A jovem observava as ondas brancas e revoltas do mar, naquela tarde nebulosa. Nuvens negras e baixas vinham mostrar-se à humanidade que logo se recolhia as suas casas, coretos, as coberturas e aos abrigos quaisquer que oferecessem proteção da tempestade que se derramaria sobre a cidade. De olhos fixos no horizonte, a garota parecia inabalável perante as oscilações cinzentas do céu e das águas; perdia-se num pensamento que navegava valente na arrebentação voraz.
Nos primeiros pingos gelados de chuva, chegou-se um senhor curvado sobre um velho galho de verniz opaco pelo tempo, e estendeu-lhe a mão num gesto de amparo. Como fosse a única pessoa a conseguir penetrar naquela meditação transcendental, ela acompanhou-o até uma casa abandonada, bem próxima dali, cuja larga varanda permitia que as pessoas pudessem ali descansar. Depois de limpar com as mãos as folhas secas que há muito tempo se depositavam ali, sentaram-se num banco e, calados, olharam o cair da chuva.
A música da ventania e da chuva misturava-se ao quebrar das ondas que gritavam a maré violenta que avançava. Nenhum outro barulho era audível naquele instante, até que o velho deixa cair num susto, o galho que lhe servia de apoio. Diante dela, aquele senhor de idade caminhava para as águas destemido em busca de algo inexplicável, mas à ela compreensível. Poucos segundos foram suficientes para que ele desaparecesse na névoa das ondas e da chuva.
Estática, ela se deixou levar pelas imagens que lhe proporcionavam o devaneio, e começou a imaginar o que haveria nas origens de cada ciclo, de cada onda, no formar e desmanchar das ondas, na areia molhada, nos peixes, no azul, no oceano. De repente, percebe que a cada nova onda, uma expressão de tristeza, de alegria, de revolta, se revezavam como se contassem uma história. Um conto que aos poucos acalmava os deuses e abençoava os homens, diluindo a tempestade.
O som melodioso de gaivotas desperta-lhe depois de longas horas distraída, e mostra-lhe o horizonte ensolarado e a calmaria que se transfigurou depois daquele tempo revolto. Chama-lhe a atenção um garoto que corre sorridente pela areia, brincando com as espumas amareladas das ondas que espirravam em seus pés. Seu rosto familiar trouxe-lhe não apenas uma revelação como também a consciência de toda uma vida.
Ela se abaixa e pega aquele velho galho que o senhor deixara cair pouco antes de atirar-se ao horizonte nebuloso; apoia-se nele, e olha seu reflexo já envelhecida, na janela de vidros empoeirados da casa abandonada. Eis que a jovem de outrora, viu passar por seus olhos contemplativos todas as intempéries de sua vida, sem notar que o tempo impiedosamente levou-lhe a juventude ao adentrar nas névoas da maré.
Agora aquela velha senhora apoia-se naquele mesmo galho, deixado pela antiga geração, e sabe que um dia, um jovem dar-se-á conta, de que precisa daquele apoio. Misterioso tempo que passa nos distraindo.
|