Cismático
Raimar era um menino educado,
mas muito cismarento.
Tinha cisma de tudo:
da vida, da morte, do tempo.
Achava o mundo o fim-do-mundo
e no mundo ficava a pensar.
Passava dias e noites,
noites e dias a cismar.
Cismava com a natureza ¾
rios e matas se acabando.
Cismava com a pobreza
e com a fome se alastrando.
Cismava com a beleza
e isso lhe causava rancor,
pois o que é urubu para uns,
para outros é beija-flor.
Mas o que mais cismava
era com a vida e a morte,
pois não acreditava
nos azares da sorte.
Em coisa pronta, coisa dada;
em bondade, em pecado;
em mil contos de fada
Raimar era cismado.
E por ser assim, cismativo,
questionador, intransigente,
perdeu muitos amigos
por ser mesmo diferente.
E de tanto cismar
acabou cismando a própria cisma;
esqueceu o que era brincar,
a ver o mundo por um outro prisma.
Enfim, recuperou da vida o sabor:
deixou de tudo cismar.
Já não é mais cismador,
aprendeu até a cantar.
Aprendeu que cada coisa
tem sua hora e seu lugar.
Que no mundo ainda há esperança...
Voltou a ser criança, a brincar e a sonhar.
(Raimar, não deixou nunca de cismar,
apenas aprendeu a se desvencilhar dos espinhos
e a caminhar de um jeito que sabe onde quer chegar.)
sidnei olivio |
