Fernando Zocca
Luísa Fernanda quando se sentia melancólica, abria uma garrafa de Velho Barreiro, postava-se diante do seu teclado antigo, acendia um cigarro e, dedilhando, procurava esquecer as amarguras da vida.
Naquela manhã de domingo, do princípio de agosto, Luísa pensava na mãe já bem idosa. A moça sentiu um calor súbito na face, mas lembrou-se que bebera boa parte da noite; por isso a explicação, de serem aqueles fogachos causados pela ressaca, aquietou-lhe o espírito.
O problema de Luísa era tocar bem o hino do Corinthians, mas como essa missão mostrava-se-lhe bastante complicada, repetia a mocréia, nota por nota, até enfadar, o gato e a poodle do barbeiro vizinho.
Aos sons dissonantes, o bichano apresentava sua contrariedade afastando-se; Ã poodle, cabia ganir demonstrando um grande sofrimento.
Luísa Fernanda não era autoridade, mas também desejava impor seus limites à queles que não lhe inspiravam simpatia, ou a quem fazia ou dizia o que ela julgava ser absurdo.
Se ela não gostasse de alguém tecia logo intrigas e criava ciladas nas agências bancárias, mercearias, lojas, casas lotéricas, igrejas, bares, cartórios, sindicatos e padarias para que, por meio dos embaraços sociais e legais, afastasse o antipático.
À Luísa Fernanda quando pensava na mãe, acorriam-lhe as lembranças de uma velhinha balofa, com as pernas curtas, que de tão curtas, balançavam-se no ar, depois que a dona sentava-se num banco qualquer.
E como a mamãe gordurosa, de calcanhar cascoso e rachado, era frequentadora da seita maligna do pavão-louco, Luísa achou que, usando aqueles métodos ocultos da gangue-do-murmúrio, conseguiria impor o que ela considerava limites de contensão necessários, Ã s estultícias que o Van Grogue vinha cometendo.
Luísa pensara em usar a técnica de aporrinhação consistente em fazer os vizinhos do Grogue, murmurarem maledicências, por horas e horas seguidas, lançando-as em direção à parede oposta e frontal da casa do pingueiro. Mas talvez isso não bastasse, pois o bebum já dava sinais de tolerància. Então ela pensava em algo mais contundente.
Quando emitiu os sons referentes ao ... campeão dos campeões... do hino que tocava, Luísa lembrou-se do prefeito de Tupinambicas das Linhas. Um dos primeiros atos do Jarbas, ao assumir o cargo máximo do executivo na cidade, foi o de doar, a título de caridade, R$ 2,5 milhões ao presidente da seita maligna do pavão-louco.
O mandatário, chefe da seita, em nome da entidade, passara recibo da importància vultosa, mas não embolsara nada mais do que uma pequena comissão.
Com o recibo de doação nas mãos, Jarbas justificara a saída do dinheiro público, que na verdade fora mesmo usado para o pagamento das suas dívidas de campanha.
E agora ali, naquela manhã chuvosa de domingo, ao som do hino do alvinegro, no alpendre enfumaçado do quintal da sua casa, ao lado da piscina mal cuidada, momento em que chegava o tempo das novas eleições municipais, Luísa já atordoada pelas canas matinais, não sabia se deixava ou não de perseguir o Van Grogue.
Um fato, porém era certo, inegável: na manhã seguinte, segunda-feira, ela teria que estar firme e forte, Ã frente da gerência do setor de cobranças do Brafresco, aquele banco em que trabalhava.
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