Um atentado ao estado de direito e à cidadania. Especialistas ouvidos pelo GLOBO definem assim a dificuldade que os candidatos têm enfrentado ao tentar fazer campanha em favelas dominadas pelo tráfico e pelas milícias no Rio. Para o juiz aposentado Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, a situação é de extrema gravidade e esses grupos podem ser considerados organizações pré-mafiosas - por terem o controle territorial e social, além de começarem a influir nas eleições.
- Há muito tempo venho alertando para o risco de o crime organizado ter controle eleitoral. O problema se torna mais visível durante as eleições, mas vem se agravando. No Rio, temos ordens do crime para fechamento de escola, de supermercado e toque de recolher. Existe um controle social. Esse território passa a não ser do Brasil, porque o crime organizado tem suas próprias leis. Seria ingenuidade pensar que eles não teriam influência na eleição. E vão penetrar no Estado, macular o pleito e o sistema democrático.
Para Maierovitch, o problema não será resolvido só com a intervenção de tribunais eleitorais. Ele chama de "falsa garantia" a ajuda que um candidato recebe para entrar na comunidade dominada pelo crime, já que os habitantes já estão intimidados e, provavelmente, vão obedecer a ordens de votar nos candidatos "eleitos" pelas quadrilhas ou milícias:
- A partir do momento que se afronta a cidadania e os direitos individuais, a questão passa a ser nacional. E o governo federal não se move. O governo estadual se mostra incompetente, prefere o espetáculo. Veja a evolução da criminalidade. O jogo do bicho era mais sutil. Fazia churrasco, dava presente, convidava o candidato. Agora é força, intimidação. Eles dizem: se vocês vierem, há risco, nós matamos.
O cientista político e professor da UFF Eurico Figueiredo diz que o que está acontecendo na campanha é uma ofensa não só ao candidato, mas ao cidadão do Rio. Para ele, a questão só será resolvida com políticas públicas a curto e longo prazo.
Maierovitch sugere uma reforma profunda e emergencial na legislação sobre o crime organizado, limpeza nas polícias, maior poder de investigação para o Ministério Público, mudança da organização judiciária, do sistema processual e no sistema penitenciário. (Cláudia Lamego)