, que somos diferentes e melhores, a encarnação perfeita de Deus. Mesmo que sejamos tão imperfeitos! E, quanto mais imperfeitos, tanto mais parece que nos aproximamos do ideal de Deus para nós, que coisa!

O fim dos tempos não passa da junção de retas duvidosas vida afora, que, num milagre, confluem para o nada e resolvem todas as cismas, casando-se romanticamente, isto é, casando-se para todo o eterno. O mistério que pode haver nesta vida, desde o primeiro guincho, só pode ser mesmo o que assopram os neurônios, esses réus confessos. Filosofia é matatempo. Se vivo, em vez de filosofar, cumpro.

Quem se senta num banco, meu amor, que mais deseja? Uma câmera na mão ante a vida em desfile para a sua vida de dentro. Neste exato momento, eu tenho de recordar alguma coisa, mas nada me vem. Ou será que eu é que não me lembro nem faço caso de meus passados? Branco no banco, nada nem ninguém. Onde todos? Os que viveram um dia, aquelas boas almas brasileiras que tropeçaram seus desajeitos, que choraram lágrimas sinceras, sem ligar para o momento do arrebento da gota no chão árido e arenoso, estéril à dor. Isso é que é pureza, de fato. Não olhar o chão onde a lágrima se desenrola é o máximo de sabedoria na inconsciência mesma da alma espatifada. Dar de adubo a semente translúcida da alma ocular é o máximo de despojamento.

E onde todos? Onde? No quadro que o tempo pintou a destras mãos quando o gato miou e a ema gemeu, longe ou perto, longe do que os ouvidos planejaram ouvir e não deram fé, a não ser quando bateu uma lufada quente e soprosa?

Aquele não era dia próprio de lamentos. Bem dizendo, aquele não era dia de nada. Nem de planejamentos, todos vãos. Viva o mar de Coca-Cola por onde as gentes gostam de bracejar! Fácil e indolor esta injeção letal. Fim suave – mas onde enfio a dor da agulhada, pelo amor de Deus? Esta é a parte que ninguém me conta. Mistério? Prefiro entender assim: esforço inútil. Rolar uma rocha para cima em paga de promessa, eu coitada, que nunca fui pecadora.

Algumas lojinhas ruíam suas quinas e não piscavam mais neons insistentes. Vistas assim de platibanda, essas construções mais pareciam capelas fúnebres em quadras de cemitério. O engenho humano construindo seus próprios ossuários, como a antecipar mausoléus. Mais um esforço! E, como tal, inútil.

Qualquer flor, desde então, tingiu-se da cor que quis, e não houve um só olhar que se desse conta de algum pistilo solitário a uivar dentro alguma dor. Tudo era. Pra que, pelo amor de Deus, existiria uma beleza persistente, uma onda invisível em viagem para outro céu?

Hoje sei que alguém me observava. Pena ter-me traído no desaviso do que lhe andava no sentir. Se eu soubesse, talvez planejasse melhor meus gestos, repetisse aqueles tolos meneios que penso serem de efeito. No entanto, a boca da hora me apertava firme, o que, comprimida contra o queixo, me dá um feitio másculo ariano, à parte do que sou. Eu era alguma poesia num quadro que outro pintava. Nossa, e como detesto ser pega de surpresa, ter minha voz presa num gravador, minha imagem quebrada e distribuída em ladrilhos no correr de um calçadão seminu onde trafegam corações resolutos! Ixe, que viagem!

É assustador topar com a própria fotografia num jornal ou ouvir o próprio nome repetido ao mundo por meio de bocas vagabundas. Em minuto algum eu autorizaria àquele distinto me encurralar em um beco seu. Com que direito alguém vem e me arrebata e come? Ah, quantos olhos me seguem? Sol, pássaros, gente? A eles presenteio com minha inconsciência. Meus amores, que sois belos e maravilhosos, eis-me. A este último, dou-lhe de mãos beijadas e tetas sugadas minha alma do avesso, plena de candura e virgindade infinda. Enquanto eu brincava de avistar o mar, lançando-me o desafio de enxergar mais e mais distante, adivinhações em lugar de imagens mais e mais opacas, o outro me desnudava peça a peça e me refazia, segundo critérios tão seus, que eu jamais quereria saber por que como quando tudo se passou na sua cabeça elétrica-pensante de parafusos soltos aos milhões.

Eu nunca me arroguei. Enquanto avistava com perfeição a brancura de meu vazio interior, provocava com meus trejeitos o que o coração ao lado decodificou ao seu mais particular bel-prazer. À minha frente avistei folhas caindo secas, num balé lindo que me provocou o mais fino ciúme. Tanta leveza e errância era o que eu mais me quisera nesta vida. Entenda-se: era a única coisa que eu desejara todos os verões. Migrar com as andorinhas. Dar destino ao que mais de humano em mim, alçar vôo, planar acima dos contornos.

O sol escandaloso brincou de enfeitiçar a hora, tatuando tardiamente a pele rugosa da terra anciã. Distingui com ligeireza o riso debochado dos pardais, a festa que faziam as folhas em balanço ao vento nenhum. Nunca indaguei o porquê dessa harmonia no que ela tinha de calculado e exato. Mas eu já dissera: estou sabendo, estou aqui, não me desprezem, não sou um toco à intempérie. Um animal sanguinolento e fraco, isto sou, mas ocupando o único trono no espaço que me é destinado, e contra essa lei não há quem me assente em cima. Estes sete palmos são meus, e ninguém tasca.

Assim passei pelo dia, sem meteorologia: muito sol, nada de vento, algumas nuvens esparsas, não sei quantos graus de calor morno e despercebido. Um dia de tanto faz, uma data de que será será.

No dia seguinte, estacionei meu viver na primeira banca de jornais. Uma crônica descrevia uma moça sentada num banco de praça. O jornal acabou servido em minha mesa junto com o pacote de pães e a caixinha de leite.









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